A evolução
da matriz energética brasileira: O papel dos biocombustíveis e outras fontes
alternativas
Resumo
O presente estudo visa discorrer acerca da matriz
energética brasileira, ancorada no discurso da sustentabilidade, a qual é
representada principalmente pelo etanol, produzido com a cana-de-açúcar. Diante
disso, apresentamos o panorama histórico, que marcou os rumos da produção de
combustíveis renovados, apontando para a necessidade de se trocar as matrizes
energéticas por fontes renováveis. Nesta etapa, verificamos a posição favorável
em que se encontra o Brasil diante do cenário internacional. No entanto,
observamos também as barreiras tarifárias que o produto brasileiro encontra
para sua comercialização no mercado externo. Por fim, discorremos acerca dos
possíveis efeitos negativos que tal escolha pode representar, concluindo que a
destinação de amplas áreas para a monocultura destinada à produção de
biocombustíveis pode acarretar em malefícios econômicos e sociais e devem ser
pleiteados sob a égide da racionalidade, pensando no global, mas considerando
as necessidades regionais.
Introdução
Ao longo das últimas décadas vivenciamos um período de
grande industrialização, no Brasil e nos demais países, de uma maneira geral.
Este crescimento acentuado só foi possível, primeiramente, pelo aumento da
capacidade de fornecimento de energia, independentemente de sua origem. No
entanto, o sentimento de que vale a pena crescer a qualquer custo parece ter
sido alterado, e atualmente já podemos notar preocupações reais quanto à
necessidade de um crescimento sustentável, que se faça valer dos recursos
naturais sem impactar demasiadamente o meio ambiente.
O discurso pela sustentabilidade ganhou projeção no
cenário global defendendo que as nações devem priorizar a obtenção de recursos
energéticos a um custo baixo e com pouco impacto ambiental, afim de que estejam
melhor posicionadas em relação aos países que ainda mantêm suas bases
energéticas majoritariamente em energia não renovável, por exemplo. E é
exatamente neste cenário atual que as atenções são voltadas ao modelo
brasileiro de produção de biocombustíveis, por exemplo, por enquanto um modelo
de sucesso de aproveitamento da energia mais limpa e renovável.
Diante desse panorama, o presente artigo busca:
(i) abordar a necessidade de troca das matrizes
energéticas;
(ii) destacando os avanços ocorridos na área dos
combustíveis alternativos, sendo os biocombustíveis o exemplo de maior sucesso
até então;
(iii) questionando-se também sobre os possíveis
efeitos negativos dos biocombustíveis, à maneira com que o avanço da cultura
agrícola para a produção de combustíveis tira da mesa da população a
oportunidade de acesso a alimentos mais baratos. À medida que é mais vantajoso
ao produtor agrícola destinar sua produção para os biocombustíveis do que
vender o grão in natura no
mercado interno, o que é tratado como uma benesse no setor energético pode, na
verdade, estar causando uma grande revolução nos preços dos alimentos, um setor
muito mais sensível para a população em geral.
Com isso, esperamos refletir acerca da questão da
sustentabilidade no mundo atual, a partir das análises empreendidas acerca do
tema, buscando em publicações especializadas e em eventos econômicos da
atualidade as bases teóricas para a sustentação de nossas reflexões.
1. Panorama histórico
No início da História do Brasil, a lenha foi o
principal recurso energético, impulsionando o ciclo da cana de açúcar e o ciclo
do ouro. Com o ciclo do café, houve a alteração para o uso do carvão mineral.
No entanto, com a Primeira Guerra Mundial, a importação do carvão se torna
difícil, alavancando investimentos na geração de energia elétrica, entre 1901 e
1930 (crescimento de 15,6%).
A partir da década de 1920 começamos a verificar que a
importação de petróleo e derivados era desprezível, coincidindo com o
crescimento do uso de automóveis e caminhões. Paralelo a isto, o governo começa
adotar medidas protecionistas para os recursos hídricos brasileiros, criando em
1934, o Código de Águas, que garantiu à União a posse de todo o recurso hídrico
nacional.
Nos anos 1940 várias empresas estatais foram criadas,
sendo duas na década de 40, nove na de 50, dez nos anos 60 (sendo que em 1966 a
criação da CESP absorveu várias empresas estatais), duas nos anos 70, sendo uma
delas, a ITAIPÚ, binacional (Brasil/Paraguai), com 96% da energia destinado ao
Brasil.
Com o petróleo não foi diferente. Desde 1934 o governo
passou adotar medidas de controle, criando o Código de Minas, situação que
perdurou até 1938 com a Lei nº 395 que criou o Conselho Nacional do Petróleo
(CNP). Esta lei decretava que todas as atividades petroleiras eram de utilidade
pública, as quais deveriam ser regulamentadas pelo CNP. O Estado, por meio do
CNP, controlaria as atividades de refino, prospecção e exploração das jazidas
de petróleo.
Nos anos 50 e 60, devido aos investimentos estatais, o
setor energético também se industrializou. As áreas de petróleo,
hidroeletricidade e carvão adquiriram dimensões de indústria, somando os
esforços do governo na construção de indústrias de base e infraestrutura. A era
desenvolvimentista prosseguiu com Juscelino e seu plano de metas, desenvolvendo
a indústria nacional e reduzindo a dependência brasileira da exportação de commodities agrícolas e minerais.
