Petróleo, aquecimento global e doença holandesa:
os riscos de pré-sal
O petróleo é um
combustível fóssil que foi fundamental para o crescimento econômico e populacional do mundo, nos últimos 200 anos. Porém, não é uma fonte energética
renovável e vai acabar algum dia. As reservas mais lucrativas e mais fáceis de
serem obtidas já foram exploradas e agora se busca campos em águas profundas,
mas de alto custo de extração. Isto coloca um grande risco na operação de
exploração, pois algumas fontes podem não ser lucrativas, além de apresentarem
alto risco de danos para o meio ambiente.
No dia 21 de outubro
de 2013, aconteceu o leilão do Campo de Libra, na Bacia de Campos, sendo o
primeiro do pré-sal no Brasil. Houve apenas uma proposta, a do consórcio
formado entre a Petrobras (40%), a anglo-holandesa Shell e a francesa Total (20
% cada) e as chinesas CNPC e CNOOC (10 % cada). As reservas de petróleo deste
campo estão localizados na Bacia de Santos, no Oceano Atlântico, a 7.000 metros
de profundidade sob a chamada camada pré-sal. Esta é a primeira área do pré-sal
de petróleo e gás leiloada pelo governo brasileiro e a primeira exploração de
hidrocarbonetos a ser realizada nessas profundidades e com as dificuldades
geológicas.
Enquanto as Centrais
Sindicais protestavam contra a “privatização” e a “desnacionalização” do
petróleo, o governo comemorou os investimentos que devem entrar no país e que
podem, na visão oficial, ajudar a equilibrar as finanças da semi-estatal
Petrobras e, ainda, financiar a educação e a saúde. No entanto, um olhar mais
atento revela diversos problemas de rentabilidade econômica e de ameaças
ambientais.
Enquanto os
nacionalistas reclamam, analistas consideram que grandes companhias petroleiras
não participaram do leilão por causa de uma série de fatores de risco, entre os
quais a dificuldade de mineração e dos riscos geológicos e ecológicos. Esta é
uma experiência completamente nova de exploração de petróleo a tais
profundidades que levam a uma série de incertezas e desafios jamais
enfrentados. Há necessidade de aperfeiçoamento dos processos de perfuração, de
canalização do fluxo de óleo e gás, aperfeiçoamento da estrutura das
plataformas, assim como problemas logísticos e de estrutura produtiva de
suporte. Se o custo de produção for muito alto, a lucratividade do país será
baixa ou nula.
Segundo análise do
Greenpeace, o modelo de partilha foi planejado para fortalecer a Petrobras, mas
desde a descoberta do pré-sal, em 2007, parece que o inverso tem acontecido. A
estatal petroleira se endividou ainda mais – um salto de R$ 49 bi para R$ 176 –
e seu valor de mercado despencou 34%. Além disso, os cofres da Petrobras vem
sendo penalizados com o congelamento dos preços da gasolina para controlar a
inflação no país e para incentivar o crescimento da frota automotiva. Também o
etanol já teve sua produção impactada nos últimos anos e tem se tornado
progressivamente menos competitivo nos postos de abastecimento em relação a
gasolina. Para Ricardo Baitelo: “Estamos hipotecando 70% de todo o nosso
investimento na área de energia em um único nicho que, se malograr, prejudicará
toda a capacidade produtiva do país, com graves consequências”.
Além disto, há
precedentes perigosos como o acidente da Deepwater Horizon, da empresa
britânica BP, que operava a 2.000 metros de profundidade no Golfo do México, mas
explodiu e causou despejo de centenas de milhares de barris de petróleo que
causam a maior poluição na história americana, embora antes do acidente, tudo
parecia sob controle e a exploração confiável.
Todos estes dados
mostram que a exploração do pré-sal não é uma operação com retornos garantidos.
