Após anos de atritos, o Brasil e os Estados Unidos se uniram para
promover o uso de etanol numa colaboração que pode revolucionar os mercados
mundiais e os padrões do biocombustível.
O ponto de virada aconteceu em janeiro, quando os EUA permitiram que um
subsídio de três décadas a produtores norte-americanos de etanol expirasse e
deram fim a uma tarifa exorbitante sobre biocombustíveis de produção
estrangeira. Essa tarifa, particularmente, prejudicou as relações entre os dois
maiores produtores de etanol do mundo durante anos.
Desde então, executivos da indústria e autoridades do governo de ambos
os países viram um progresso tangível em esforços para incentivar a produção e
o consumo de etanol em todo o mundo, disseram eles à Reuters.
As duas nações têm pressionado governos estrangeiros para criar novos
mercados na África e na América Latina, planejando "road shows"
conjuntos para atrair novos investimentos em empresas de biocombustíveis, e
defendendo um padrão uniforme mundial para o etanol, o que facilitaria a
comercialização do biocombustíveis entre países.
Os resultados podem demorar anos, mas autoridades dizem que a colaboração
pode dar nova vida a uma indústria que enfrenta um futuro incerto devido a
quedas crônicas na produção e dúvidas sobre os benefícios ambientais de muitos
biocombustíveis.
"Acredito que há um claro sentimento agora de que deveríamos
colaborar em vez de brigar um com o outro", disse o governador do Estado
norte-americano de Iowa, maior produtor de etanol do país, Terry Branstadt.
Após uma reunião em julho com autoridades brasileiras, "fui
bastante encorajado pelo que ouvi", disse ele em entrevista. "Quanto
mais cooperarmos, mais podemos elevar a demanda mundial pelo que
produzimos."
O chefe da respeitada consultoria brasileira Datagro, Plinio Nastari,
disse que seria "muito prematuro" medir o impacto de um esforço
conjunto dos dois maiores produtores de etanol para estimular a demanda, mas
que a cooperação entre os dois países seria algo alentador.
Brasil e os Estados Unidos são responsáveis por cerca de 85% da produção
mundial de etanol, o que significa que eventos não recorrentes como a atual
seca nos EUA podem gerar fortes oscilações na oferta --e nos preços.
"Isso impede que o etanol se torne uma commodity amplamente
negociada", disse Nastari.
Muitas das ideias de colaboração datam de um acordo bilateral em 2007
assinado pelos governos brasileiro e norte-americano. Mas o progresso foi lento
até este ano, já que diplomatas e outras autoridades gastavam tempo travando
disputas, em vez de buscarem maneiras de trabalhar juntas.
"Infelizmente, a questão tarifária impossibilitou o avanço de
muitos desses (assuntos)", disse a diretora de Relações Internacionais da
Unica, principal associação da indústria de cana brasileira, Geraldine Kutas.
"As condições estão certas, agora. Esse é o momento da verdade".
ATRAVÉS DOS TRÓPICOS
O esforço mais promissor é também o que mostrou o progresso mais
visível: tentar conseguir que países na América Central, no Caribe e na África
produzam e consumam mais etanol.
Autoridades do Departamento de Estado, do Departamento de Energia e do
setor privado dos EUA, e seus equivalentes brasileiros, têm colaborado para
convencer outros governos dos benefícios do etanol.
"Estamos tentando mostrar a outras nações o que o etanol significou
para nossas economias", disse o governador de Iowa. "Em nosso Estado,
o biocombustível ajudou a elevar a renda de fazendeiros e reduzir nossa
dependência sobre o petróleo estrangeiro. Essas são ideias com forte
apelo."
A cana-de-açúcar, matéria-prima do etanol produzido no Brasil, já é
cultivada em muitos dos países vistos como possíveis produtores do biocombustível.
A cana produz mais energia do que consome durante o processo de produção
de etanol, ao contrário do milho, base do etanol norte-americano.
O etanol de cana representa um apelo óbvio para países pequenos e pobres
que importam a maior parte de sua energia a custos enormes. Honduras, por
exemplo, gastou 2,1 bilhões de dólares --12 por cento de seu Produto Interno
Bruto (PIB)-- em importações de combustíveis em 2011.
Entretanto, produtores e outros investidores geralmente se recusam a
construir fábricas de etanol e outros projetos de infraestrutura a menos que
tenham um mercado doméstico garantido.
"E a implementação dessa estrutura é bastante técnica e
difícil", disse Kutas, da Unica.
Um exemplo: na década de 1980, a Guatemala aprovou uma lei exigindo uma
mistura de etanol na gasolina, mas raramente a aplicou por conta de gargalos
que incluem uma lei diferente limitando a quantidade de cana que pode ser
utilizada na produção de biocombustíveis.
Para resolver esses problemas, os governos brasileiro e norte-americano
ajudaram a financiar e a produzir estudos da capacidade de países para criar e
sustentar a produção de etanol. Honduras, Guatemala e El Salvador são as nações
que realizaram maior progresso, dizem diplomatas.