O fator responsável pela grande penetração do petróleo
no mercado nacional e mundial era o preço. Um grande impacto se deu na economia
nacional e mundial quando a OPEP aumentou significativamente o preço em
1973. O mundo reagiu de diferentes formas e o governo brasileiro, na
época, controlado pelos militares, desencadeou ações e programas, tais como: a
prospecção e extração de petróleo em águas profundas; a intensificação da
construção de hidrelétricas para reduzir a dependência do petróleo na
indústria; a associação com a Alemanha de repasse de tecnologia nuclear,
resultando na construção de Angra 1 e Angra 2 e compra dos principais itens de
Angra 3; e o Proálcool, maior programa mundial de sucesso em renováveis. Em
1975 teve início o projeto nacional de combustíveis renováveis, com a criação
do Programa Nacional do Álcool (Proalcool), que levou a todo um progresso na
área energética do etanol, de biodiesel de soja, entre outras fontes.
Este panorama demonstra que historicamente a demanda
por energia no Brasil tem apresentado taxas que acompanham aquelas do
crescimento econômico, ocasionando na necessidade eminente de substituição das
matrizes energéticas a fim de se atender às demandas da economia nacional.
1.1. Substituição da matriz energética
Por estar intimamente ligada à produção econômica, a
demanda por energia é um excelente termômetro da atividade econômica do país,
como evidencia o gráfico abaixo, com dados da Empresa de Pesquisa Energética
(EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Conforme se depreende do gráfico, o início da década
de 1990 alavancou a demanda de energia. Isto se explica pela busca da retomada
do crescimento econômico no país, em uma tentativa de superar a crise da década
de 1980, considerada uma década perdida para a economia brasileira, devido aos
inúmeros problemas políticos e econômicos que assolaram o país, com os
indicadores de desempenho macroeconômicos inferiores aos da década anterior. Os
anos 1990, por sua vez, trazem alguns dados positivos: controle inflacionário,
relativa estabilidade econômica, abertura e integração da economia brasileira
com o mercado externo, podendo ser os dois últimos interpretados como positivos
ou negativos, se considerarmos as consequências e o ônus que a economia
brasileira passou a incorrer.
Os dados do gráfico demonstrando o crescimento da
demanda energética no início da década de 1990 são justificados pelos estudos
de Theis (1990), segundo o qual a correlação entre crescimento econômico e
demanda energética pode ser observada em razão de que “o processo de
desenvolvimento econômico ser o processo de utilização de mais energia para
aumentar a produtividade e a eficiência do trabalho humano. De fato, um dos
melhores indícios da riqueza de uma população é a quantidade de energia que ela
consome por pessoa”.
É notável, também, ao compararmos os dados históricos
com os atuais, que há um crescimento da diversificação da matriz energética
brasileira. Enquanto na década de 1970, quase 80% da energia eram provenientes
da exploração de carvão, lenha e petróleo, hoje quase 50% vem dos derivados da
cana-de-açúcar, da energia hidrelétrica, entre outras fontes alternativas. Este
é um padrão que deve continuar e até mesmo ser expandido nos próximos anos, com
uma participação cada vez maior de fontes energéticas renováveis ou ao menos um
pouco menos agressivas. De acordo com Abrepo (2008), haverá um balanço negativo
na energia hidroelétrica no ano de 2020, sendo que nesse estágio, 80% do
potencial de geração provavelmente já estará sendo utilizada e restrições
ambientais não permitirão o uso pleno dos 20% restantes.
A EPE também publicou um recente estudo trazendo
previsões sobre o crescimento do consumo energético no Brasil, apontando que:
“A demanda de energia elétrica no Brasil ao longo da
década deverá crescer a uma taxa média de 4,8% ao ano, saindo de um patamar de
consumo total de 456,5 mil gigawatts-hora (GWh) no ano de 2010 para 730,1
mil GWh em 2020. As estimativas constam da Nota Técnica ‘Projeção da demanda de
energia elétrica para os próximos 10 anos’, produzida pela Empresa de Pesquisa
Energética – EPE. Considerando o período em questão, o acréscimo do consumo
total de eletricidade será de 274 mil GWh, volume superior ao atual consumo de
eletricidade do México e próximo ao atual consumo de eletricidade da
Espanha. O estudo trabalha com a hipótese de a economia brasileira
expandir-se ao ritmo de 5% ao ano nos próximos 10 anos”.
Ao analisarmos projeções como estas, de um crescimento
anual muito próximo de 5%, fica reforçada a necessidade de substituição de
fontes energéticas, visto que o país não comporta dobrar, por exemplo, seu
fornecimento de energia por meio das usinas hidrelétricas sem causar imensos
impactos ambientais, conforme já apontando no estudo da Abrepo (2008). Segundo
a análise da Abrepo (2008), o pico do saldo energético, que representa a
produção descontada do consumo, no que tange ao Petróleo, ocorre em 2015 e
decresce nos anos posteriores. Já em relação à energia hidráulica, o saldo já
começa a declinar a partir de 2010 e apresenta problemas a partir de 2015,
quando a capacidade de produção não atende a demanda projetada.
Inexiste, ao menos, previsão no sentido de um
movimento inverso, de retorno à utilização de energia não renovável no país,
sendo que os dados e previsões demonstram a tendência brasileira avançando na
utilização de energia renovável (BRASIL, Minas e Energia, 2007). Após a coleta
de dados e previsões que consideraram diversos aspectos da economia nacional,
chegou-se ao estudo que demonstra que o país deve continuar avançando, ao menos
até o ano de 2030, na utilização de energia renovável, graças à diversificação
das fontes energéticas e maior participação das fontes limpas atualmente em
utilização.
