Apesar dos impactos
socioambientais, empreendedores tem investido em mitigação e no desenvolvimento
das regiões onde são implantadas as usinas.
Se não é possível
evitar os impactos, que, pelo menos, eles sejam mitigados. Nenhuma obra de
infraestrutura tem impacto zero, ainda mais se essa obra for de uma usina
hidrelétrica. Mas se o projeto é essencial e prioritário para o país, existem
maneiras de realizá-lo minimizando seus efeitos negativos para o meio ambiente
e para a sociedade e de forma a levar desenvolvimento para a região onde ficará
localizado, visto que sua construção envolve uma quantidade enorme de recursos,
abre postos de trabalho, promove a capacitação de mão-de-obra, movimentando,
portanto, a economia local.
É de conhecimento
geral que a maior parte dos aproveitamentos hidrelétricos remanescentes está na
região Amazônica. De acordo com dados do Plano Decenal de Energia 2021, os
projetos de UHEs indicados, que ainda não foram leiloados, somam 19.673 MW,
sendo que a maior parte deles encontra-se na região Norte. Isso sem contar com
as usinas que já foram leiloadas e que já estão em construção, como as
hidrelétricas do Rio Madeira - Santo Antônio (RO, 3.150 MW) e Jirau (RO, 3.750
MW) -, Belo Monte (PA, 11.233 MW), Teles Pires (MT, 1.820 MW), Ferreira Gomes
(AP, 252 MW), Colíder (MT, 300 MW) e Santo Antônio do Jari (AP, 373 MW). A
hidrelétrica de Santo Antônio, inclusive, já está em operação. Por ser uma
região sensível, com áreas de preservação ambiental, a construção desses
empreendimentos vem levantando discussões acaloradas sobre sua real necessidade
e os gastos na área socioambiental são cada vez maiores.
O governo não abre
mão de construir hidrelétricas no país, que tem uma energia mais barata do que
a produzida por termelétricas, além de ser uma energia limpa e renovável. Mas,
cada vez mais, esse tipo de empreendimento vem encontrando resistência por
segmentos da sociedade, dificultando a licitação desses projetos. Marcelo
Moraes, presidente do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, avalia que
existem três vetores de dificuldade na construção de uma hidrelétrica na
Amazônia: o ambiental - que é conseguir fazer um empreendimento que conviva bem
com a floresta amazônica -; o social - que é lidar com as comunidades envolvidas,
que são os ribeirinhos, indígenas, quilombolas -; e o político - que envolve as
demandas dos municípios atingidos, com obrigações fora do licenciamento
ambiental, mas que acabam sendo realizadas como escolas, hospitais, estradas,
entre outras.
"Hoje, o governo
está tendo dificuldades no trato com as comunidades indígenas. Recentemente,
eles proibiram os estudos no Tapajós. O governo teve que entrar com proteção da
força nacional para poder fazer os estudos de viabilidade. Então, se percebe
que é algo muito mais ideológico do que socioambiental propriamente dito",
apontou Moraes. Segundo ele, a partir do momento em que se proíbe um técnico de
fazer um estudo para saber se o empreendimento é viável ou não, quer dizer que
não se concorda com o projeto por melhor que ele seja. "Antes de saber
qual o impacto que o projeto vai trazer, já existem movimentos de discordância.
Isso mostra o radicalismo que o Brasil tem enfrentado nos últimos anos",
declarou.
Alexei Vivan,
presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de
Energia Elétrica, acha que seria importante existir por parte dos órgãos
ambientais, do Ministério Público - que muitas vezes consegue na Justiça a
paralisação de obras de usinas -, um consenso em relação a necessidade de investimentos
em geração de energia hidrelétrica. "Somos um país com um potencial de
hidroeletricidade gigantesco, ainda muito por ser explorado, então não se
justifica entraves que muitas vezes são decorrentes de questões ideológicas,
que acaba por obrigar a geração de energia a ser focada em fontes mais
poluidoras como o carvão e outras usinas térmicas", apontou.
