A engenheira de alimentos Rosana Goldbeck conseguiu
identificar, em sua tese de doutorado, microrganismos silvestres isolados de
frutos do Cerrado, entre os quais os Acremonium strictum, que sinalizam um
potencial para o desenvolvimento de celulases (enzimas) empregadas na produção
de álcool de segunda geração, que é o bioetanol produzido a partir de diversas
fontes de biomassa vegetal, preferencialmente para matérias-primas não
destinadas ao consumo humano. “Em cinco anos o país será um dos maiores
produtores de etanol de segunda geração, o ‘álcool verde’”, calcula a
pesquisadora. “Esta seria uma produção mais acessível e viável por empregar
subprodutos agroindustriais.”
As enzimas estudadas são capazes de degradar a celulose (um
polímero) em glicose, que poderá ser posteriormente convertida em etanol,
mostra Rosana, que teve seu trabalho financiado pela FAPESP. Foram achados
esses microrganismos novos produtores de enzimas de interesse industrial até
então pouco conhecidos.
Segundo ela, os microrganismos mais adotados para a produção
de álcool combustível e de bebidas como a cerveja hoje, as Saccharomyces, não
conseguem fazer a conversão de celulose diretamente em etanol. Precisam de
enzimas que degradem a celulose em glicose para que entre no metabolismo do
microrganismo e consiga transformá-lo em álcool.
Estão sendo investigados microrganismos geneticamente
modificados para conter os genes dessas enzimas, para depois os mesmos genes
serem inseridos nas Saccharomyces.
Esse processo, situa a autora, é bastante recente. “É uma
inovação trabalhar com microrganismos engenharados (geneticamente modificados)
a partir dos genes isolados e sequenciados de Acremonium strictum, cujo
objetivo é fazer a sacaraficação e fermentação simultaneamente – degradar a
celulose em glicose e depois convertê-la em etanol.”
Se o microrganismo conseguir fazer essas etapas
simultaneamente, isso poderá diminuir o gasto de enzimas na hidrólise, deixando
o etanol economicamente viável e com um preço mais competitivo.
No caso da engenheira de alimentos, ela trabalhou com a
produção de celulases visando especificamente à produção de bioetanol. Defendeu
a sua tese na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) sob a orientação do
docente Francisco Maugeri Filho, responsável pela linha de pesquisa de
Engenharia de Bioprocessos, e coorientada pelo docente do Instituto de Biologia
(IB) Gonçalo Amarante Guimarães Pereira.
As celulases, explica a doutoranda, são uma classe de
enzimas ou proteínas que têm o poder de degradar a lignocelulose. A ideia é
usar a biomassa de resíduos como o bagaço da cana-de-açúcar, milho, gramíneas e
material verde (ricos em celulose) para transformar em glicose.
Banco de cepas - A autora da tese partiu de uma coleção de
390 cepas de leveduras pertencentes ao Laboratório de Engenharia Bioquímica da
FEA. Selecionou as melhores cepas produtoras de celulase em função de bancos
originários da Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal.
Na primeira seleção, foram obtidas cinco leveduras e
analisou-se a atividade enzimática delas. Notou-se que uma delas se destacou
pelo potencial na produção de celulases – a cepa AAJ6.
“Resolvemos identificá-la molecularmente para verificar o
seu gênero e a sua espécie. Descobrimos que era o fungo leveduriforme Acremonium
strictum e começamos a trabalhar com ele fazendo a produção das enzimas,
purificação e estudos enzimáticos”, descreve a engenheira de alimentos.
Após a identificação dos genes das enzimas, ela clonou-os em
Escherichia coli (E.coli), um microrganismo-modelo, e fez a transformação em
Saccharomyces cerevisiae para depois degradar a celulose e fermentá-la
convertendo-a em combustível.
A grande revelação, conforme Rosana, foi que ele produziu
duas enzimas diferentes e primordiais na degradação da biomassa lignocelulósica
– a endoglucanase e a beta-glicosidase.
A doutoranda constatou que a sua tarefa não tinha sido em
vão. Além de detectar um microrganismo silvestre pouco estudado na natureza,
também identificou os seus genes, iniciativa que representou um grande avanço,
pois não se sabia que tal microrganismo podia produzir as enzimas descobertas.
Viu que podia.