O gráfico evidencia a diversificação da matriz
energética brasileira, ao passo que também sinaliza para acentuada queda do
petróleo, praticamente se esgotando no ano de 2030. Por outro lado,
intensifica-se a exploração do gás natural e de fontes renováveis, tais como
cana-de-açúcar, energia solar, eólica e residuais. Destas, predomina o
crescimento da matriz energética, a base de cana-de-açúcar e seus derivados,
para os quais se estima a geração superior a 500 TWh no ano de 2030. Esta
previsão nos conduz à reflexão de que o destino de áreas plantáveis para o
cultivo de cana-de-açúcar pode acarretar em carências de áreas plantadas com
culturas alimentícias.
O balanço energético brasileiro da Abrepo (2008)
ratifica ainda a grande diversificação ocorrida no setor e nos faz revisar as
informações históricas referentes aos anos 70, quando os derivados do petróleo
e do carvão respondiam por quase 80% do parque energético brasileiro. Com o
passar dos anos, esta participação ficou cada vez mais reduzida, de forma que a
energia hidráulica, a cana-de-açúcar e o gás natural vêm sendo utilizados com
muita frequência, conforme havia sido publicado no estudo de 2007, do
Ministério de Minas e Energia:
“[...] os estudos apontam para uma maior
diversificação da matriz energética brasileira. De fato, pode-se perceber uma
tendência clara nessa direção: em 1970, apenas dois energéticos (petróleo e
lenha), respondiam por 78% do consumo de energia; em 2005, eram quatro os
energéticos que explicavam 80,3% do consumo (além dos dois já citados, mais a
energia hidráulica e produtos da cana); para 2030, projeta-se uma situação em
que cinco energéticos serão necessários para explicar 84,6% do consumo: entram
em cena o gás natural e outras renováveis, permanecem com grande participação o
petróleo, a energia hidráulica e os produtos da cana, havendo significativa
perda de participação da lenha”.
Há uma tendência, que parece ser irreversível: a
substituição dos derivados de petróleo, por exemplo. Por muitas décadas fomos
bombardeados por informações alarmistas de que nossa até então principal fonte
energética poderia estar próxima de se esgotar. No entanto, se a tendência de
substituição se mantiver por mais alguns anos, é bem possível que a necessidade
de uso dos derivados do petróleo acabe muito antes do esgotamento das reservas,
o que parecia impossível há 10 ou 15 anos atrás.
Se esta substituição trará apenas aspectos positivos,
não podemos assegurar ainda, até mesmo porque as novas fontes energéticas não
passaram por estudos sobre o impacto ambiental de longo prazo, principalmente
pelo fato de terem crescido em importância muito recentemente. No entanto,
outro ponto que é destacado do estudo sobre a matriz energética nacional é o
aumento da participação dos combustíveis renováveis em todo o país.
A simples diversificação de fontes energéticas não é
garantia de benefícios ambientais, uma vez que as novas fontes energéticas
adotadas podem ser tão poluentes quanto as fontes já utilizadas. Mas a partir
do momento em que a diversificação envolve cada vez mais o uso da energia
limpa, além dos ganhos ambientais, podem ser evitados os riscos inerentes à
dependência de uma ou restritas fontes energéticas. A preocupação com as
mudanças ambientais é muito recente, e passam a ser discutidas formas de
regulação deste novo tema. No entanto, a evolução deste tema pelo Direito Internacional
ainda é lenta, por depender da disposição dos Estados em se comprometerem com a
causa.
2. Avanços na utilização das matrizes energéticas renováveis
O estudo empreendido pelo Ministério de Minas e
Energia enfatiza a participação das fontes renováveis na matriz energética
nacional:
“Outro ponto que merece destaque é a manutenção do
alto percentual de energia renovável que sempre caracterizou a matriz energética
brasileira. Cabe lembrar que em 1970, essa participação era superior a 58%, em
razão da predominância da lenha. Com a introdução de energéticos mais
eficientes, deslocando principalmente esse energético, tal participação caiu
para 44,5% no ano 2005. No horizonte de estudo, 2005-2030, observa-se uma clara
quebra de tendência na qual há um aumento da participação de energia renovável
que alcança 46,5% em 2030. Muito desse movimento deve-se a introdução da
biomassa, do biodiesel e do processo H-bio no conjunto de opções para o
desenvolvimento energético nacional, os dois últimos a partir de 2010. Com esta
dinâmica de fontes alternativas, a matriz energética brasileira continua em
2030 com forte presença de fontes renováveis, de 46,6%, percentual superior ao
de 2005, de 44,5%. Assim, o Brasil continua em situação bem confortável em
termos de emissões de partículas pela queima de combustíveis quando comparado
com a matriz energética dos países ricos, com apenas 6% de participação de
renováveis e com a matriz energética do mundo, com 16% de participação de
fontes renováveis”.
O cenário brasileiro é tido muitas vezes como modelo
de diversificação energética, e um dos exemplos mais citados é o da utilização
do etanol proveniente da cana-de-açúcar no abastecimento de veículos. Quase 90%
dos veículos comprados no Brasil já saem de fábrica com a tecnologia flex, que possibilita o abastecimento
com etanol ou gasolina. Conforme a frota nacional for sendo atualizada, os
veículos flex terão cada vez
mais mercado, em um movimento natural.
