Casos de câncer são vistos como
‘rotina’ em Lagoa Real
Segundo secretário, maior
parte dos recursos de saúde vai para essa área, mas ligação com radioatividade
é incerta.
‘Doença
é coisa que anda no mundo, seu menino’, diz moradora.
Ao longo da estrada de terra
que deixa a praça central de Lagoa Real e avança para a zona rural do
município, onde vivem 80% de seus 15 mil habitantes, a caatinga é cortada por
uma série de casas de taipa, erguidas com barro e madeira. Muitas delas,
conforme pôde ser verificado pela reportagem, foram abandonadas por famílias
que enfrentaram casos fatais de câncer.
Estudos
realizados até agora não apontam vínculo entre a exploração da mina de urânio
pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e os casos de câncer na
região. O crescimento de tratamentos relacionados à doença, no entanto, já é
claramente sentido pela prefeitura de Lagoa Real.
O
secretário municipal de Meio Ambiente do município, Willike Fernandes Moreira,
relata que os casos de câncer passaram a ser tão frequentes no município que
atualmente absorvem a maior parte dos recursos que a prefeitura dispõe para a
área de saúde. Como são complexos, o dinheiro é gasto com as duas ambulâncias
da cidade, que levam pacientes para serem tratados em Salvador, a 620
quilômetros de distância, ou até mesmo em São Paulo, a 1.420 quilômetros. “É
uma situação grave. Nós não temos dados oficiais de câncer na região, mas
sabemos que está matando muito”, diz Moreira.
“Já
são uma rotina de assistência para a prefeitura, infelizmente. Às vezes,
conversamos com os motoristas das ambulâncias. Eles ficam abismados com o
número de biópsias”, diz o secretário. “Há mais de 15 anos, não se ouvia falar
nisso. Agora é o tempo todo, mas a causa disso a gente não sabe qual é. Não
podemos culpar ninguém, nem mesmo o urânio. Mas que é algo muito preocupante,
isso é.”
Em
Caetité, na comunidade conhecida como Riacho da Vaca, ao lado da mina de urânio
da INB, mora Elenilde Alves Cardoso, que há 19 anos é agente da Secretaria
Municipal de Saúde. Seu trabalho é visitar a população local, identificar
problemas de saúde e dar encaminhamento. “Temos só 50 famílias nessa vila, 180
pessoas. Dessas, 27 passaram a ter problemas de hipertensão”, disse. “Tem
acontecido de crianças nascerem com anomalias. Também é muito comum animais
nascerem com problemas de formação. No último ano, tivemos dois casos de óbito
por causa de câncer.”
Morador
de Lagoa Real, Sebastião José Gerino conta que, dois meses atrás, sua filha,
que está grávida de 7 meses, perdeu o marido, de 33 anos. Entre a descoberta do
câncer e a morte, foram 45 dias. “As pessoas falam muita coisa sobre as causas
da doença, mas é difícil saber o que aconteceu”, disse.
Fiocruz
Um
relatório divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em abril de 2014 se
propôs a fazer um levantamento de casos de câncer na região, mas enfrentou
limitações, por causa das dificuldades em coletar dados oficiais. O estudo, que
teve participação da organização francesa Commission de Recherche et
d’Information Indépendantes sur la Radioactivité (Criirad), registrou
oficialmente 21 casos de câncer na região da mina de urânio entre 2005 e 2014.
Outros 113 casos foram levantados desde o início da exploração da mina, em
2000, mas não puderam ser confirmados, por causa de restrições, como falta de
documentação fornecida pela família.
Segundo
os especialistas, é comum a situação em que óbitos e tratamentos de câncer são
registrados em outros locais, como Salvador e São Paulo, para onde segue a
maioria dos pacientes. Moradora a poucos metros da cerca que delimita a área
restrita da INB, Vidália Maria de Jesus, de 62 anos, diz que apoia a presença
da INB. “As pessoas falam da água daqui, mas a gente ouve da INB que não tem
problema. Então, eu acho que não tem mesmo. Doença é coisa que anda no mundo,
seu menino. Não fica parada assim não”, afirma ela, que também tem um filho
empregado nas instalações da estatal federal.
“Eles
ajudam a gente, trazem uma cesta básica de vez em quando, dão um pão pra gente,
então não pode reclamar, não está certo”, diz Vidália. “Eu vou construir uma
casinha bem ali, do lado da mina.”
Estatal
nega que existam riscos
A
INB afirmou que pesquisa já demonstraram que o urânio natural não contribui
para o aumento de casos de câncer ou outras doenças decorrentes de radiação. “O
urânio está presente na crosta terrestre desde a formação do planeta Terra; a
atividade de mineração não aumenta a radiação emitida por esse mineral porque
ele trabalha com o urânio em estado natural.” A INB também reiterou que tem
compromisso com o meio ambiente e a população e prestará esclarecimentos
necessários para que “informações deturpadas não venham provocar apreensão na
comunidade”. (OESP)
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