Em 2003 foi lançado o primeiro carro com motor flex, que
permitiu a utilização de qualquer mistura etanol hidratado/gasolina entre 20% e
100%. O consumidor aceitou logo a ideia e até 2009 construiu-se no País um
sistema inovador, que começava no setor automotivo. Entre 2003 e 2005, o motor
flex foi bastante aprimorado.
O etanol hidratado tinha competitividade com a gasolina
porque o custo de produção da cana-de-açúcar era, na ocasião, o menor do mundo.
Além disso, o preço da gasolina subiu entre 2002 até meados de 2006, quando foi
mantido praticamente constante desde então.
As vendas de carros flex (como mostra o gráfico abaixo)
subiram de forma acentuada, atingindo rapidamente a faixa de 80% ou mais do
total de carros produzidos no País. Estima-se que em 2009 a frota destes
veículos era da ordem de 9,5 milhões de unidades. O consumo de etanol
hidratado, em consequência, se elevou rapidamente de 5 bilhões para mais de 20
bilhões de litros.
Foi preciso muito trabalho de pesquisa no Brasil e de
convencimento no exterior para que a Europa e os EUA aceitassem que o etanol de
cana era um combustível avançado, isto é, um produto renovável e que, dada sua
tecnologia e alta produtividade, contribuía positivamente para a redução do
efeito estufa e da poluição.
Levou também algum tempo para que se aceitasse que a
produção de cana não implicava elevação dos preços de alimentos, ao contrário
do produto americano, feito de milho. Neste caso, a utilização de mais de 90
milhões de toneladas de milho para a produção de etanol certamente produziu, em
2008, uma forte pressão no custo de alimentação.
No corrente ano, a combinação de uma forte seca e o
esmagamento de 125 milhões de toneladas de milho para a produção de
biocombustível repetiu o impacto sobre os preços dos alimentos.
No caso da cana, a alta produtividade resulta num
crescimento de área muito modesto, ante a dimensão do Brasil, de sorte que
inexiste qualquer pressão sobre a produção de produtos da cesta básica. O
gráfico 1, abaixo reproduzido, mostra como os preços de alimentos reduziram-se
sistematicamente nos últimos anos.
Finalmente, também levou muito tempo para que os defensores
do meio ambiente acabassem por perceber que a cana é uma gramínea que não
convive bem com a região amazônica, não tendo, pois, nenhuma responsabilidade,
inclusive indireta, na queima de florestas.
Outras inovações também aconteceram no período de 2003 a
2009: a expansão de projetos de cogeração de energia com a queima de bagaço e o
início do desenvolvimento de combustíveis de segunda geração em escala
pré-industrial. Da mesma forma, a alcoolquímica começa a ensaiar seus primeiros
passos com a chegada de empresas como a Amyris. O sucesso do plástico verde da
Braskem levou muitas empresas da área química a se dispor a investir em novos
polos industriais ao lado das usinas.
Tudo indicava que se desenvolvia um grande projeto inovador
e vencedor.
2009 - 2012. A perda
de competitividade
Com a crise financeira de 2008, a maior parte dos projetos
de ampliação de capacidade foi cancelada.
Quatro anos de baixos investimentos e clima adverso
reduziram a quantidade da cana. Também concorreu para isso a curva de
aprendizado no plantio de novas áreas, onde ainda não existiam variedades mais
bem adaptadas. Hoje, o País não é mais o produtor de menor custo, mas o quarto
ou quinto da fila.
Com a escassez da cana houve o privilégio na produção de
açúcar, que tem mais facilidade para gerar liquidez e rentabilidade, e de
álcool anidro, que tem mercado garantido, dada a obrigatoriedade da mistura com
a gasolina.
O virtual congelamento do preço da gasolina na bomba tirou a
competitividade do hidratado. Dada a escassez de cana, que vai até 2017 na
melhor das hipóteses, o que equilibra o mercado é a redução na produção do
hidratado, cujos preços se elevam na entressafra, fazendo cair o consumo, como
se vê no gráfico 2.
A ausência de investimentos na melhoria do motor a etanol
manteve inalterada sua menor eficiência com relação ao motor a gasolina, algo
em torno de 30%. Só agora, alguns novos projetos de pesquisa visando a melhora
do desempenho dos motores flex estão começando (como os que se iniciam no
Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol - CTBE). O novo
regime automotivo, recém-divulgado, incorpora pela primeira vez exigências
quanto à redução no consumo de combustíveis.
Segundo técnicos do setor, as melhorias de eficiência no
motor flex poderiam ter sido de 15 a 20% em uma primeira fase, caso esses
projetos tivessem sido iniciados a partir de 2007, de acordo com nota técnica
elaborada por Alfred Swarc e Francisco Nigro. A história do etanol teria sido
outra se isso tivesse ocorrido.
Finalmente, a politica de preços de combustíveis, aliada ao
esgotamento da capacidade de refino, elevou as importações de diesel, gasolina
e etanol, desequilibrando o fluxo de caixa da Petrobrás.
Como as novas refinarias só ficarão prontas daqui a três
anos, o aumento do consumo terá de ser atendido por mais importações.
Um enorme problema logístico está sendo criado, pois o País
não está preparado para distribuir grandes volumes de combustíveis vindos do
exterior.
A Petrobrás precisa de uma relevante elevação no preço da
gasolina para racionar um pouco a demanda e estimular a produção do etanol,
reduzindo suas perdas financeiras.
A lição que fica é que o mundo não para e a competição
sempre avança. A manutenção da competitividade depende mais do que tudo de uma
dinâmica de avanços contínuos, técnicos e regulatórios, que permitam a
manutenção da liderança.
Apenas um esforço mais organizado poderá permitir que uma
experiência bem-sucedida não siga definhando e se perca por falta de
competitividade. (OESP)
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