Macedo (2007) afirma que nos últimos trinta anos, a
produção de etanol da cana-de-açúcar no Brasil avançou para 17 milhões de metros
cúbicos, crescimento este motivado pelo investimento tecnológico, geração,
importação, adaptação e transferência interna. Carvalho diz que apenas em 2006,
425 milhões de toneladas de cana foram processadas em 310 usinas no Brasil,
produzindo 30 milhões de toneladas de açúcar e 17 milhões de metros cúbicos de
etanol. Estes dados possibilitam projeções para 2012-2013, quando se estima que
a produção nacional será de 685 milhões de toneladas de cana, cultivadas em 6,4
milhões de hectare. “Em 2012-2013, cerca de 60% da cana seria destinada ao
mercado interno; no total, além do açúcar seriam produzidos 35,7 milhões de
metros cúbicos de etanol (7 milhões de metros cúbicos para exportação)”.
Outras matrizes energéticas também estão sendo
incentivadas no Brasil e tendem ao crescimento nos próximos anos. É o que vem
ocorrendo com a energia eólica, cuja primeira concessão, realizada em 2009,
prevê a construção de 71 empreendimentos, com uma capacidade somada de 1.805
megawatts (MW). As regiões mais favorecidas para esta matriz são o Nordeste e o
Sul do país.
No caso da energia solar, o Plano de Aceleração do
Crescimento 2 (PAC 2), lançado pela presidente Dilma Rousseff determina a
instalação de aquecedores solares nas moradias destinadas à população de baixa
renda.
As chamadas energias limpas, tais como solar e eólica,
juntas devem gerar quase 500 TWh, em 2030. Isso possivelmente deixará o Brasil
em vantagem diante de outras nações, visto que a dimensão territorial e o clima
predominantemente tropical possibilitam a captação de energia de fontes
diversificadas.
No ano de 1997, foi assinado na cidade japonesa de
Kyoto um protocolo, no qual os países deveriam se comprometer em reduzir as
emissões de gases causadores do efeito estufa, principalmente o dióxido de
carbono (CO2). O Protocolo entrou em vigor em fevereiro de 2005 e
prevê que o efeito estufa seja reduzido em 5% até 2012. Ainda que não aderida
por todas as nações, como os Estados Unidos, que afirmam ser o protocolo de
Kyoto um risco para a economia, o documento impulsionou a pesquisa e o
desenvolvimento dos combustíveis renováveis.
No Brasil, onde a mistura do etanol à gasolina é
praticada desde 1975, tornando-se uma das soluções mais estudadas para reduzir
as emissões. As políticas ambiciosas para mudanças climáticas podem ser
combinadas com um desenvolvimento econômico sustentável e apontou que os países
emergentes estão desenvolvendo soluções interessantes, adaptadas às suas
necessidades específicas, para reduzir emissões, explicou a assessora sênior do
Presidente da UNICA para Assuntos Internacionais, Geraldine Kutas. Com o
aumento das vendas para uso como combustível, as exportações de álcool em 2004
deram um salto no Brasil, atingindo 2,4 bilhões de litros exportados. Espera-se
que seja apenas o começo.
Com isto, o Brasil conseguiu ficar menos vulnerável às
variações de preço do petróleo, por exemplo, uma vez que os motoristas têm a
alternativa de utilizarem o etanol nacional. A revista Time, no ano de 2009, em
um artigo que questiona se os biocombustíveis são realmente menos agressivos ao
meio ambiente, já destacava o cenário brasileiro e a forma com que conseguiu
substituir a dependência do combustível fóssil.
As constatações acerca do destaque dado ao etanol
brasileiro devem-se a outras características da produção nacional: como ampla
área de cultivo no Brasil, mão de obra barata e competitividade em relação ao
etanol produzido a partir da colheita do milho. Estes fatores proporcionam
preços mais competitivos que outras formas de produção, desencadeando ações
internacionais para dificultar a entrada do etanol brasileiro no mercado
externo. Os Estados Unidos, por exemplo, aplicam uma sobretaxa fixa de 54
centavos de dólar por galão (medida que corresponde a aproximadamente 3,8
litros) para os produtos que entram em seu território, fato este que
praticamente inviabiliza a exportação do produto brasileiro. Além disso, com a
finalidade de proteger seus produtores, o governo norte-americano também
subsidia de outras formas todo o mercado de milho, tornando a concorrência de
fato desleal. No final de 2010, o Senado dos EUA prorrogou por pelo menos mais
um ano a política protecionista em relação ao etanol:
“O Senado dos Estados Unidos aprovou a extensão por
mais um ano da tarifa sobre as importações de etanol e também dos créditos
tributários do setor nos níveis atuais, apesar de críticas no país sobre a
validade das medidas. A extensão é parte de um projeto de lei maior que propõe
a manutenção de menores taxas de tributos implementadas durante a administração
do ex-presidente George W. Bush. O projeto tem de passar pela Câmara. O crédito
de US$ 0,45 o galão é direcionado para os distribuidores do etanol nos EUA. A
taxa para importação situa-se em US$ 0,54 por galão”.
Infelizmente, ainda é muito comum que os Estados
adotem a prática de impor barreiras aos produtos estrangeiros mais competitivos
que os seus, por meio de tarifas aduaneiras, de modo que facilitem a disputa do
mercado interno pelos produtores locais. Desta forma, as relações
internacionais saem prejudicadas, uma vez que cada vez que tenha um de seus
produtos barrados, o Estado prejudicado geralmente reage com novas barreiras.
