A participação dos
biocombustíveis na matriz energética aumentará.
O bioquerosene só será
realidade no país se forem realizados investimentos.
A macaúba é uma das culturas
em que se aposta como matéria-prima para a produção de bioquerosene.
O
Brasil pode ser considerado um dos países mais privilegiados em termos de
vocação agrícola no mundo. O País possui localização privilegiada na região
tropical, com alta incidência de energia solar, regime pluviométrico adequado e
conta com grandes reservas de terras agricultáveis, o que permite planejar o
uso agrícola em bases sustentáveis, sem comprometer os grandes biomas
nacionais.
Pode-se
considerar que o Brasil é um dos únicos países do mundo em que é possível
produzir alimento e energia sem que ocorra competição direta por área e
recursos naturais. Existem, no Brasil, cerca de 90 milhões de hectares de áreas
para a expansão agrícola, sem considerar mais de 200 milhões de hectares de
pastagens com algum grau de degradação que, após recuperadas, podem ser usadas
na produção de alimentos e bioenergia.
Todas
estas condições fazem do Brasil um país com grande capacidade para a produção
de alimentos, biocombustíveis e de outros derivados de óleos vegetais para
atender tanto o mercado nacional, quanto internacional.
Recentemente,
tem sido crescente o interesse da aviação nacional e internacional na produção
de bioquerosene para substituir parte da demanda do querosene de origem fóssil.
O consumo atual de querosene de aviação no Brasil é de aproximadamente 8
milhões de m3 anuais, com projeções de demanda, para o ano de 2020,
de cerca 12 milhões de m3 de querosene.
Atualmente,
a indústria da aviação é responsável por cerca de 2% das emissões de dióxido de
carbono no mundo, com projeções crescentes que estimam atingir 3% até 2030.
Neste contexto, a indústria da aviação estabeleceu metas para a mitigação dos
impactos ambientais atribuídos ao setor, buscando reduzir em 50% as emissões de
dióxido de carbono até 2050.
Embora
a produção ainda não esteja regulamentada, observa-se no Brasil e no mundo
diversas movimentações para implementar e tornar viável a produção comercial de
bioquerosene. Desde o ano de 2010 têm sido realizados no Brasil diversos voos
experimentais tripulados, com diferentes proporções de misturas de bioquerosene
derivados de diversas fontes de matérias-primas, como óleo de pinhão-manso,
óleo de macaúba e até mesmo óleo de fritura.
Resultados
recentes têm demostrado ganhos positivos no uso do bioquerosene, com aumento de
eficiência, diminuição da temperatura na turbina e redução das emissões de
poluentes.
O
bioquerosene pode ser produzido por diversos processos e matérias-primas, como
biomassas lignocelulósicas, fontes sacarinas, amiláceas e óleos vegetais. Neste
artigo, será dado foco apenas a discussões referentes às fontes oleaginosas e
não serão consideradas as características físico-químicas do óleo para a
produção do bioquerosene.
Existe
no Brasil um grande número de espécies nativas e exóticas que produzem óleo em
frutos e grãos, com diferentes potencialidades e adaptações naturais a
distintas condições de clima e solo do País. Os desafios quanto ao uso das
matérias-primas oleaginosas e as estratégias do desenvolvimento da cadeia de
produção de bioquerosene de aviação no Brasil passam por gargalos
técnico-científicos-políticos relativos à sua produção, seu processamento
industrial e à sua integração com cadeias produtivas regionalizadas.
Dentre
as oleaginosas cultivadas, a soja se destaca atualmente como a principal
candidata a fonte de matéria-prima oleaginosa para a produção de bioquerosene em
curto prazo, já que é a única entre todas que atende na totalidade a três
parâmetros básicos e essenciais para a sustentabilidade de um possível programa
de bioquerosene no Brasil. O primeiro parâmetro refere-se ao domínio de um
pacote tecnológico, em que o Brasil é a referência mundial no desenvolvimento
de tecnologias para a produção de soja em áreas tropicais e subtropicais.
O
segundo parâmetro refere-se a escala de produção, sendo a soja a principal
oleaginosa produzida no Brasil, com a produção representando quase 50% da
produção nacional de grãos. Por fim, o terceiro critério refere-se à logística
de distribuição espacial da matéria-prima ao longo do território nacional,
sendo a soja uma das únicas matérias-primas com produção em todas as regiões do
país.
Embora
estes critérios façam da soja, em curto prazo, a principal candidata a fonte de
matéria-prima para produção de bioquerosene, e considerando ainda que a soja é
atualmente a principal fonte de matéria-prima para produção de biodiesel, é
importante ponderar que não é estratégico para o País depender apenas de uma
única fonte de matéria-prima, até porque os dois setores concorreriam entre si
por esta fonte. Neste sentido, torna-se necessária a busca e o desenvolvimento
contínuo de outras oleaginosas com maior adensamento energético e que atendam a
critérios relacionados à diversificação e a regionalização.
Das
oleaginosas disponíveis para diversificar a produção em médio prazo, pode-se
considerar as opções como o dendê (palma-de-óleo), algodão, girassol, canola,
entre outras. Estas oleaginosas possuem domínio tecnológico (cultivares,
sistema de cultivo), porém carecem de ações para ampliar a escala de produção,
considerando a regionalização da produção.