O fracasso da empresa OGX do ex-bilionário Eike Batista (que foi considerado o
homem mais rico do Brasil e o sétimo na lista mundial de bilionários da revista
Forbes) assustou os investidores internacionais e indignou os acionistas
brasileiros. A dívida acumulada da OGX foi estimada em mais de 5 bilhões de
dólares e o valor das ações da empresa caiu para a bagatela de sete centavos.
Além da má gestão, pesou o fato de a extração dos depósitos terem sido demasiado
otimistas e as dificuldades técnicas de extração terem sido subestimadas. A
bancarrota da OGX de Eike Batista deveria servir de alerta para a Petrobras e o
Brasil.
Há outros fatores
complexos. O prêmio Nobel e ex-presidente dos EUA, Al Gore, tem alertado sobre
as dificuldades de exploração dos combustíveis fósseis “não convencionais” e
sobre a bolha especulativa que se forma em torno exageradas previsões de
rendimentos do gás de xisto e do petróleo de águas profundas. O processo de
superestimar o volume de reservas de hidrocarbonetos não convencionais decorre
da necessidade dos investidores e especuladores financeiros para encontrar
empresas onde investir seus capitais, o que pode repetir a situação da crise
hipotecária americana, causada pela bolha imobiliária de 2007.
Mesmo que a
exploração do pré-sal dê certo, o Brasil se torne um dos maiores exportadores
do mundo de óleo bruto (atrás somente de Arábia Saudita, Rússia e Irã) e o país
possa transformar o atual déficit energético em superávit, aumenta o risco da
chamada “doença holandesa” ou a “maldição dos recursos naturais”. O Brasil pode
voltar aos tempos da República Velha (1891-1930) com o seu modelo
primário-exportador, mas em vez de depender do café, o país será fornecedor de
soja, algodão, minério de ferro e petróleo, enquanto vai importar produtos
manufaturados da China e dos Tigres Asiáticos. O pré-sal, portanto, pode levar
a uma maior concentração da pauta de exportação do país em commodities, sem ser
capaz de influenciar a base produtiva da indústria nacional e sem promover o
avanço das ocupações mais qualificadas.
A situação econômica
brasileira não é boa. Estudo do Wells Fargo Securities, de 2013, aponta o
Brasil como o quinto país em desenvolvimento, entre 28 economias pesquisadas,
mais vulnerável a uma crise financeira, estando na frente deste ranking somente
da Colômbia, Argentina, Indonésia e Turquia. Pelo sistema da Wells Fargo, cinco
variáveis econômicas estão associadas com crises financeiras: o nível de
reservas internacionais na sua comparação com o Produto Interno Bruto (PIB)
nominal; a valorização da taxa real de câmbio; o crescimento do crédito ao
setor privado em sua porcentagem do PIB; o avanço do PIB propriamente dito; e o
nível do déficit em transações correntes.
Segundo o estudo, o Brasil
é vulnerável por ter registrado, nos últimos anos, crescimento rápido do
crédito ao setor privado (geralmente vem acompanhado de relaxamento dos
parâmetros prudenciais de empréstimos), além do aumento do déficit das contas
externas. A redução do ritmo de crescimento da economia internacional e a
mudança na política monetária dos EUA pode agravar a situação financeira
brasileira e não há rendimento do pré-sal capaz de reverter esta situação.
Em vez de investir em
energia eólica e solar e desenvolver a base produtiva nacional, os
investimentos no pré-sal para explorar 80 bilhões de barris de petróleo vão
gerar – pela queima de todo o óleo – cerca de 35 bilhões de toneladas de CO2
durante um prazo de 40 anos, mantendo o Brasil entre os dez maiores emissores
mundiais, agravando o processo de aquecimento global e contribuindo para
fenômenos extremos como o supertufão Haiyan, que devastou as Filipinas. Como
disse o Greenpeace, “Para que o país consiga cumprir suas metas nacionais da
Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) e os objetivos de mitigação das
mudanças climáticas, o petróleo do pré-sal deveria permanecer intocado”.
(ecodebate)
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