Há mais de 10 anos, a Alemanha lançou um audacioso plano de
apoio à expansão da produção e integração das energias renováveis em sua matriz
energética, no qual a eletricidade de origem solar fotovoltaica recebeu atenção
especial. Recentemente, “vítima de seu sucesso” – bastante oneroso, e sofrendo
os impactos da crise econômica mundial e europeia, o país está revendo sua
política energética.
No momento em que o Brasil aguarda a definição dos critérios
para a conexão da micro e minigeração distribuída às redes de distribuição, o
caso alemão de integração de larga escala de energias renováveis merece ser
analisado com atenção sobretudo por duas razões: o êxito da rápida expansão e
integração das fontes renováveis e os problemas que decorreram da falta de
limites do programa. É importante lembrar que a Alemanha possui importante
nível de atividade industrial forte consumidora de eletricidade, e que é o país
que melhor tem enfrentado a crise europeia, apesar de ter os preços de sua
eletricidade elevados.
Em 2000, Alemanha implementou o German Renewable Energy
Sources Act, conhecido como EEG. O plano se baseia na remuneração da
eletricidade gerada a partir de fontes renováveis através do sistema feed-in
tariff com venda garantida durante vinte anos. O nível das tarifas é ajustado
para baixo anualmente e revisto a cada três ou quatro anos para incentivar a
competitividade com outras fontes de geração a longo termo.
Na época em que foi lançado, os custos dos sistemas
fotovoltaicos eram extremamente elevados e por isso o apoio do programa foi
fundamental para viabilizar o desenvolvimento da indústria e a integração da
fonte. Ao mesmo tempo, os custos elevados do apoio ao solar fotovoltaico já
representavam um peso importante para o programa. Os custos do EEG são
financiados por uma taxa cobrada nas tarifas de todos os consumidores de
eletricidade, com exceção de algumas categorias, como os grandes consumidores
industriais.
Nos últimos anos, o programa de compra garantida passou a
representar custos mais elevados do que o previsto e a sobretaxa cobrada para
seu financiamento teve que ser aumentada. Em realidade, a Alemanha não esperava
que fosse haver uma adesão tão expressiva da população. O país ultrapassou
constantemente suas metas de expansão da capacidade instalada de geração solar
fotovoltaica. Diante das altas tarifas remunerando essa fonte de geração, e
face a uma redução radical dos custos dos sistemas fotovoltaicos, milhares de
cidadãos resolveram se tornar produtores de eletricidade e assim aumentar sua
renda, afinal o EEG garantia por lei que a eletricidade seria comprada. O
sucesso foi tamanho que em 2010, o país respondia por 44% da capacidade
instalada global (Grau, 2012). O gráfico abaixo ilustra o rápido avanço do
solar fotovoltaico no mundo e a liderança alemã, superada somente em 2011 pela
China.
A fim de reduzir o impacto financeiro sobre o EEG, o governo
começou a prever uma série de ajustes a partir de 2009. Houve redução do nível
da tarifa e aumento do grau de reajuste negativo do preço da tarifa. Os
esforços, entretanto não foram suficientes, pois a velocidade da queda dos
custos dos sistemas fotovoltaicos foi ainda mais expressiva. Nos últimos cinco
anos a queda foi de 57% (Grau, 2012), como mostra o gráfico abaixo. O número de
microgeradores continuou a aumentar.
Em dezembro de 2011, foi registrado um novo recorde de
instalações de sistemas solares fotovoltaicos totalizando um acréscimo de 7,5
GW somente em 2011 – a EPE (2012) estima que o Brasil possui 20 MW. Em janeiro
deste ano, o governo adotou medidas mais radicais para frear a expansão da
geração de eletricidade de origem solar fotovoltaica: uma redução da tarifa
oferecida, reduções mensais progressivas a uma taxa fixa e um modelo de
integração de mercado. O modelo proposto ainda se encontra em discussão no
parlamento.
Diekmann, Kemfert e Neuhoff (2012), assim como Grau (2012),
se preocupam com a severidade das medidas que o governo pretende adotar. Em
2010, o governo previa uma expansão da capacidade de geração fotovoltaica de 52
GW para 2020. Se a revisão pretendida for adotada com sucesso, a meta prevista
cai para 33 GW, um terço a menos do que o esperado há menos de 2 anos.
Os autores acreditam que o corte na tarifa é muito elevado e
acrescentam que adotar um sistema de redução da remuneração a taxas fixas é
contra a dinâmica do mercado. Afinal, não se pode saber de antemão a que ritmo
a tecnologia continuará a ter seus custos reduzidos ou se tornar efetivamente
competitiva com outras fontes de geração. Ora, os problemas que o governo
enfrenta atualmente são justamente dessa natureza, afinal ele não foi capaz de
prever o ritmo de redução dos custos e ajustar de forma adequada a remuneração
ofertada. As reduções devem portanto seguir a dinâmica de preços do mercado.
Dessa forma, o desafio do governo é encontrar um sistema em
que haja uma penetração de solar fotovoltaico a um ritmo mais lento, que limite
os custos do programa e consequentemente o impacto sobre a tarifa de
eletricidade (Diekmann, Kemfert e Neuhoff, 2012).
Se a preocupação em limitar os custos do EEG é legítima, o
governo deve tomar cuidado para não provocar um brusco desinteresse pela fonte
e afetar negativamente toda a cadeia de produção e implementação que existe
atualmente. Além do reajuste dinâmico de preços, seguindo a queda dos preços da
instalação dos sistemas fotovoltaicos, existem outros instrumento de
incitativos desenvolvidos para que as pessoas não busquem produzir eletricidade
além de suas necessidades de consumo. Uma delas é justamente o sistema de net
metering onde o microgerador que produzir eletricidade excedente é remunerado
“fisicamente”, em KWh, e não financeiramente. Não há interesse em se produzir
além do que se pode consumir. Esse é o modelo previsto pela Resolução Normativa
n° 482, de 17 de abril de 2012, da ANEEL que rege o acesso de micro e
minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica.
É interessante notar que apesar de todo esse esforço e do
avanço da indústria solar fotovoltaica na Alemanha, o país ainda não atingiu a
paridade tarifária (discutida no post anterior sobre o solar fotovoltaico no
Brasil). A Alemanha ainda precisa de subsídios que viabilizem a integração da
fonte na sua matriz.
No caso brasileiro a micro e a minigeração solar
fotovoltaica distribuída já são competitivas em diversas regiões e nesse
momento o mais importante em termos de regulamentação é evitar barreiras
artificiais que impeçam as pessoas de gerarem sua própria eletricidade e se
integrarem à rede distribuição. (ambienteenergia)
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