Protagonistas
da geração de energia no País, as usinas hidrelétricas são responsáveis por
cerca de 70% da matriz brasileira atualmente, tendo evoluído de mais de 13 mil
megawatts de potência instalada na década de 1970 para cerca de 70 mil
megawatts no início deste século. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) mostram que estão operando atualmente 1.122 empreendimentos de fonte
hidráulica, além de 209 já outorgados e outros 34 em construção. Entretanto, a
inauguração de novas grandes usinas está com os dias contados: 15 anos, no
máximo. Estima-se que, após este período, o potencial de construir novas
unidades terá se esgotado, não havendo mais usinas de grande porte para serem
implementadas. O Plano Decenal de Expansão de 2022, do Ministério de Minas e
Energia (MME), prevê que a participação das hidrelétricas deve cair para 65% já
no início da próxima década. Em contrapartida, a carga de energia crescerá 4,2%
ao ano, passando dos atuais 63 mil megawatts médios para mais de 91 mil
megawatts em 2022. Recentemente, o período de estiagem e escassez de água, com
o esvaziamento das represas, ameaças ao abastecimento, racionamento de energia
em alguns Estados e temor de futuros apagões, lançou luz sobre o assunto e
revelou uma conta difícil de fechar: o crescente aumento da demanda por energia
elétrica e a capacidade de oferta menor que o consumo. Diante deste cenário,
como fazer para que a forte dependência das hidrelétricas não se torne um
problema? Quais fontes serão capazes de complementar seguramente o fornecimento
nos próximos anos? Como reestruturar a matriz e garantir a eficiência
energética?
“A
demanda de energia cresce 4% ao ano e o Brasil precisa agregar novas usinas. No
horizonte de 2030 o País já não terá mais tantas usinas hidrelétricas para
construir. Está mais que na hora de se elevar o farol para uma visão de longo
prazo, para a expansão do setor, planejando inclusive quais fontes o País quer
ter no futuro, com hidrelétricas, termelétricas, isto é, gás natural,
nucleares, biomassa e carvão, além de foco especial nas fontes renováveis, como
solar, eólica e biomassa.” É o que avalia o presidente do Instituto Acende
Brasil, Claudio Sales. Ele ressalta que, em muitos casos, este cenário requer
medidas que devem ser tomadas agora. “Um bom exemplo é a geração nuclear. Hoje,
temos outras formas mais competitivas, mas, quando a gente olha para um
horizonte mais distante, este cenário já terá sido modificado e a energia
nuclear poderá ser considerada uma alternativa”, explica. Neste caso, Sales defende
que sejam tratados o quanto antes aspectos constitucionais e da legislação
nuclear a fim de permitir a participação privada no setor, e não apenas
estatal, já que o capital empregado para a operação de uma usina nuclear é
“gigantesco”. “A construção de usinas termonucleares, propriamente ditas, pode
ser privada”, afirma.
Entre
as fontes alternativas, o presidente destaca a energia solar, cujo potencial,
apesar de muito grande, ainda se encontra nos seus estágios iniciais de
desenvolvimento. “Estamos engatinhando. Para que a autossuficiência aconteça em
larga escala, é necessário que a regulação tarifária evolua, visando uma
equação eficiente e estimulando a economia, tanto para o consumidor quanto para
as concessionárias, sem implicar em prejuízos decorrentes de manutenção”,
pontua. Sales lembra que os preços caem na medida da escala, num verdadeiro
“efeito manada”, e que a compensação tarifária resolve apenas parte do
problema.
“PCHs
deixaram devem ser economicamente viáveis”
As
pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) são outra fonte com vocação expressiva
na matriz energética, de acordo com o presidente do Instituto Acende Brasil,
Claudio Sales, mas deixaram de ser economicamente viáveis. “As PCHs
praticamente desapareceram dos leilões de energia, perderam competitividade,
principalmente em função da burocracia, tanto para regularização ambiental
quanto para regularização de processos e trâmites da Aneel”, avalia. Para
Claudio Sales, os licenciamentos ambientais representam um ponto crítico. “As
exigências socioambientais têm sido crescentes e, muitas vezes, desmedidas
quando se trata de pequenas centrais hidrelétricas. Isso está no rol das
inúmeras coisas que o Brasil precisa mudar”, defende.