Cavalcante (2010) explica estas barreiras
protecionistas ao etanol brasileiro, afirmando que os Estados Unidos, maior
produtor e maior importador do produto, utilizam-se deste procedimento desde os
anos 1980. No caso da União Europeia, em dezembro de 2008 foi estabelecida a
incorporação obrigatória de 20% de energias renováveis na matriz energética europeia
até 2020, determinando que metade deste percentual deverá ser alcançada pelo
setor de transportes, ou seja, um mínimo de 10% de energias renováveis será
utilizado por veículos, medida que beneficia diretamente o Brasil.
Por outro lado, Cavalcante (2010) expressa a
dificuldade que o Brasil deverá superar para se manter no mercado europeu, que
será, possivelmente, o primeiro mercado a exigir uma Certificação
Socioambiental dos biocombustíveis. “Assim, para atender os requisitos
europeus, os ditos combustíveis consumidos na UE, independente de sua origem,
também deverão demonstrar uma redução inicial de pelo menos 35% dos gases de
efeito estufa – GEEs”.
As barreiras protecionistas acarretam em efeitos
relevantes no âmbito jurídico e, por isso, necessitam de regulamentação, ou
seja, da criação de regras e critérios concernentes às suas especificidades.
Neste sentido, verificam-se alguns esforços na tentativa de regulamentar o
comércio internacional do etanol. O parágrafo 31.III da Declaração Ministerial
de Doha, adotada em 14 de novembro de 2001, prevê a redução e, até mesmo, a
eliminação de barreiras tarifárias e não tarifárias sobre bens e serviços
ambientais. Esta resolutiva acarretaria uma série de vantagens para o Brasil,
assim como para outros países que pleiteiam o livre comércio na área dos
biocombustíveis, como a Índia e Cingapura.
A criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi
um grande passo dado na esfera das negociações multilaterais de comércio. O
Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da OMC é o principal foro comercial
multilateral, com um significativo volume de litígios instaurados. A
efetividade de suas decisões beira os 75%, de acordo com a própria OMC, um
índice superior a muitos tribunais nacionais. Dependendo da classificação a ser
adotada no âmbito da OMC, poderá o país pleitear a redução ou mesmo a exclusão
de barreiras tarifárias e não tarifárias que sobre ele incidam, o que
acarretaria grandes vantagens econômicas para o Brasil, como também para a
comunidade internacional, facilitando-se as relações comerciais entre os
países.
“No entanto, não depende apenas do Brasil para que a
existência de um comércio mais justo e equitativo aconteça. A oposição que o
país recebe dentro da OMC quanto ao enquadramento do etanol parte dos países
desenvolvidos, detentores de economias fortes, que tentam defender a todo custo
seus interesses nacionais, não levando em consideração as necessidades globais”.
Enquanto o cenário internacional do biocombustível se
configura em termos normativos e legais, o que se verifica atualmente é que
grande parte da produção nacional de grãos é destinada ao mercado externo, que
proporciona um retorno maior ao produtor. Neste panorama, mesmo sendo nosso
país um dos maiores agroprodutores do mundo, vivenciamos nos últimos anos uma
escalada no preço dos alimentos no mercado interno, já que a prioridade é
vender para o mercado externo, que dá uma margem de lucro mais interessante a
quem produz. Este fato pode estar vinculado aos possíveis efeitos negativos dos
biocombustíveis.
3. Possíveis efeitos negativos dos biocombustíveis
Esforços diversos podem ser observados na tentativa de
instaurar o biocombustível como matriz energética primeira. De acordo com
modelo matemático de Solow, era necessário criar mecanismos de adaptação na
relação entre o meio ambiente e o sistema econômico, possibilitando a
substituição de insumos escassos e o desenvolvimento de mecanismos de mitigação
de impactos ambientais prevenindo os colapsos econômico-sociais preditos com a
possível escassez das fontes de energia não renováveis, conforme relatamos
anteriormente. No caso brasileiro, estudos acenam que é promissor o mercado da
produção de etanol, entretanto se questiona se esta opção terá aspectos
benéficos superiores aos negativos, justificando-se em longo prazo.
Ao observarmos pelo prisma da produção e
comercialização agrícola, em 2010, o Brasil se tornou o terceiro maior
exportador de produtos agrícolas do mundo, superando o Canadá. Os especialistas
reconhecem o potencial significativo brasileiro, principalmente para carnes,
milho e álcool, e apontou que no etanol, a exportação deve aumentar muito
quando o mercado se consolidar. Há em uma parcela da população uma cultura de
exportação a todo custo, como se quanto mais o país exporta, melhor fica. Ainda
que a substituição das importações deva ser perseguida gradualmente, exportar
grande parte da produção de etanol e deixar o mercado interno refém dos preços
internacionais não parece ser uma alternativa interessante. Deve ser encontrado
um ponto de equilíbrio entre expandir a fatia do mercado interno atendida por
fontes nacionais ou buscar uma participação maior no cenário internacional.
A verificação de que os alimentos produzidos no Brasil
são muito bem aceitos no mercado externo conduz à expectativa de crescimento no
interesse pelos biocombustíveis aqui produzidos. Competitivos em relação ao
preço e de boa qualidade, estes são exportados em proporções que crescem a cada
ano. Não cresce, no entanto, a produção que deveria abastecer o mercado local,
o que, mais uma vez, gera instabilidade nos preços cobrados internamente. Se
comparado com o mesmo período de 2010, as exportações de manufaturados
cresceram 20,4%, saltando de US$ 311,0 milhões para US$ 374,5 milhões em razão
dos crescimentos em óleos combustíveis, polímeros plásticos, máquinas para
terraplanagem, veículos de carga, motores e geradores, açúcar refinado e
autopeças.