De acordo com a pesquisadora, lamentavelmente até o momento
não se produziu o etanol de segunda geração, para onde estão sendo consumidos
os esforços atualmente, e sim as enzimas que visam ao seu desenvolvimento, a
partir de resíduos verdes.
De outra via, esse etanol não vem para competir com o etanol
de primeira produção, que é o obtido de cana-de-açúcar ou o de milho. Vem,
antes, em sua visão, para expandir o bioetanol mundial, pelo fato de usar os
rejeitos que sobram nesse processo, realça ela.
Da cana-de-açúcar, por exemplo, vão sobrar bagaço e palha.
Muitos desses resíduos são queimados e desperdiçados. “Pretendemos convertê-los
em etanol, pois esse resíduo é rico em celulose, o principal carboidrato”,
relata.
Perspectivas - Os Estados Unidos mantêm a sua liderança em
etanol com produção a partir de milho. O Brasil figura logo atrás. É o segundo
maior produtor mundial de etanol, porém aquele obtido de cana-de-açúcar.
A produção brasileira corresponde a 34% da faixa mundial e, a dos EUA, a 50%, com o restante dividido entre outros países. “Exploraremos essa produção a fim de não mais depender dos combustíveis fósseis, petróleo, para empregar só os combustíveis renováveis como o bioetanol”, diz Rosana.
A produção brasileira corresponde a 34% da faixa mundial e, a dos EUA, a 50%, com o restante dividido entre outros países. “Exploraremos essa produção a fim de não mais depender dos combustíveis fósseis, petróleo, para empregar só os combustíveis renováveis como o bioetanol”, diz Rosana.
É fato que as enzimas avaliadas mostraram-se valiosas à
degradação de biomassa para ser usada num futuro próximo na produção de
bioetanol. Mas ela sempre necessita de um pré-tratamento, uma vez que a celulose
não está acessível para que os microrganismos as ataque e assim ser convertida
em álcool.
As celulases podem ser aplicadas em indústrias como as de
detergentes, panificação, bebidas, clareamento de sucos, papel e produção de
rações. Mas, dessas, nada se iguala à produção de biocombustíveis.
Rosana avalia que o etanol de primeira geração, que é
produzido a partir da sacarose de cana-de-açúcar, é viável, está bem no mercado
competitivo e é exportado com boa aceitação. “A nossa intenção é expandir essa produção
para chegar ao ‘álcool verde’, gerado por meio de material lignocelulósico”,
reporta. Trata-se de resíduos verdes naturais. E é para isso que estão sendo
desenvolvidas as novas tecnologias.
Campinas tem inclusive um Centro de Ciência e Tecnologia do
Bioetanol (CTBE), dentro do Centro Nacional de Pesquisa em Materiais e
Energias, situado próximo ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
Nesse laboratório somente são investigadas áreas relacionadas à produção de
bioetanol de segunda geração.
O Brasil está avançado nesse aspecto, embora ainda sem um
etanol de segunda geração economicamente viável, porque ainda está com preço
elevado, encarecido pelo custo das enzimas. Duas empresas multinacionais fazem
a sua produção: a Novozyme e a Megazyme, que as vendem já purificadas.
A sua esperança, e a de experts da área, é mesmo colocar em
uso o combustível verde. Muitas empresas almejam lançar o etanol de segunda
geração em no máximo em um ano. Mas a expectativa de se tornar economicamente
viável deve demorar um pouco mais: perto de cinco anos para então entrar em
larga escala. Até aqui só há plantas pilotos e ensaios.
Além disso, já se fala de etanol de terceira e de quarta
geração, que é a produção de álcool a partir de microrganismos geneticamente
modificados. Como já existem essas enzimas, das quais já se conseguiu
engenherar as leveduras, elas podem degradar celulose e convertê-la em álcool
diretamente.
No estudo de Rosana, a identificação dos genes e a clonagem
foram realizadas na Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, onde a
doutoranda permaneceu seis meses fazendo um estágio de doutorado-sanduíche, sob
a orientação do professor Paul Ferrer.
Ao voltar ao Brasil, ela realizou outra parte da pesquisa no
Laboratório de Genômica e Expressão do IB, supervisionada pelo professor
Gonçalo, que incluiu a clonagem dos genes, a sua identificação e a
transformação em Saccharomyces. (ambienteenergia)
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