Usinas
termelétricas
Responsáveis
por 19% da energia gerada atualmente no País, as usinas termelétricas também
estão entre as alternativas abordadas por Sales, sobretudo em decorrência da
recente estiagem, em um cenário no qual o abastecimento tem sido garantido por
conta do acionamento continuado do parque térmico. “O Brasil tem, mais que um
potencial, a necessidade de contar com um parque ambiental eficiente. Doze anos
atrás, a capacidade de armazenamento de energia em nossos reservatórios era
equivalente a seis meses e meio do nosso consumo. Atualmente, é suficiente
apenas para quatro meses e meio. O consumo cresce em uma taxa muito maior do
que a capacidade de armazenamento”, alerta. Sales explica que as usinas estão
operando a fio d’água, e não mais por reservatórios de acumulação plurianual, o
que exige uma necessidade cada vez maior de complementação termelétrica. “Cabe
lembrar que a geração eólica produz apenas quando tem vento, a solar, quando
tem sol, e a única forma de armazenar energia é no reservatório hidrelétrico. É
fundamental que tenhamos um parque termelétrico eficiente”, enfatiza Sales.
Quanto
às termelétricas movidas a combustíveis fósseis, o presidente do Acende Brasil
pontua que o setor elétrico brasileiro produz apenas 3% do total de gases do
efeito estufa, diferentemente do que acontece em outros países, onde o índice
de produção atinge 50% e a geração termelétrica é predominante, e não
complementar. “É claro que a usina movida a combustíveis fósseis deve estar
presente, mas o setor elétrico brasileiro não precisa colocar a carapuça de
vilão. O Brasil pode, sim, ter complementação térmica eficiente usando gás
natural, carvão e, esporadicamente, óleo diesel”, avalia.
Biomassa
e energia eólica
Conforme
análise do presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, outras
fontes energéticas, como biomassa e eólica, têm tido avanços, ainda que lentos
– no caso da primeira, destaque para o desencorajamento da expansão, com uma
paralisação recente, e na segunda, a demanda por aprimoramentos a fim de que
opere de forma segura e eficiente.
“O
potencial hidrelétrico quem dá é a natureza, em função dos rios. O Brasil tem,
de fato, um potencial espetacular e vem explorando este potencial há muitas
décadas, só que agora precisa rever questões. No potencial energético total dos
rios brasileiros, temos aproximadamente 250 mil megawatts de potência, dos
quais cerca de 75 mil já foram aproveitados. E cerca de 100 mil megawatts, a
maior concentração, estão na bacia amazônica – destes, só 17% terão sido
aproveitados. Grande parte do nosso potencial localiza-se em reservas
indígenas”, esclarece.
Para
o mestre em Planejamento Energético Salatiel Pedrosa, o “Brasil nunca deixará
de ser um país hídrico, já que cerca de 80% da energia elétrica é gerada via
rios”. Autor de dois livros na área, o pesquisador defende um planejamento mais
amplo do setor ao abordar impactos ambientais às margens dos rios e a situação
de populações ribeirinhas, considerando-se “restrições ambientais que não
existiam 25 anos atrás”. “Quando você constrói uma usina, o impacto ambiental é
muito grande, além da necessidade de deslocar e realocar pessoas, indenizá-las,
enfim, um investimento grande. Quanto mais você conseguir adiar esse
investimento, melhor. A grande saída é o governo diversificar sua matriz
energética. Fontes como eólica e solar serão sempre complementares, mas podem
ser mais participativas do que são hoje”, avalia. De acordo com Pedrosa, o
Estado ainda não tem dado as sinalizações para que o investidor do setor
privado perceba as fontes alternativas, “ainda tímidas”, como atrativas. “Preço
é uma sinalização de informação. O Estado brasileiro é pesado, e a burocracia é
um dificultador. O investidor tem que estar seguro de que as regras do jogo não
vão mudar”, ressalta.
Diante
do período de seca e da estiagem recorde dos últimos meses, Pedrosa explica que
não houve apagão graças à complementação por meio da reserva de usinas
termelétricas, um “mal necessário” na avaliação do engenheiro, uma vez que
impactam o meio ambiente e têm custo de operação maior. “Termelétrica não é
solução, é mais segurança”, enfatiza. Já a energia nuclear, ainda segundo o
autor, enfrenta resistência da população, o que é facilmente compreendido pelo
histórico de guerras e catástrofes. Além disso, Pedrosa atribui a não
utilização no País justamente ao uso em larga escala dos rios. “O Brasil, com
grande potencialidade hídrica, não necessita da usina nuclear como necessita a
França, que não tem a mesma potencialidade”, acrescenta.