Com isso, verifica-se atualmente no Brasil que uma
parcela enorme da terra são utilizados para cultivar alimentos que serão
exportados in natura, ou então transformados em combustíveis renovados, que,
mais adiante, também terão como destino final o mercado externo. Apesar da
grande demanda por estes produtos ser positiva em relação à mão de obra que é
gerada, além da produção de riqueza nacional, há um efeito muito negativo que é
a grande variação de preços a que é submetido o consumidor local. Em 2007 o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), juntamente com a Pastoral da
Juventude Rural (PJR), entre outros órgãos representativos da sociedade,
lançaram em 2007 a cartilha “Soberania Alimentar, os Agrocombustíveis e a
Soberania Energética”, na qual expõem seu posicionamento desfavorável à
produção de alimentos para que depois sejam destinados à fabricação de
combustíveis:
“À escala
mundial, empresas e governos estão a fazer uma intensa campanha para apresentar
os biocombustíveis como alternativas ambientalmente amistosas que ajudariam a
combater as alterações climáticas, a substituir uma parte do consumo de
petróleo destinado a combustíveis para transportes. Mas a lógica de fundo não é
abandonar o petróleo nem mudar os padrões de consumo que produzem a mudança
climática e sim aproveitar a conjuntura para criar novas fontes de negócios,
promovendo e subsidiando a produção industrial de cultivos para essas
finalidades.
Já existem estudos que
mostram que os cultivos industriais de biocombustíveis colocam muitos
problemas. Brian Tokar, do Instituto de Ecologia Social de Vermont, Estados
Unidos, dá conta de duas análises recentes das universidades de Cornell e de
Minnesota que mostram que o ciclo completo da produção de biocombustíveis deixa
um saldo ambientalmente destrutivo. Uma vez que o processamento destes cultivos
exige uma quantidade significativa de energia, o saldo energético final é muito
limitado.
Mesmo que os
biocombustíveis substituam em alguma percentagem a utilização do petróleo,
necessitam de grandes áreas de produção agrícola industrial intensiva,
incrementando o uso de agrotóxicos que provocam erosão e contaminam o solo e a
água, além de retirar essas áreas à produção de alimentos. Segundo o
investigador Lester Brown (citado por Tokar), “agora são os automóveis, não as
pessoas, os que demandam a produção anual de cereais. A quantidade de grãos que
se exigem para encher o reservatório de uma camioneta SUV com etanol é
suficiente para alimentar uma pessoa durante um ano. (grifo meu)”.
Este documento foca claramente nos aspectos negativos
gerados, ainda que indiretamente, pelo crescimento dos biocombustíveis. É
levada em conta a questão ambiental, já que os biocombustíveis são, via de
regra, associados a um nível menor de poluição. No entanto, no trecho acima,
este fato é posto em dúvida, quando afirmam que o saldo de tudo isso (a adoção
dos biocombustíveis de forma massificada) é destrutivo para o meio ambiente. O
trecho final, grifado, trata de outro problema causado pelos biocombustíveis.
Como é necessária uma grande quantidade de produto agrícola para gerar
combustível suficiente para abastecer o tanque de um veículo, como
exemplificado acima, um dos problemas gerados é a de escassez de área
disponível para a produção de alimento. No entanto, esta é uma visão que não é
compartilhada pela totalidade dos especialistas, já que parece ser, de fato,
muito tendenciosa, focando apenas nos aspectos negativos, sem citar possíveis
benefícios trazidos pelo uso dos combustíveis renováveis.
Com relação ao preço dos alimentos, observa-se que
este tem subido muito recentemente, principalmente a partir de 2008, ano em que
o tema “inflação dos alimentos” foi muito discutido e, com bastante frequência,
os biocombustíveis foram apontados como maiores culpados pelo aumento dos
preços. No entanto, não podemos afirmar que a disparada dos preços das commodities deve-se unicamente à
maior presença dos biocombustíveis. O jornalista William Waack publicou
no jornal O Globo, à época, artigo sobre a inflação dos alimentos, que
destacamos a seguir:
“No meio da
crise de crédito internacional – com a queda do preço de várias commodities –
quase passa desapercebido um tipo de produto que deu muito lucro a quem apostou
numa subida de preços: alimentos. Perdoem-me aqui pelo “quase”. Na verdade,
protestos de ruas em lugares tão distantes entre si quanto Índia e Haiti
deixaram claro que a inflação dos preços dos alimentos já é um grave problema
político para países emergentes.
Segundo o jornal “Financial
Times”, os preços do arroz, por exemplo, subiram 50% apenas nos últimos 15
dias. E continuam subindo por um motivo central: os países do Sudeste asiático
estão competindo com os africanos na compra de um tipo de produto que alimenta,
segundo a ONU, cerca de 3 bilhões de pessoas. Mas não só. Alguns dos principais
produtores, como Egito, Vietnã, a própria Índia e a China baniram exportações.
Os países africanos estão
tentando evitar distúrbios sociais assegurando a compra de estoques de arroz
entre os produtores que ainda estão vendendo no mercado internacional, afirma o
‘FT’. Uma porta voz do Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas qualificou
a situação atual de ‘tempestade perfeita’.