De acordo com o
Comitê Brasileiro de Barragens, o Brasil tem o terceiro maior potencial
hidrelétrico do mundo, de cerca de 245 GW, perdendo apenas para a China e
Rússia. Desse potencial, apenas um terço foi aproveitado. "É nosso dever
estimular um amplo debate nacional a respeito da gestão dos recursos hídricos
do país, de modo a evitar um iminente subaproveitamento das potencialidades
hídricas nacionais, principalmente no que se refere à geração de energia
elétrica. O país está deixando de lado seu imenso potencial hídrico, o terceiro
maior do mundo, quando precisa armazenar energia para atender à demanda cada
vez maior", observou Erton Carvalho, presidente do Comitê. Isso porque as
hidrelétricas tem tido imensa dificuldade para conseguir licenciamento
ambiental nos órgãos competentes e, quando conseguem, inúmeras vezes tem suas
obras paralisadas devido a ocupações indígenas e questionamentos do Ministério
Público. A Empresa de Pesquisa Energética está desde o ano passado tentando
licitar a hidrelétrica de São Manoel (MT, 700 MW), mas não consegue obter a
licença prévia do empreendimento nem realizar as audiências públicas
necessárias. A previsão é que a usina seja licitada no leilão A-5 de dezembro
desse ano, mas essas barreiras ainda precisam ser vencidas.
Segundo Carvalho,
desde que os reservatórios ganharam status de "vilão ambiental e
social", eles deixaram de ser considerados no planejamento energético brasileiro.
"As usinas a fio d'água ficam à mercê da vazão dos rios e a estiagem que
se viu no ano passado foi bem preocupante. Já as fontes alternativas - eólica,
solar e biomassa - são complementares e não garantem o abastecimento. Diante
desse cenário, para a geração firme restam apenas as térmicas a carvão, óleo,
gás e nucleares, muito mais caras e poluentes", afirmou. Em contrapartida,
ainda na opinião de Carvalho, os impactos ambientais causados pela construção
de reservatórios de acumulação são, em grande parte, mitigáveis a níveis
toleráveis ou até mesmo reversíveis.
Ele lembra que o
armazenamento de água para geração de energia é apenas uma das finalidades dos
reservatórios de acumulação. Eles ainda garantem o abastecimento de água,
saneamento, irrigação da agricultura, controle de cheias, transportes
hidroviários, piscicultura, turismo e lazer. "A produção de uva na região
do Vale do São Francisco, no sertão pernambucano, só se tornou viável graças a
utilização da água estocada no reservatório de Sobradinho para irrigação da
agricultura local", exemplificou.
Os empreendedores de
novas hidrelétricas vem aportando cada vez mais recursos para mitigar os
impactos provocados pelas usinas, seja na questão ambiental, seja na social. A
Santo Antônio Energia, responsável pela hidrelétrica de Santo Antônio, no rio
Madeira, está investindo R$ 1,6 bilhão em projetos socioambientais. O valor
representa cerca de 10% do orçamento total na hidrelétrica, estimado em R$ 16
bilhões. Carlos Hugo Annes de Araújo, diretor de Sustentabilidade da empresa,
explica que do total do orçamento previsto para a área socioambiental, R$ 620
milhões foram investidos no remanejamento das populações rurais e urbanas.
"Entenda por remanejamento tanto o que pagamos a título de indenização das
propriedades que compramos para a implantação do reservatório quanto a compra
de áreas de preservação permanente ou para a implantação de reassentamento das
famílias que optaram por receber terras ou propriedades ao invés de indenização
em dinheiro", comentou o executivo, acrescentando que com esse
investimento é possível fazer duas boas PCHs.