Fonte
de energia renovável
Quanto
às fontes alternativas e renováveis, o mestre em Planejamento Energético
Salatiel Pedrosa destaca o investimento em energia solar, aparentemente
contraditório em países europeus como Alemanha e Espanha, que não contam com o
clima brasileiro propício à implementação desta fonte. “Por que na Alemanha tem
energia solar e aqui não? Porque tem gestão diferenciada. O governo tem a
política energética clara, o investidor se sente seguro”, retoma. “Falta um
pensamento estratégico de longo prazo, independentemente de quem esteja no
governo. Na França, por exemplo, o que acontece é que o país tem suas políticas
energéticas, independentes da cor do partido que esteja no governo. A empresa
estatal de energia, Eletricité de France, é gerida tecnicamente, sem
interferência política”, enfatiza.
“Ainda
temos um longo caminho a percorrer, eu falo em preços, ambiente institucional e
sempre ter em mente que essas energias alternativas nunca vão substituir a
predominante, são complementares, mas fundamentalmente necessárias para a
matriz e salutares para o meio ambiente. Quanto mais eu trabalho para que o
País não fique dependente de uma única fonte de energia, melhor”, conclui
Pedrosa.
Pequenas
e médias hidrelétricas na diversificação da matriz energética
Presidente
da Trade Energy, Walfrido Avila defende que médias e pequenas centrais
hidrelétricas são a saída para a diversificação da matriz energética, até mesmo
em decorrência da sazonalidade das hidrelétricas. “Nossa capacidade
hidrelétrica é bastante grande, só que em usinas menores. Para grandes usinas e
reservatórios, esgotou- se a capacidade de fazer grandes projetos. Pequenas
usinas distribuídas são até melhores para o Brasil, gerando riqueza dentro do
País, dando uma confiabilidade maior. São melhores que eólica e térmica, mais
confiáveis. O período de estiagem sempre é previsto, e parque térmico serve
para essas horas”, avalia o executivo.
As
usinas termelétricas são outro ponto abordado por Avila. “Um parque
hidrelétrico do tamanho do Brasil precisa de termelétricas para complementar o
trabalho. Se oscila o reservatório, podemos deixar uma parte das termelétricas
na base. Podemos dimensionar o quanto precisamos de carvão”, reflete.
Ponderando que energia elétrica é uma responsabilidade da União, por meio de
concessões, autorizações e permissões, o presidente da comercializadora destaca
a importância do planejamento e critica os altos encargos tributários para o
setor. “Precisa vontade política ultimamente. Fontes alternativas,
complementação térmica ou eólica são vontade política de fazer. Ou o Brasil
repensa a parte de impostos no setor elétrico ou vamos acabar com a indústria”,
ressalta. “Tudo isso deve ser feito em regime de livre iniciativa, com o
governo licitando e ampla concorrência. O governo ganha e o mercado também”,
finaliza.
Países
que se destacam na geração hidrelétrica
O
secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas
e Energia (MME), Altino Ventura, traça um panorama do setor e lembra que a
fonte hidrelétrica não é de grande porte internacionalmente, sendo poucos os
países do mundo que se destacam neste tipo de geração, liderada pela China,
Rússia e, na sequência, Brasil e Estados Unidos. “Nós temos um potencial
expressivo, e o Brasil, desde a década de 1970, construiu um parque industrial
hidrelétrico de grande porte, nas proximidades de 120 mil megawatts instalados,
mais importação de 5.800 megawatts do Paraguai”, pontua. O secretário ressalta
que a fonte hidrelétrica é responsável por 84 mil dos 120 mil megawatts
nacionais, o que representa 70% da capacidade instalada no País.
Estimado
entre 250 mil e 260 mil megawatts, o potencial brasileiro não é plenamente
aproveitado em decorrência de vários fatores, como o alto custo da construção
de usinas em determinados locais, tornando a fonte não competitiva nessas
áreas, e as restrições ou proibições – constitucionalmente previstas e ainda
não regulamentadas por lei complementar – de construção em terras indígenas
demarcadas (cerca de 13% do território nacional), parques nacionais e reservas
permanentes, como lembra Altino Ventura. Ele avalia que tais restrições são
“oriundas de razões ambientais, todas legítimas, de acordo com nossa
legislação”. Para o secretário, em algum momento estes aspectos serão
regularizados e as regras, fixadas.