Observa-se, portanto, que a alta dos preços não pode
ser vista como consequência apenas da produção agrícola voltada à produção de
combustíveis, mas também ao aumento da população e, mais ainda, ao aumento do
poder aquisitivo dos povos do Sudeste Asiático, por exemplo, local que reúne
alguns dos países mais populosos do mundo. Se contabilizarmos que Índia e China
juntas possuem quase 3 bilhões de habitantes, e, conforme suas populações
alcançam condições de se alimentar mais e de forma melhor, o impacto em todo o
mercado não é pequeno. Muito pelo contrário, é necessário que a produção
pudesse crescer nos mesmos patamares com que crescem as economias emergentes.
No entanto, enquanto países como Brasil, China, índia e Rússia crescem entre 5
e 10% anualmente, a produção de alimentos não chega a crescer 4% ano a ano,
como demonstra um estudo da FAO (Food and Agriculture Organization), órgão da
ONU que trata, entre outros assuntos, da questão alimentar. O mapa produzido
pela FAO expressa que a pesquisa, o investimento e as políticas adequadas
são a chave para satisfazer as necessidades de alimentos no futuro de o mundo.
Outro estudo, desta vez do Departamento Americano de Agricultura (USDA), cita
índices ainda menores de crescimento da produção de alimentos. Com previsão de
que a população mundial possa alcançar 9 bilhões de pessoas até 2050, o USDA
calcula que a taxa anual de crescimento da produção de alimentos deveria ser
de, no mínimo 1,75% anualmente. No entanto, entre os anos 2000 e 2007, este
crescimento não teria ultrapassado os 1,4% ao ano.
As variações climáticas também podem afetar
drasticamente o mercado de grãos, uma vez que impactam diretamente na oferta do
produto. Com a constante industrialização, os impactos da poluição e do uso de
recursos naturais já podem ser sentidos em nosso clima, de maneira com que fica
difícil prever com exatidão o clima para os próximos meses, por exemplo. Ainda
que a previsão do tempo não trabalhe com índices totais de acerto, os
produtores de alimentos dependem muito de uma constância climática para que
possam se programar; consigam prever a data correta de plantio e colheita a fim
de obterem resultados positivos com seu trabalho. E é exatamente esta previsão
que tem falhado cada vez mais, uma vez que os padrões climáticos até então
conhecidos e seguidos não tem se repetido com tanta frequência. E a partir do
momento em que as alterações climáticas levam a uma “quebra” de safra, por
exemplo, a oferta de determinado alimento é rapidamente reduzida, não consegue
atender a demanda, o que gera um aumento de preços quase que instantâneo.
De acordo com estimativas recentes da FAO, a produção
de cereais nos principais países exportadores recuou 4% em 2005 e mais 7% em
2006 devido a condições climáticas adversas. Como consequência, espera-se que a
dependência pela importação destes alimentos cresça em várias regiões do mundo
em desenvolvimento. As enchentes ocorridas na Austrália, por exemplo, reduziram
a colheita de trigo em mais de 60% no ano de 2006, um fato que, sozinho,
representou uma queda de 4% na exportação global do grão. As cheias também afetaram
em quase 25% a produção do Canadá no mesmo ano, além de reduzir, ainda que em
menores quantidades, o total produzido em países como Turquia e Argentina. Como
muitos grãos são produzidos de forma que dão apenas uma colheita por ano, não
há tempo suficiente para que os impactos de um desastre ambiental como o citado
acima sejam amenizados pelos países produtores.
Diante do exposto, fica claro que são várias as razões
pelos recentes aumentos de preço dos alimentos. Mas ainda que o crescimento
populacional, as alterações climáticas e o aumento do consumo pelo incremento
da renda da população sejam fatores importantes, uma das causas mais apontadas
nos últimos anos tem sido mesmo a questão dos biocombustíveis, que estariam
tirando alimento da mesa da população para transformá-los em energia. No
entanto, este direcionamento tem sido combatido por muitos estudos recentes,
que apontam não haver relação entre o crescimento dos biocombustíveis com a
escassez de alimentos ou aumento de preços.
O aumento de preços dos alimentos começou, mais
profundamente, no início do século XXI, após um longo período de queda. No
entanto, períodos de altos e baixos nos preços são muito comuns, mas no início
deste século presenciamos um aumento de maior monta que o usual. Um estudo publicado
em meados de 2008, por Alessandro Flaminni, membro da FAO, destaca, entretanto,
que enquanto os preços das commodities
agrícolas cresceram mais de 60% nos últimos dois anos (à época da pesquisa - de
2006 a 2008), um índice que mede as commodities
de forma geral, não apenas as agrícolas, apresentou as mesmas taxas de
crescimento. Ainda, o índice que mede os preços do petróleo apresentou
crescimento superior. Desde 1999, quando os 3 índices estavam praticamente no
mesmo patamar (e no mesmo nível em que se encontravam 10 anos antes), o preço
das commoditties agrícolas
subiu 98%, enquanto que as commoditties
em geral tiveram um aumento de preços da ordem de 286%. O aumento de preço do
petróleo superou os 500% no mesmo período analisado, como demonstra o trecho
destacado.
Visto este aspecto, não conseguimos ser taxativos ao
ligar o aumento dos preços aos biocombustíveis, conforme demonstra o gráfico 3,
que evidencia uma escalada surpreendente dos preços do petróleo e de outras commodities, superando a oscilação
observada nas commodities
alimentares. Por outro lado, o mesmo relatório da FAO não rechaça totalmente
este vínculo, afirmando que commodities
agrícolas são dependentes de outros mercados (como o mercado de petróleo) e da
direta competição com combustíveis fósseis, ao passo que se a procura aumentar
haverá mudança estrutural no mercado de commodities
agrícolas.