"Temos contatos importantes em muitos desses países, mas os
brasileiros têm experiência nisso", disse uma autoridade dos EUA que
exigiu anonimato porque as negociações são sensíveis politicamente.
"Quando trabalhamos em conjunto, como temos feito nos últimos tempos
(...), é bastante poderoso."
PRÓXIMA FRONTEIRA: CUBA
O Brasil e os Estados Unidos intensificaram seus esforços nos últimos
meses. Programas piloto relacionados a etanol com o objetivo de apresentar o
biocombustível a consumidores devem começar em três países, começando em Honduras
no início de 2013, disse outra autoridade norte-americana.
Para acelerar o processo, o Brasil e os Estados Unidos estão planejando
apresentações nos próximos meses para atrair novos investidores interessados em
projetos relacionados a biocombustíveis nos três países, dizem autoridades.
A crescente influência diplomática brasileira teve um papel crítico para
abrir portas em países onde a nação tem profundas conexões estratégicas ou
culturais, como Senegal, Moçambique e Haiti. E o Brasil tem ferramentas únicas
para exercer influência em Cuba.
A indústria do açúcar em Cuba, que já foi poderosa, deteriorou-se nas
últimas décadas sob o governo comunista, mas o economista da Rice University
Ron Soligo disse que o país tem o potencial para se tornar o terceiro maior
produtor de etanol do mundo, atrás dos Estados Unidos e do Brasil.
Embora os Estados Unidos tenham tido pouco contato diplomático com Cuba
nas últimas cinco décadas, o Brasil tem um histórico de laços políticos e
econômicos mornos com a nação caribenha. A presidente Dilma Rousseff visitou
Havana em janeiro e falou sobre como o Brasil pode auxiliar Cuba a desenvolver
sua economia.
A produção em larga escala de etanol é considerada amplamente um tabu em
Cuba, parcialmente porque o ex-presidente Fidel Castro denunciou-a como uma
ideia "sinistra" que eleva os preços mundiais de alimentos. Mas
algumas autoridades brasileiras dizem que essa postura pode mudar
dramaticamente com a saída do líder de 86 anos da política.
"Todos sabem que Cuba é uma fonte de etanol esperando para
acontecer", disse uma autoridade brasileira que pediu anonimato.
TROCAS MERCANTIS
Separadamente, o Brasil e os Estados Unidos estão lidando com obstáculos
que impediram que o etanol se tornasse uma commodity negociada globalmente como
o petróleo.
Os únicos contratos futuros de etanol negociados na bolsa de Chicago
dizem respeito à variedade produzida nos EUA a partir de milho. Como resultado,
empresas norte-americanas que compram etanol brasileiro precisam fazê-lo por
meio de corretoras ou da compra de formas complexas de seguros para limitar
seus riscos --todas as quais fazem com que os acordos sejam mais caros.
A principal dificuldade: o Brasil exige níveis mais altos de pureza para
o etanol do que os Estados Unidos. Essa ausência de um padrão global criou uma
série de outros problemas, como atrasos no desenvolvimento de carros flex
universais que podem fazer uso de etanol e gasolina.
Mas autoridades de ambos os países dizem que técnicos realizaram
progresso significativo em direção a um padrão comum nos últimos meses.
"Estamos bastante próximos, agora", disse uma autoridade dos
EUA, adicionando que o foco das negociações transferiu-se agora para a Europa,
onde as negociações têm sido mais controversas.
Ao mesmo tempo, uma torrente de colaborações entre o Brasil e os EUA
surgiu no setor privado à medida que companhias tentam desenvolver
biocombustíveis mais eficientes a partir de uma variedade de fontes.
O etanol brasileiro produzido a partir de cana é visto como um solo mais
fértil para inovação, enquanto companhias norte-americanas têm mais recursos
para pesquisa e desenvolvimento.
A fabricante norte-americana de aeronaves Boeing e a brasileira Embraer
anunciaram planos em outubro de construir um centro de pesquisa para o
desenvolvimento de biocombustíveis para aviação.
Um voo de demonstração com combustíveis renováveis produzidos pela
Amyris foi realizado durante uma grande conferência ambiental da Organização
das Nações Unidas, no Rio de Janeiro, em junho.
A Solazyme está envolvida nos esforços norte-americanos relacionados a
biocombustíveis. A empresa sediada no sul de San Francisco, na Califórnia,
inaugurou uma unidade de óleos renováveis feitos a partir do açúcar da cana, em
parceria com a Bunge.
Autoridades brasileiras e norte-americanas têm se reunido frequentemente
para auxiliar das companhias dos dois países.
"Os (norte-)americanos parecem estar aqui quase toda semana",
disse o porta-voz da Unica Adhemar Altieri. "Estamos ouvindo quase tanto
inglês quanto português recentemente". (reuters)
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