Muitas
destas oleaginosas são opções interessantes para diversificar a produção
regional, mas a área plantada e a produção ainda são consideradas baixas para atender
a demanda de biocombustíveis. Um exemplo é a cultura do dendezeiro
(palma-de-óleo), cuja produtividade pode atingir 4 mil kg/ha de óleo, o que
supera em 8 vezes a produtividade da soja (500 kg/ha), sendo excelente fonte de
matéria-prima para região norte do Brasil.
Em
longo prazo podemos considerar as oleaginosas perenes e anuais que ainda não
estão domesticadas como o pinhão-manso, a macaúba, a camelina e outras. Estas
oleaginosas apresentam grande potencial para cultivo nas regiões centro-sul e
nordeste do Brasil, porém, para que sejam opções economicamente viáveis
necessitam de pesquisas para o desenvolvimento de cultivares e de sistemas de
cultivo.
A
mobilização e os investimentos do setor privado em P&D podem acelerar a
geração de tecnologias direcionadas a estas espécies. Para este grupo de
oleaginosas, primeiro será necessário desenvolver o domínio tecnológico para
que sejam iniciadas ações buscando a escala de produção. Como muitas destas
espécies são de ciclo longo, será necessário mais tempo para que possam ser
completamente domesticadas.
Uma
estratégia interessante será trabalhar estas espécies em sistemas
agroflorestais incluindo seu consórcio com culturas anuais que possam compensar
o custo do investimento nos anos iniciais de uma cultura perene. Neste grupo de
oleaginosas, a macaúba vem tendo destaque nas pesquisas quanto ao potencial de
rendimento, que gira entre 3 mil a 6 mil quilos por hectare de óleo.
Uma
particularidade da produção de bioquerosene que difere, por exemplo, da
produção de biodiesel, é que a produção da matéria-prima e a sua conversão em
bioquerosene não devem ocorrer de forma pulverizada no País, mas sim em
arranjos produtivos no entorno dos centros consumidores (aeroportos).
Em
muitos casos, o centro de fornecimento de matéria-prima está distante do centro
de transformação, o que eleva os custos, principalmente de logística, e aumenta
os riscos à sustentabilidade. A matéria-prima deve estar próxima o suficiente
para que o transporte não inviabilize a produção econômica. Não podemos, por
exemplo, produzir óleo de dendê (palma-de-óleo) no estado do Pará para
abastecer a demanda de bioquerosene do aeroporto de Brasília-DF.
Neste
contexto, para o estabelecimento de um programa de produção de bioquerosene,
torna-se crucial um estudo prévio dos entornos dos principais aeroportos do
Brasil no que se refere a demanda potencial de bioquerosene e do zoneamento das
principais matérias-primas existentes e potenciais de serem produzidas na
região.
Desta
forma, poder–sê-a planejar a produção da matéria-prima considerando as
demandas, as espécies disponíveis (domínio tecnológico), aptidão das culturas
para as regiões e a viabilidade de industrialização local do bioquerosene de
aviação. Os usos e demandas atuais das matérias-primas, como por exemplo, para
produção de biodiesel na região, também é algo que deve ser analisado neste
processo de planejamento.
O
custo de produção da matéria-prima, bem como, da produção do bioquerosene devem
se equiparar ao preço de produção do querosene de aviação, caso contrário a
competitividade do biocombustível será comprometida. A adoção ou
desenvolvimento de processos de produção de bioquerosene que possam gerar
concomitantemente outros produtos no conceito de biorrefinaria podem ser
interessantes para viabilizar a produção do bioquerosene de aviação a preços
mais competitivos.
Dendê é uma das opções para
dar suporte à matriz energética de biocombustíveis.
Outra
questão que pode impactar nos custos de produção são os custos da certificação
da produção de matéria-prima. A certificação da produção da oleaginosa e a
produção em bases sustentáveis é algo que vem ganhando importância no setor dos
biocombustíveis de aviação. A certificação tem impactos no custo de produção,
porém pode aumentar a competitividade do bioquerosene nacional e sua inserção
no mercado mundial.
Nos
próximos anos, a participação dos biocombustíveis na matriz energética
brasileira e global aumentará gradativamente em caráter irreversível. O
bioquerosene de aviação poderá ter papel importante não só por diversificar a
matriz energética, mas também por equacionar questões como a distribuição de
renda e a segurança ambiental.
Embora
a soja seja atualmente a oleaginosa com maior escala de produção no País,
torna-se fundamental a utilização de matérias-primas de maior densidade
energética, e o desenvolvimento tecnológico destas para dar suporte à sua
incorporação na matriz energética de biocombustíveis.
A
palma-de-óleo e as espécies alternativas, como pinhão-manso e palmeiras nativas
(macaúba, tucumã babaçu e inajá), em função das maiores produtividades
potenciais e das aptidões edafoclimáticas, são ótimas opções para atender às
demandas quantitativas e ecorregionais de óleo.
Além
do domínio tecnológico, deve-se considerar a produção de bioquerosene em
arranjos produtivos de forma a garantir e potencializar a logística e o
suprimento da matéria-prima nas diversas fases da produção, além de envolver os
distintos atores associados ao sistema produtivo (produtores, comunidades,
associação, instituições de capacitação e etc.).
Obviamente,
o bioquerosene só se transformará em realidade no país se forem realizados
investimentos significativos e constantes em pesquisa e desenvolvimento das
matérias-primas e das tecnologias relacionadas, para que se tornem não apenas
alternativas viáveis, mas também, alternativas sustentáveis pelo investimento
na sua cadeia produtiva, nas soluções sociais, ambientais e econômicas para
acomodar a mudança global de comportamento socioambiental imposta pelo mercado
interno e externo. (g1)
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