“Quanto
se pode aproveitar? Não se tem uma precisão dessa informação, mas os números
considerados nos últimos planos de longo prazo do setor energético brasileiro,
Eletrobras 1994 e PNE 2030, apontam cerca de 180 mil megawatts com
possibilidade de serem aproveitados”, relata o secretário, que calcula em 150
mil megawatts o potencial efetivamente aproveitado atualmente. Ele defende
diálogo com a sociedade e cuidados de projeto e planejamento, a fim de reduzir
os impactos ambientais. “O Brasil tem mais de 1.100 usinas hidrelétricas em
operação, de todos os portes. Hoje já devemos ter pouco mais de 90 mil
megawatts em operação, 120 mil em construção. Legislação muito cuidadosa tem a
sua razão de ser, preservar o meio ambiente, os ecossistemas. Muito mais do que
o interesse internacional, temos que preservar nossas florestas, nossa
biodiversidade. É claro que a legislação implica uma série de etapas, como
audiência pública, diálogo com populações atingidas, estudo ambiental”,
observa.
“Quando
é que esgota o potencial? Significa que eu não tenho mais usinas hidrelétricas
para construir. Esgotar não significa que não tenha potencial, pelo contrário.
Em 2025 e 2030, dependendo do cenário econômico e da nossa capacidade, eu vou
conseguir aproveitar as usinas que estão em construção agora na próxima década.
Provavelmente, com os cuidados que se tem hoje e o cenário, é possível que no
segundo quinquênio da próxima década estejamos colocando em operação as últimas
grandes hidrelétricas.” O secretário lembra que essa parcela adicional nova é
significativa e que, dos 70 mil megawatts necessários para se construir nos
próximos dez anos, cerca de 35 mil serão provenientes de hidrelétricas, isto é,
quase metade é expansão. Ele menciona as grandes usinas a fio d’água, a exemplo
de Jirau, Santo Antônio e, de 2016 em diante, Belo Monte e Complexo Tapajós,
que devem entrar em operação.
“Quando
esgotar o potencial hidrelétrico aproveitável, competitivo e viável, vamos
conseguir construir até 2025, 2030. Prioridade é de fato a hidrelétrica e
também a diversidade da matriz elétrica. Esgotar o potencial hidráulico não é
uma coisa ruim, pelo contrário, eu aproveito aquelas usinas, é uma situação
favorável esse privilégio de ter esse potencial hidrelétrico. A Eletrobras, em
1994, olhou até 2015. Naquele plano um dos tópicos é exatamente o esgotamento
do potencial brasileiro. No horizonte, isso é desejável, porque quando não
houver mais hidrelétricas para construir é sinal que eu já construí todas as
hidrelétricas”, enfatiza Altino Ventura.
O
papel das fontes alternativas
As
PCHs têm papel apenas complementar, destaca o secretário de Planejamento e
Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Altino
Ventura. “Estamos aproveitando nosso potencial hidrelétrico, expandindo com
hidrelétricas, complementando com fontes alternativas, sobretudo biomassa do
bagaço de cana, eólica e, agora, energia solar. Quando chegar em 2025, o que
fazer? É claro que vai ter a biomassa e eólica, que têm um papel complementar,
só que não atenderemos às necessidades do Brasil só com essas fontes, além de solar.
Vamos precisar de usinas térmicas que operam na base, ou seja, tenham custo de
combustível baixo”, avalia o secretário.
Altino
Ventura destaca como fontes a nuclear, o carvão e o gás natural,
respectivamente. “A experiência do sistema brasileiro no futuro deverá ser com
usinas térmicas de base, operando de janeiro a dezembro, com consumo de baixo
custo. Provavelmente, vamos ter um mix destas três fontes, porque elas não
competem entre si, ao contrário, se complementam, além, é claro, das renováveis.
O mundo utiliza térmicas para atender necessidades de energia. Isso teria que
ser feito com uma transição”, pondera.
A
respeito da energia nuclear, vocação, sobretudo da região Sudeste do País,
Ventura explica que alguns programas têm sido retomados no mundo, a exemplo dos
Estados Unidos e com exceção da Europa. “A necessidade brasileira é de longo
prazo, em um futuro distante o Brasil não pode abrir mão de nenhuma fonte
energética. Isso para fazer uma matriz diversificada, com segurança energética.
Se existe um País no mundo que devia usar todas as fontes, inclusive
renováveis, é o Brasil”, enfatiza o secretário. (canalbioenergia)
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