Além disso, de acordo
com Araújo, a Santo Antônio presta assistência às famílias por até três anos
após a formação do reservatório para acompanhar o desenvolvimento e a
consolidação da atividade econômica dessas famílias. Outro investimento de R$
636 milhões foi destinados a programas socioambientais como, por exemplo,
comunicação social e educação ambiental até programas de resgate de fauna,
limpeza e supressão de vegetação no reservatório. Fizemos ainda estudos da
qualidade da água e do comportamento dos sedimentos no rio Madeira. "No
total, desenvolvemos um conjunto de cerca de 28 grandes programas ambientais,
com base nos estudos ambientais e no Projeto Básico Ambiental", apontou.
Outro bloco de
compensações, ainda de acordo com o diretor da Santo Antônio, são os das
compensações sociais diretas no Estado de Rondônia e nos municípios, que montam
R$ 264 milhões. "Foi feito um estudo muito cuidadoso de atração de população
em função da implantação do empreendimento e como essa atração poderia impactar
o serviço médico da cidade, a educação, a segurança. A partir daí, conversamos
com o estado e com a prefeitura. No município, aumentamos em 6 mil as vagas nas
escolas, além disso, acrescentamos na capacidade de consultas médicas em postos
de saúde cerca de 800 consultas por dia àquelas que já vinham sendo
realizadas", exemplificou.
Na hidrelétrica de
Belo Monte, a maior em construção no país, os investimentos são ainda maiores.
De acordo com João Pimentel, diretor Socioambiental da Norte Energia, o
montante chega a R$ 3,9 bilhões, que representa cerca de 13% do total do
investimento da usina. Segundo ele, apesar do empreendimento não alagar nenhuma
terra indígena, ele será o primeiro projeto de grande porte que tem um Projeto
Básico Ambiental do componente indígena, abrangendo cerca de 36 aldeias de 12
terras indígenas. "Aproximadamente R$ 1 bilhão já foi empenhado em
projetos na região da usina", calculou.
A Norte Energia ainda
faz um estudo permanente de monitoramento de peixes. No projeto da barragem da
usina no sítio Pimental está prevista uma escada de peixes para facilitar a
subida dos peixes no rio na época da Piracema. A hidrelétrica de Santo
Antônio, no Rio Madeira, também contará com um mecanismo de transposição de
peixes. "A vazão da volta grande do Xingu, ao contrário do que
diziam, não vai secar. Ela vai continuar dentro de níveis bastante aceitáveis,
melhorando inclusive os níveis de seca que existem hoje na região. Ela vai ser
controlada mediante vertedouros que vão existir no sítio Pimental",
comentou Pimentel.
Ele disse ainda que a
ideia da empresa é fazer na região de Belo Monte o mesmo que foi feito pela
hidrelétrica de Itaipu no Paraná. Todas as cidades no entorno de Itaipu tinham
um índice de desenvolvimento humano muito baixo. "Hoje, depois de Itaipu
estar lá há alguns anos, todos esses municípios tem um IDH superior a média do
estado do Paraná, que já é bastante alta. No Pará, onde fica Belo Monte, a gente
já pode observar que a construção de postos de saúde, de projetos na área de
educação, reforma de hospitais, construção de estradas, tudo isso deve
contribuir bastante para que aquela região se desenvolva e se torne um local
ainda mais seguro do que é hoje", avaliou o diretor.
Essa melhora na
qualidade de vida da população do entorno das hidrelétricas e dos municípios
vizinhos é reconhecida pela diretora de Infraestrutura Inteligente para a
América Latina da Organização Não Governamental The Nature Conservancy (TNC),
Ana Cristina Barros. Segunda ela, o país precisa de energia e a energia
hidrelétrica tem vantagens em relação a outras formas de geração. No entanto,
ela acredita que os empreendedores ainda tem um caminho a seguir para que os
projetos hidrelétricos sejam melhores. "Tem muitos avanços e ninguém está
falando em reinventar o processo. As empresas estão mais alertas, o governo
está tentando acertar e essa necessidade de conciliar as agendas está presente
na cabeça de todo mundo", apontou.
