País com dimensões
continentais e capacidade elétrica instalada interna (excluída a exportação) de
117.474 megawatts (MW), o Brasil vem enfrentando, nos últimos meses, sérios
problemas em seu setor energético em virtude de fatores de diversas naturezas.
Com uma matriz elétrica
eminentemente hídrica (74,7%, segundo dados da Agência Nacional de Energia
Elétrica - Aneel), nosso país está com os reservatórios das usinas
hidrelétricas seriamente comprometidos por causa da escassez de chuvas dos
últimos meses. No último dia 21 de outubro, por exemplo, reservatórios das
usinas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, fundamentais para o país, atingiram
o mais baixo nível desde o fatídico ano do apagão/racionamento de energia
(2001), na ordem de 20,93%, de acordo com o Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS). No dia 21 de outubro de 2001, o volume do limite máximo era
levemente superior - 21,39%.
A grande preocupação de
todos é que o prognóstico para as próximas semanas está longe de ser animador,
pois há possibilidade de os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste
atingirem percentuais ainda mais baixos, de 19,9%, o que se configuraria como o
mais baixo desde o ano de 2000. A situação também é preocupante na Região
Nordeste, na qual os reservatórios chegaram a operar, na segunda quinzena de
outubro, em níveis entre 17,5% e 23,7%. Diante de tais problemas, qual a
solução para que não haja um desabastecimento energético no país?
Acionamento de térmicas
Antes do apagão de
2001, a matriz elétrica brasileira era praticamente formada pela fonte
hidrelétrica, que possui diversas vantagens como operação em longuíssimo prazo
(uma usina chega a funcionar por 80 a 100 anos), baixíssima emissão de gases de
efeito estufa e uso de recurso renovável - desde que ocorram chuvas com
regularidade. Contudo, desde então, em virtude de limitações regulatórias,
ambientais e financeiras e da necessidade de atender ao aumento da demanda com
o crescimento da população, o Brasil tem passado por uma transição
hidrotérmica.
“A expansão de um
sistema elétrico interligado de grande porte, com significativa predominância
de fonte primária renovável hídrica passa a requerer uma crescente contribuição
térmica, seja por paulatino esgotamento do potencial econômica e ambientalmente
viável dessa fonte e/ou por perda de sua capacidade de autorregulação
decorrente da diminuição da capacidade de armazenagem de água nos reservatórios
em relação ao crescimento da carga do sistema”. Esse é o conceito de transição
hidrotérmica nas palavras do diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da
Eletrobras Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães.
A construção de várias
usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis a partir de 2001 serviu para dar
ao Brasil segurança energética, mas não se pode esquecer que elas são mais
caras (na operação em si) e que emitem gases poluentes e que causam aquecimento
global. Por tudo isso, o “papel inicial” dessas plantas era compor a reserva de
um sistema elétrico brasileiro seguro, sendo chamadas de usinas de geração por
disponibilidade.
Mas a situação ocorrida
nos últimos meses demonstra que o país está distante desse planejamento
inicial. Com a hidrologia desfavorável, as usinas termelétricas são acionadas
praticamente o tempo inteiro a plena carga, apesar de não terem sido projetas
para entregar o volume de energia demandado, de acordo com vários especialistas
do setor elétrico.
Essas limitações
técnicas são medidas em números: em 20 de outubro último, o ONS esperava ter à
disposição 22,1 mil megawatts (MW) de energia de fonte térmica para distribuir
para todo o país, mas ficou com 5.636 MW a menos por causa da necessidade de
manutenção, troca de máquinas e peças e outras restrições operacionais. Em um
ano e meio, a média de corte diário atinge 25% da oferta de geração térmica,
quantitativo que seria capaz de suprir diariamente cerca de 90 milhões de
pessoas.
Além dos problemas
relatados, há questões de ordem financeira que precisam ser equacionados, como
em Manaus e municípios próximos, por exemplo. Naquela região existe um impasse
entre empresas das duas principais instituições estatais do Brasil: Petrobras e
Eletrobras. A eletricidade da área é produzida por meio de usinas térmicas
movidas a gás natural, insumo fornecido pela BR Distribuidora, braço da
Petrobras. Como a Amazonas Energia, subsidiária da Eletrobras em Manaus e
adjacências, possui uma dívida em torno de R$ 3 bilhões com a fornecedora de
gás, parte do Amazonas poderá ficar sem energia elétrica em algum momento. Esse
impasse precisa terminar!
Cenários para 2015
No entendimento do
diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires (Valor
Econômico - 23/10), “o setor de
energia elétrica encontra-se numa crise sem precedentes e a solução para que
voltemos aos trilhos exigirá medidas muito duras no curto prazo e muito
planejamento, gestão e regulação a médio e longo prazos”.
No ano que vem, teremos
um cenário que irá ser desenhado conforme a intensidade das chuvas. Em uma
perspectiva otimista, o abastecimento será garantido, mas haverá a necessidade
de utilização de usinas térmicas para que os reservatórios das hidrelétricas
fiquem em níveis confortáveis, mantendo o preço elevado da energia (em torno de
R$ 500/MWh). Já sem muitas precipitações, a população terá que ser submetida a
um racionamento em abril ou maio.
Para Pires, no cenário
mais chuvoso, o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) terá que ser fixado em
um patamar inferior ao atual (R$ 822/MWh) para que os problemas sejam
minimizados. Todavia, qualquer alteração no PLD de forma arbitrária e unilateral
aumenta o risco regulatório e a insegurança jurídica. No caso de um
racionamento elétrico, continuarão ocorrendo perdas volumosas de recursos
financeiros.
Por isso,
independentemente da situação que preponderar, o diretor do CBIE acredita que a
melhor solução seria criar uma espécie de Comitê de Gestão de Crise. “O
racionamento de 2015 já deveria ter sido feito em 2014 e só não aconteceu pelo fato
de a política do setor estar atrelada ao calendário eleitoral”, enfatiza,
completando que o calendário eleitoral fez o governo errar na forma em que
publicou a Medida Provisória (MP) 579 (convertida na Lei nº 12.783/2013) e que
administrou os reservatórios das usinas hidrelétricas. O especialista ainda
defende uma política de transição no setor elétrico até 2018, com papel de
destaque para o gás natural.
Diminuir a fragilidade
do sistema elétrico e o custo elevado ao Tesouro Nacional e aos consumidores;
alterar a Lei nº 12.783/2013 (que prorrogou a concessão de 39 distribuidores de
energia elétrica); alinhar a política energética às industrial e ambiental;
focar no uso eficiente de energia; modernizar a política tributária do setor
elétrico; abandonar o intervencionismo exagerado, dando mais autonomia e
independência para as agências reguladoras; resolver os atrasos nas obras ou
até mesmo simples desistências de projetos; corrigir modelos de previsão
(indicam a capacidade de produção das usinas em funcionamento e a capacidade
adicional necessária para atender a demanda estimada); e acabar com a política
governamental de tentar impor modicidade tarifária a qualquer custo. Essas
mudanças são necessárias para que não se repitam os erros dos últimos anos. (aben)
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