Especialista diz que EUA, UE e China lideram
corrida para ver quem vai estabelecer o padrão de produção de etanol a partir
da celulose.
Plantação
de pinhão manso para produção de biodiesel em Queimados, RJ.
Após se tornar o líder no consumo e produção de
biocombustíveis, o Brasil perdeu a hegemonia para EUA (em 2003) e União Europeia
(2011). O retorno à ponta, porém, será difícil, afirma Sergio Salles-Filho,
organizador do livro "Futuros do Bioetanol: O Brasil na
Liderança", lançado pela Unicamp.
Segundo ele, o Brasil terá que investir mais na
tecnologia de segunda geração dos biocombustíveis – produção de etanol por meio
de celulose – e implementar políticas mais concretas para o setor. "O
Brasil investe nessa tecnologia, porém menos que EUA, União Europeia e
China", afirma o engenheiro agrônomo. "Existe uma corrida hoje para
ver quem vai estabelecer o padrão de produção de álcool a partir da celulose,
mas o Brasil está para trás."
Deutsche Welle: Após ser líder no consumo de
biocombustíveis, o Brasil perdeu a liderança em consumo para os EUA (2003) e
União Europeia (2011). Por quê?
Sérgio Salles-Filho: O Brasil tinha uma liderança
muito mais pelo fato de que a indústria de açúcar e álcool era secular e o país
deu início antes dos outros países ao uso sistemático do etanol como
combustível para automóveis. Ou seja, desse uso sistemático gerou-se uma
política de usar o etanol e, assim, a produção foi aumentada. Era uma liderança
frágil, porque era o único país que produzia etanol por meio de cana de açúcar.
Os demais países não faziam isso. Como era estava só, o Brasil era líder dele mesmo.
DW: E o que os outros países, como os EUA, fizeram
para crescer no setor?
SSF: Como boa parte da tecnologia é aberta, a perda da
liderança ocorreu de forma rápida. Os EUA focaram muito no etanol de milho. Em
menos de cinco anos, dobraram a produção para 50 bilhões de litros. Hoje são
quase 60 bilhões. Foi um salto extraordinário porque houve uma política de
Estado dizendo que iriam colocar etanol na gasolina.
DW: É possível o Brasil voltar à liderança mundial
no setor?
SSF: Acho, pessoalmente, isso muito difícil de
acontecer, mas não é impossível. Por uma razão: o volume de investimento em
novas tecnologias que vem sendo realizado por países desenvolvidos é muito
maior do que o do Brasil. As técnicas tradicionais de produção, seja do etanol
ou do biodiesel, não têm segredo. Já novas tecnologias, principalmente a partir
de celulose, podem mudar a situação no futuro. O Brasil investe nessa
tecnologia, porém menos que EUA, União Europeia e China. Existe uma corrida
hoje para ver quem vai estabelecer o padrão de produção de álcool a partir da
celulose, mas o país está para trás. Ele terá que ampliar os investimentos caso
queira retomar a liderança.
DW: O que exatamente precisa ser feito?
SSF: É preciso que seja criada uma política para
substituir o combustível fóssil, ou seja, ir retirando gradativamente a
gasolina do posto e colocando mais etanol à disposição. Mas, em vez disso, o
governo federal tomou claramente uma opção pela produção de petróleo. Ele
continua investindo em biocombustíveis, mas não dá para comparar, já que são
volumes de dinheiro bem diferentes.
DW: Faltam políticas para o setor?
SSF: Falta uma política clara do governo federal em
relação aos biocombustíveis. Elas chegam a existir, mas não são concretas como,
por exemplo, determinar que, em dez anos, o Brasil terá que ter uma frota de
80% rodando com etanol. O que existe é uma política dúbia, em que o governo
aposta ao mesmo tempo no petróleo e nos biocombustíveis. Não há problemas
nisso, mas, em longo prazo, é criada uma sinalização confusa para os atores
públicos e privados que estão envolvidos no setor.
DW: Com o barril de petróleo mais barato, vale a
pena ainda investir em biocombustíveis?
SSF: O preço do barril de petróleo, que caiu de forma
muito intensa, altera completamente qualquer estudo prospectivo sobre o futuro
dos biocombustíveis. Isso porque eles existem por uma pressão ambiental, por
serem mais adequados ambientalmente e uma alternativa aos derivados do
petróleo.
Mas a de decisão sobre investimentos não pode depender
tanto do momento. Não se pode estruturar uma indústria de biocombustíveis,
incluindo aí a cadeia produtiva, de transporte, distribuição e consumo, e ficar
dependendo de uma oscilação do preço do petróleo.
DW: Quais são os principais impulsos atualmente ao
investimento em biocombustíveis?
SSF: A principal razão para a expansão hoje dos
biocombustíveis são as regulações ambientais – como a redução da emissão de
carbono – e isso coloca força na produção. Se não fosse a regulamentação
ambiental em Europa, EUA e Brasil, além de outros países, de redução de emissão
de carbono e substituição de combustíveis fósseis por renováveis, o futuro dos
biocombustíveis estaria comprometido.
DW: Como você vê o futuro dos biocombustíveis?
SSF: A tendência é a produção de bioetanol a partir de
celulose – como fibra, palha e bagaço da própria cana –, mas ela está no
início. A vantagem é que se pode extrair o etanol a partir de qualquer biomassa
vegetal com celulose. E, assim, vários países têm a chance de entrar no
negócio, já que, se um país não consegue produzir cana de açúcar por causa do
clima, é possível produzir essa matéria-prima mais indiferenciada.
Hoje existem no mundo cerca de seis a oito plantas em
escala industrial para produzir bioetanol com base em celulose, com capacidades
muito baixas. As duas maiores – que têm capacidade de produzir 90 milhões de
litros por ano e se localizam nos EUA – não conseguem chegar nesse teto por
problemas técnicos.
Só em comparação, os EUA produzem quase 60 bilhões de
litros por ano de etanol de milho. O Brasil – com a terceira maior planta e
capacidade de 80 milhões de litros por ano – começou a produzir no ano passado
e está fazendo ajustes para que a operação chegue ao volume de produção que é
esperado. (cartacapital)
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