sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Caos no setor elétrico brasileiro

País com dimensões continentais e capacidade elétrica instalada interna (excluída a exportação) de 117.474 megawatts (MW), o Brasil vem enfrentando, nos últimos meses, sérios problemas em seu setor energético em virtude de fatores de diversas naturezas.
Com uma matriz elétrica eminentemente hídrica (74,7%, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel), nosso país está com os reservatórios das usinas hidrelétricas seriamente comprometidos por causa da escassez de chuvas dos últimos meses. No último dia 21 de outubro, por exemplo, reservatórios das usinas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, fundamentais para o país, atingiram o mais baixo nível desde o fatídico ano do apagão/racionamento de energia (2001), na ordem de 20,93%, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). No dia 21 de outubro de 2001, o volume do limite máximo era levemente superior - 21,39%.
A grande preocupação de todos é que o prognóstico para as próximas semanas está longe de ser animador, pois há possibilidade de os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste atingirem percentuais ainda mais baixos, de 19,9%, o que se configuraria como o mais baixo desde o ano de 2000. A situação também é preocupante na Região Nordeste, na qual os reservatórios chegaram a operar, na segunda quinzena de outubro, em níveis entre 17,5% e 23,7%. Diante de tais problemas, qual a solução para que não haja um desabastecimento energético no país?
Acionamento de térmicas
Antes do apagão de 2001, a matriz elétrica brasileira era praticamente formada pela fonte hidrelétrica, que possui diversas vantagens como operação em longuíssimo prazo (uma usina chega a funcionar por 80 a 100 anos), baixíssima emissão de gases de efeito estufa e uso de recurso renovável - desde que ocorram chuvas com regularidade. Contudo, desde então, em virtude de limitações regulatórias, ambientais e financeiras e da necessidade de atender ao aumento da demanda com o crescimento da população, o Brasil tem passado por uma transição hidrotérmica.
“A expansão de um sistema elétrico interligado de grande porte, com significativa predominância de fonte primária renovável hídrica passa a requerer uma crescente contribuição térmica, seja por paulatino esgotamento do potencial econômica e ambientalmente viável dessa fonte e/ou por perda de sua capacidade de autorregulação decorrente da diminuição da capacidade de armazenagem de água nos reservatórios em relação ao crescimento da carga do sistema”. Esse é o conceito de transição hidrotérmica nas palavras do diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletrobras Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães.
A construção de várias usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis a partir de 2001 serviu para dar ao Brasil segurança energética, mas não se pode esquecer que elas são mais caras (na operação em si) e que emitem gases poluentes e que causam aquecimento global. Por tudo isso, o “papel inicial” dessas plantas era compor a reserva de um sistema elétrico brasileiro seguro, sendo chamadas de usinas de geração por disponibilidade.
Mas a situação ocorrida nos últimos meses demonstra que o país está distante desse planejamento inicial. Com a hidrologia desfavorável, as usinas termelétricas são acionadas praticamente o tempo inteiro a plena carga, apesar de não terem sido projetas para entregar o volume de energia demandado, de acordo com vários especialistas do setor elétrico.
Essas limitações técnicas são medidas em números: em 20 de outubro último, o ONS esperava ter à disposição 22,1 mil megawatts (MW) de energia de fonte térmica para distribuir para todo o país, mas ficou com 5.636 MW a menos por causa da necessidade de manutenção, troca de máquinas e peças e outras restrições operacionais. Em um ano e meio, a média de corte diário atinge 25% da oferta de geração térmica, quantitativo que seria capaz de suprir diariamente cerca de 90 milhões de pessoas.
Além dos problemas relatados, há questões de ordem financeira que precisam ser equacionados, como em Manaus e municípios próximos, por exemplo. Naquela região existe um impasse entre empresas das duas principais instituições estatais do Brasil: Petrobras e Eletrobras. A eletricidade da área é produzida por meio de usinas térmicas movidas a gás natural, insumo fornecido pela BR Distribuidora, braço da Petrobras. Como a Amazonas Energia, subsidiária da Eletrobras em Manaus e adjacências, possui uma dívida em torno de R$ 3 bilhões com a fornecedora de gás, parte do Amazonas poderá ficar sem energia elétrica em algum momento. Esse impasse precisa terminar!
Cenários para 2015
No entendimento do diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), Adriano Pires (Valor Econômico -  23/10), “o setor de energia elétrica encontra-se numa crise sem precedentes e a solução para que voltemos aos trilhos exigirá medidas muito duras no curto prazo e muito planejamento, gestão e regulação a médio e longo prazos”.
No ano que vem, teremos um cenário que irá ser desenhado conforme a intensidade das chuvas. Em uma perspectiva otimista, o abastecimento será garantido, mas haverá a necessidade de utilização de usinas térmicas para que os reservatórios das hidrelétricas fiquem em níveis confortáveis, mantendo o preço elevado da energia (em torno de R$ 500/MWh). Já sem muitas precipitações, a população terá que ser submetida a um racionamento em abril ou maio.
Para Pires, no cenário mais chuvoso, o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) terá que ser fixado em um patamar inferior ao atual (R$ 822/MWh) para que os problemas sejam minimizados. Todavia, qualquer alteração no PLD de forma arbitrária e unilateral aumenta o risco regulatório e a insegurança jurídica. No caso de um racionamento elétrico, continuarão ocorrendo perdas volumosas de recursos financeiros.
Por isso, independentemente da situação que preponderar, o diretor do CBIE acredita que a melhor solução seria criar uma espécie de Comitê de Gestão de Crise. “O racionamento de 2015 já deveria ter sido feito em 2014 e só não aconteceu pelo fato de a política do setor estar atrelada ao calendário eleitoral”, enfatiza, completando que o calendário eleitoral fez o governo errar na forma em que publicou a Medida Provisória (MP) 579 (convertida na Lei nº 12.783/2013) e que administrou os reservatórios das usinas hidrelétricas. O especialista ainda defende uma política de transição no setor elétrico até 2018, com papel de destaque para o gás natural.
Diminuir a fragilidade do sistema elétrico e o custo elevado ao Tesouro Nacional e aos consumidores; alterar a Lei nº 12.783/2013 (que prorrogou a concessão de 39 distribuidores de energia elétrica); alinhar a política energética às industrial e ambiental; focar no uso eficiente de energia; modernizar a política tributária do setor elétrico; abandonar o intervencionismo exagerado, dando mais autonomia e independência para as agências reguladoras; resolver os atrasos nas obras ou até mesmo simples desistências de projetos; corrigir modelos de previsão (indicam a capacidade de produção das usinas em funcionamento e a capacidade adicional necessária para atender a demanda estimada); e acabar com a política governamental de tentar impor modicidade tarifária a qualquer custo. Essas mudanças são necessárias para que não se repitam os erros dos últimos anos. (aben)

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