Ela lembra que a
hierarquia da mitigação tem algumas etapas. Primeiro, é necessário um bom
planejamento para calibrar os seus planos e compatibilizar o interesse de um
obra com as condições do local. Numa segunda etapa, se faz um bom processo de
licenciamento para minimizar ainda mais os impactos ou eventualmente recuperar
alguma coisa que ainda possa ser recuperada. "Resulta daí o impacto
inevitável. E, nessa hierarquia, ele é compensado. Só que a gente tem hoje um
planejamento ainda deficiente. Temos que considerar, por exemplo, que o
planejamento do setor elétrico, é feito com base nos inventários, que só
recentemente começaram a incorporar a variável ambiental e de uma forma muito
incipiente", comentou.
Ana Cristina avalia
que é importante na hora de se avaliar o potencial de geração de energia,
avaliar também o contexto, se tem terra indígena ou se o empreendimento fica em
terra indígena, se tem unidade de conservação, se existem outros usos da água,
entre outros fatores. "Por que falar em hidrelétrica versus hidrovia,
versus projetos de irrigação? Isso tudo poderia estar muito melhor apresentado
nos inventários. Acho que essa parte do planejamento tem que ser
melhorada", observou. Ele avaliou ainda que a empresa de engenharia que é
contratada para fazer o estudo de impacto ambiental não se aprofunda. "Ela
faz o mínimo possível e esse mínimo são milhares de páginas que acabam sem
utilidade. O processo de EIA/Rima precisa ser melhorado com certeza",
defendeu a diretora da TNC.
Além dos
investimentos realizados pelo empreendedor nos locais afetados pela usina, os
municípios e o estado onde ela fica localizada recebem royalties durante toda a
vida útil do empreendimento. A Compensação Financeira pelo Uso dos Recursos
Hídricos (CFURH), em diversos casos, aumenta em muito a receita dos municípios
e até do estado onde a usina fica localizada. De acordo com Marcelo Moraes, do
FMASE, em 2012, só a título de CFURH foram repassados R$ 2,2 bilhões, sendo que
45% vai para os estados atingidos; 45% para os municípios; e 10% para a União
repassar para agências, ministérios e o Ibama.
"O que acontece
é que grande parte desses recursos não são revertidos para as questões
socioambientais, porque os estados e os municípios podem usar esses recursos
como quiserem, exceto para pagamento de dívidas e de pessoal", comentou
Moraes. Para Ana Cristina, da TNC, o planejamento também tem que estar
compatibilizado com o fluxo de recursos que a região terá. "O que adianta
construir uma escola, se não tem professor?", questionou. Para ela, é
importante que se olhe as necessidades de cada localidade e que as ações sejam
feitas de forma responsável, planejada, e que os municípios e estados deem
continuidade ao que foi feito, visando a melhoria da qualidade de vida da
população.
Atualmente, quando se
fala em construção de hidrelétricas no Brasil, pensam-se apenas nos impactos
negativos que a obra pode trazer ao meio ambiente e às comunidades que vivem em
áreas próximas à usina. Mas, não se pode deixar de pensar no outro lado da
hidrelétrica, que traz desenvolvimento para a região, abertura de postos de
trabalho, melhoria da qualidade de vida de pessoas que estão à margem da
sociedade. Qualquer obra causa impacto, a questão é ver se o impacto é
realmente necessário ou se é possível reduzir e o inevitável tem que ser
mitigado. "O setor elétrico é o mais responsável que existe nas questões
socioambientais. Não existe nenhum outro setor na economia brasileira que tenha
tanto respeito, que mitigue os seus impactos e que pague tantas compensações
financeiras como o setor elétrico", apontou Moraes.
Vivan, da ABCE, diz
que a entidade não defende a construção de hidrelétricas a qualquer custo, mas
sim a conscientização da sua necessidade. "Essa é a principal fonte do
país e tem que continuar a ser incentivada e, a partir daí, ter uma agenda
positiva de como se fazer, percebendo os impactos e compensando-os de forma
razoável", ponderou. (canalenergia)
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