Nas análises da FAO, a oscilação dos preços dos
alimentos não está unicamente relacionada à produção de combustíveis renováveis
no mundo, visto que o boom
populacional em algumas regiões do planeta e as intempéries climáticas também
interferem no valor dos alimentos, mas reconhece que a baixa nas reservas
nacionais faz os preços de commodities
muito mais sensíveis aos choques no a demanda ou mercado de fornecimento.
No Brasil observou-se a proliferação da monocultura de
cana-de-açúcar durante o Proálcool, na década de 1970. Com o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), a partir de 2007, contribuiu para a
homogeneização da paisagem agrícola de algumas regiões do país. Especialistas
afirmam que o estímulo dado à monocultura da cana-de-açúcar traz desvantagens
ambientais, porque agride o solo; sociais, porque reduz o uso da mão-de-obra e
afugenta as populações rurais; e econômicas, pois a queda do preço pode por a
perder toda a cadeia produtiva regional.
Segundo Luiz Cortez, pesquisador da Unicamp, a
produção atual do Brasil é de 16 bilhões de litros por ano e ocupa 5,5 milhões
de hectares e se quiséssemos aumentar essa marca para 110 bilhões, as lavouras
de cana-de-açúcar ocupariam 75 milhões de hectares. A área total utilizada por
toda agricultura brasileira hoje é de 55 milhões de hectares.
Dentre os demais possíveis efeitos negativos da
disseminação dos biocombustíveis, a monocultura constitui-se em um problema,
uma vez que pode gerar desvantagens econômicas, já que uma única doença ou
praga ou a queda do preço do produto no mercado podem gerar um déficit na
cadeia produtiva regional.
Se por um lado seria precipitado atribuir à produção
de biocombustíveis os problemas com a produção de alimentos no mundo; por outro
precisamos dar vasão às preocupações de alguns estudos, que relacionam o cultivo
de áreas destinadas aos combustíveis renováveis. Conforme discutido neste
artigo, vimos que a redução mundial no volume dos estoques de alimentos, as
mudanças climáticas, crescente demanda de mercados consumidores e o uso de
grãos para fabricar biocombustíveis são fatores apontados para a alta nos
preços dos alimentos. Diante disso, pontua-se que a adoção de um biocombustível
como o álcool em escala internacional traria benefícios econômicos ao Brasil e
para o meio ambiente, considerando o discurso da sustentabilidade. No entanto,
ocorre que esses ganhos podem vir acompanhados de prejuízos sociais e
ambientais, se não forem tomadas as medidas adequadas para uma produção
racional de grãos destinados aos biocombustíveis.
Considerações Finais
O assunto combustível renovável frequenta as
principais mesas de discussão da atualidade. Fruto da preocupação com o futuro
da humanidade, engloba temas como poluição, efeito estufa e a própria escassez
dos combustíveis não-renováveis, uma vez que estudos demonstram que estes
atingiram seu ápice de extração em 2015, visto a demanda mundial por energia.
No caso específico do Brasil, verifica-se uma
grande diversificação ocorrida no setor, principalmente a partir dos anos 1970,
quando os derivados do petróleo e do carvão respondiam por quase 80% do parque
energético brasileiro. Com o passar dos anos, esta participação ficou cada vez
mais reduzida, dando vasão a outras fontes: energia hidráulica, cana-de-açúcar
e o gás natural.
Surge o álcool como a grande vedete nacional na
tentativa de manter a economia do país em atividade, mesmo diante da crise do
petróleo internacional. Com ampla área de cultivo no Brasil, mão de obra barata
e competitividade, a produção do etanol brasileiro vem ganhando mercado,
concorrendo inclusive com o produto norte-americano, produzido a partir da
colheita do milho.
Estes fatores proporcionam preços mais competitivos do
que outras formas de produção, desencadeando ações internacionais para
dificultar a entrada do etanol brasileiro no mercado externo, que vem
enfrentando barreiras protecionistas criadas pelo governo norte-americano. A
criação da Organização Mundial do Comercio (OMC) constitui-se em uma esperança
para as negociações multilaterais de comércio, uma vez que dependendo da
classificação a ser adotada no âmbito da OMC, poderá o país pleitear a redução
ou mesmo a exclusão de barreiras tarifárias e não-tarifárias que sobre ele
incidam, o que acarretaria grandes vantagens econômicas para o Brasil.
Por outro lado, especialistas questionam os possíveis
efeitos negativos da produção etanol, estimulando a monocultura. Organizações
como o MST acusam o etanol de contribuir para a escassez de alimentos e,
consequentemente, o aumento nos preços dos alimentos. O relatório elaborado
pela FAO, por sua vez, aponta que são várias as razões pelos recentes aumentos
de preço dos alimentos: crescimento populacional, alterações climáticas e
aumento do consumo pelo incremento da renda da população. Entretanto, não
eximem de culpa os biocombustíveis, que estariam tirando alimento da mesa da
população para transformá-los em energia. A conclusão, ainda que arriscada, nos
conduz afirmar que a utilização do biocombustível como o álcool em escala
internacional traria benefícios econômicos ao Brasil e ao meio ambiente, mas
este procedimento necessita ser previamente pensado, de modo que se respeitem
as demandas regionais, minimizando os possíveis males sociais e ambientais,
inerentes à prática. (ambito-juridico)
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