Não foi o alarme da
mudança climática, nem o encontro Eco-92, no Rio, que despertou nos economistas
– alguns deles, pelo menos – a noção de que a economia humana se desenrola num
planeta real, de recursos finitos. Já na década de 1960, o romeno Nicholas
Georgescu-Roegen (1906-1994) advertiu para a urgência de enriquecer a economia
com noções físicas como energia e entropia. Economista com formação de
matemático e estatístico, admirado por Joseph Schumpeter e Paul Samuelson e
cotado para o Prêmio Nobel por seus trabalhos sobre a teoria do consumidor e a
economia agrária, Georgescu-Roegen se dedicou a repensar o modo como a economia
pensa a produção. Mas a virada intelectual selou o destino do romeno entre seus
pares: até então admirado, ele teve de enfrentar o ostracismo.
Hoje, quando a
sustentabilidade se torna pouco a pouco incontornável nas discussões sobre a
economia mundial, as ideias de Georgescu-Roegen começam a encontrar um pouco
mais de ressonância. Na quarta-feira, será lançado em São Paulo o livro O
Decrescimento: Entropia, Ecologia, Economia, com artigos que expõem as ideias
pioneiras do matemático romeno. Organizado pelo economista e professor da
Universidade de São Paulo (USP) José Eli da Veiga, o lançamento terá a presença
de dois economistas que conviveram com Georgescu-Roegen: o ex-ministro da
Fazenda e do Planejamento Delfim Netto e o ex-presidente do Banco Central
Ibrahim Eris.
Formado em matemática
na Universidade de Bucareste e especializado em estatística na França,
Georgescu-Roegen se interessou por economia quando foi professor em Harvard,
entre 1934 e 1936. Sua convivência com Schumpeter, um dos maiores economistas
do século XX, teria resultado em um livro a quatro mãos, se não tivesse
decidido retornar à Romênia com a justificativa de que devia algo a seu país.
Mais tarde, ao fim da Segunda Guerra, tornou-se professor na Universidade
Vanderbilt.
Em 1966, publicou o
livro Analytical Economics: Issues and Problems, centrado na teoria do
consumidor e elogiado em profusão por Samuelson, outro dos maiores economistas
de seu tempo, com epítetos inequívocos como “professor dos professores” e
“economista dos economistas”.
A causa do ostracismo
de Georgescu-Roegen – encaminhado pelo próprio Samuelson, que fez desaparecer o
nome do romeno de seu ubíquo manual, “Economics”, a partir da décima edição –
foi seu interesse intelectual por uma área de estudos até então considerada
exotérica, para não dizer absurda: a ecologia. Ao se dar conta de que o
processo produtivo e o consumo não são mera função do trabalho, do capital e de
insumos, mas uma realidade física, química e social, o até então admirado
romeno selou sua sorte no clã dos economistas. “Ele não foi só esquecido. Foi
banido. Ele sofreu uma espécie de censura”, diz Veiga.
Segundo o economista
da USP, a gota d’água foi a reunião da associação dos economistas americanos
(American Economic Association) de 1973. “É como o conclave do Vaticano”, diz
Veiga. Nos meses anteriores, fora publicado o manifesto “Rumo a uma Economia
Humana”, escrito por membros da organização Fellowship of Reconciliation
reunidos em um grupo de trabalho intitulado “Dai Dong”, sob orientação do
pacifista americano Alfred Hassler. “Hoje, esse manifesto me parece até
ingênuo, mas na época foi considerado radicalmente ecologista ao mencionar
ameaças aos ecossistemas”, diz Veiga.
Na reunião dos economistas
americanos, de que Georgescu-Roegen participava todos os anos, o matemático
romeno propôs que a associação assinasse e apoiasse o manifesto. “Criou-se uma
confusão, porque os economistas eram contra e acabaram encontrando uma solução
de compromisso: em vez de assinar e apoiar, a associação publicou o texto, mas
como anexo e com um tamanho de letra praticamente ilegível.”
Até então respeitado
por seus colegas por sua capacidade superior de aplicar a matemática às funções
de consumo e produção, Georgescu-Roegen percebeu que sua linha de pensamento
era heterodoxa demais para aquele ambiente intelectual. “Georgescu foi
bloqueado como são bloqueados todos aqueles que não se integram no mainstream”,
afirma Delfim Netto. “Marx é bloqueado, por exemplo. Diz-se que Georgescu não
ganhou um Prêmio Nobel porque não criou uma ‘georgescologia’, não fez escola.
Mas ele tinha nível para ganhar o Nobel, sobretudo em comparação com as
bobagens que ganham hoje.”
Com o avanço
progressivo da matematização na teoria econômica, os economistas se puseram a
perseguir a ambição de produzir teses tão exatas e claras quanto as da física.
Mas os economistas têm de enfrentar uma dificuldade que não atinge os físicos.
“Acontece que nossos ‘átomos’ pensam”, argumenta Delfim Netto. “Por isso, em
economia, o passado não contém o futuro e não é capaz de explicá-lo. Na física,
o passado contém o futuro. É por isso que nenhum modelo econômico funciona de
verdade.”
Outro problema que
afasta a economia de atingir seu objetivo de perfeição quantitativa, segundo
Veiga, é a insistência numa concepção mecanicista e equilibrada do
funcionamento do ciclo produtivo. “Com toda sua formação científica,
Georgescu-Roegen ficou muito espantado ao começar a estudar a teoria do
produtor e descobrir que os conceitos que os economistas tomavam emprestados da
física ainda eram todos newtonianos”, diz Veiga. A essa altura, a física já
tinha abandonado suas concepções de equilíbrio mecanicista, que ainda orientava
as pesquisas econômicas. Já em seu livro de 1966, Georgescu-Roegen se mostrava
inconformado com aquilo que Veiga nomeia o “progressivo distanciamento da
teoria econômica dos fundamentos básicos das ciências naturais”. Dentre os
fundamentos em questão, Veiga cita o campo físico da termodinâmica e o evolucionismo.
Suas preocupações
epistemológicas heterodoxas puseram Georgescu-Roegen entre os primeiros
economistas a buscar um fundamento para a economia que levasse em conta o fato
de que o próprio ato de produzir é transformador, tanto para a matéria-prima
quanto para o maquinário e para as sociedades em que tem lugar. Com isso, seu
pensamento econômico se tornou progressivamente evolucionário. Até hoje,
análises evolucionárias da economia, como as de Geoffrey Hodgson, encontram
pouca ressonância na profissão, embora Veiga se refira às ideias do economista
britânico, editor da revista Journal of Institutional Economics, como “o futuro
da economia”.
Para Delfim, a
redescoberta das teses de Georgescu-Roegen é um caminho imposto pelas
circunstâncias de um mundo que começa a encontrar seus limites físicos. “A
concepção de Georgescu está se impondo naturalmente. Foi homem que antecipou em
pelo menos 50, 60 anos essa visão de mundo”, diz. “Mas não foi só intuitivo. Construiu
um dispositivo analítico que levava a reconhecer os fatos: o desenvolvimento
não é um fenômeno econômico, mas termodinâmico. Portanto, obedece às leis da
termodinâmica.”
Ao lado das mudanças
no processo produtivo, o economista romeno passou a argumentar que a produção
não pode ser entendida como um sistema fechado, capaz de funcionar
indefinidamente a partir de seus princípios, sem levar em consideração o canal
de entrada de recursos. Se fosse assim, a economia funcionaria como um
“moto-perpétuo”, a máquina capaz de trabalhar eternamente, sem o acréscimo de
energia exterior. Mas isso seria absurdo, porque exigiria o esquecimento da
segunda lei da termodinâmica, segundo a qual todo sistema caminha na direção do
equilíbrio, isto é, da máxima entropia, e deixa de produzir qualquer
modificação.
Georgescu-Roegen se
esforça por introduzir o tempo nas equações de produção, propõe a necessidade
de entender diferenças qualitativas nas funções de capital e trabalho, em vez
de ater-se às proporções quantitativas entre um e outro, e termina por afirmar
que, em vez de falar em produção, a teoria econômica deveria referir-se a uma
transformação. Afinal, o processo de produção econômica consiste em tomar
elementos da natureza e transformá-los em mercadorias para o consumo humano,
com um gasto concomitante de energia que se degrada necessariamente e é
irrecuperável.
Segundo Veiga, o
título escolhido pelos organizadores franceses Jacques Grinevald e Ivo Rens
para a coletânea de artigos de Georgescu-Roegen não é o ideal. O termo
“decrescimento” é infiel às ideias do economista romeno. O termo assumiu um
sentido mais político do que propriamente “bioeconômico”, para usar as palavras
do romeno. Georgescu-Roegen, no texto “A Energia e os Mitos Econômicos”,
escreve – com bastante sarcasmo, na avaliação de Veiga – um programa de nove
pontos para chegar a um equilíbrio ambiental e econômico, conforme proposto por
economistas ecológicos com quem ele não concordava inteiramente. Esses pontos
incluíam generalidades como o fim da guerra e a redução da população, além de
propostas como o fim da moeda e a cura da “sede mórbida por engenhocas
extravagantes”.
Veiga aponta os
limites do pensamento de Georgescu-Roegen, a começar pela ideia de
decrescimento, radicalizada por rivais e alunos seus como, respectivamente,
Kenneth Boulding e Herman Daly. “Falar em abrir mão do crescimento pode fazer
muito sentido na Escandinávia, na Áustria e na Suíça, mas a maior parte do
mundo precisa do crescimento econômico, e muito”, afirma.
Paralelamente, o
economista romeno cai em armadilha parecida com a de Thomas Malthus, que
previu, no século XIX, uma crise alimentar como resultado do crescimento
populacional explosivo. “Quando penso no tempo que levaria para que a entropia
nos obrigasse a abdicar do crescimento, concluo que seriam séculos”, diz Veiga.
“Afinal, a eficiência energética da produção está aumentando muito rapidamente.
A intensidade carbono da economia mundial, por exemplo, é muito inferior ao que
era há poucas décadas.”
Veiga evoca os
conceitos de “descolamento relativo” e “descolamento absoluto” para explicar
seu ceticismo com os alarmes de Georgescu-Roegen. Na maior parte do mundo,
incluindo a até recentemente “muito suja” China, a produção dos bens exige cada
vez menos custo energético, mas o consumo do insumo continua a crescer em termos
absolutos porque a economia cresce. No Reino Unido, porém, há indícios de que o
consumo energético esteja caindo absolutamente. “É um indício de que a economia
está se tornando imaterial, e essa tendência tende a se generalizar”, diz.
O evento em homenagem
a Georgescu-Roegen será realizado na FEA-USP, faculdade cujo primeiro programa
de pós-graduação em economia ele ajudou a criar, na década de 1960. O
economista esteve no Brasil graças ao acordo entre o Ministério da Educação e o
Usaid, programa de ajuda econômica do governo dos EUA. Do período passado no
Brasil, Georgescu-Roegen levou diversos alunos para doutoramento nos EUA. Lá, o
então futuro presidente do Branco Central Ibrahim Eris foi um dos poucos alunos
a completar uma tese com o exigente professor. (EcoDebate)
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