terça-feira, 4 de novembro de 2014

Estiagem no Rio Grande prejudica geração de energia

Bacia tem ao todo 71 hidrelétricas, entre elas usinas importantes como a de Furnas, cujos níveis das barragens não param de cair.
Para mostrar o movimento em seu restaurante, às margens do lago de Furnas, em Minas Gerais, Antônio Carlos da Costa, o Morcegão, exibe uma foto ampliada, pendurada na parede ao lado do caixa. Na imagem - uma vista aérea do local feita em 2011 -, há várias lanchas e barcos, de diferentes tamanhos, ancorados rente ao parapeito do restaurante, disputando espaço nos dois píeres flutuantes do estabelecimento. A água é farte e alta.
“Este é o meu movimento”, diz batendo com um remo no quadro. “Caiu 70%, o que me salva é essa obra aí na frente.” Na sua porta, começa o bloqueio de carros para a pista única no trecho da MG-50, que está sendo duplicada. Nos fundos, o lago de Furnas recuou tanto que Morcegão já retirou um dos píeres da foto. Nas margens há terra, pedras, lama. Se em 15 dias não chover, ele vai tirar o outro. “Custa mais de R$ 50 mil e não vou deixar estragar."
Lago do complexo de Furnas com pouca água em Capitólio, Minas Gerais.
Ele e a mulher, Márcia Maria Motta, estão nessa mesma margem desde 1988. “Me lembro de ter visto o lago assim apenas duas vezes”, diz Morcegão. “A primeira, eu nem lembro o ano porque faz tempo, mas a última vez foi entre 2000 e 2001, antes do racionamento.” 
Esse cenário que atrapalha o lazer é, acima de tudo, um grande sinal de alerta para o abastecimento energético do País. Se para os turistas a represa de Furnas é o mar de Minas, para os especialistas do setor elétrico ela faz parte de uma sequência de usinas que constituem a caixa d’água do Brasil.
Simbolismo
Furnas é uma barragem emblemática. Foi a primeira grande obra de engenharia do setor elétrico brasileiro e deu nome à estatal responsável por construí-la. Ela é a primeira grande hidrelétrica que represa as águas da Bacia do Rio Grande, um dos mais importantes eixos hídricos do Brasil. O Rio Grande nasce na Serra da Mantiqueira, em Minas, corre para o interior fazendo uma divisa natural entre Minas Gerais e São Paulo. Ao se encontrar com o Rio Paranaíba, passa a se chamar Rio Paraná. Com várias corredeiras e trechos inclinados, a bacia tem 71 hidrelétricas, 16 delas grandes usinas. O complexo é um dos pilares do abastecimento do Brasil: responde sozinho por quase 9% de toda a geração de energia elétrica do País. 
Praticamente todas as usinas ali instaladas já sentem a estiagem. A pequena hidrelétrica de Camargos, operada no município de Itutinga, em Minas Gerais, já vinha reduzindo a produção desde o início do ano e a previsão é que seja desligada nesta semana. Em Furnas, a régua de medição que fica pouco antes da casa de força dá conta que a represa caiu 14 metros. Hoje, a usina tem 13,5% do volume normal de água para gerar energia. 
Por causa da estiagem, as margens do lago de Furnas recuaram de 70 a 80 metros, em alguns trechos até 100 metros. A baixa da água produz nas margens cenas que não ficam bonitas em nenhum cartão-postal. Em vários pontos, emergem bancos de areia, paredões de pedras áridos, árvores mortas antes submersas. Há caminhões-pipa recolhendo a água para encher piscinas de hotéis e de condomínios fechados. Nas casas mais elegantes, lanchas e iates foram recolhidos e o que se vê são píeres aterrados em áreas já totalmente secas.
“E não tenha dúvida de que vai secar mais ainda”, diz Donizette Antônio da Silva, 50 anos, construtor que ergueu várias casas de alto padrão no entorno do lago. “Trabalho há 30 anos nessas beiradas e poucas vezes vi a água baixando tão depressa: esse canal que estamos vendo aqui vai secar totalmente em 30 dias”, diz, apontando um braço do lago que está à míngua. 
Apesar de o lago estar secando, Furnas libera enorme quantidade de água para garantir a operação das usinas rio abaixo. Mas todas elas - Peixoto, Estreito, Jaguara, Igarapava, Marimbondo e Água Vermelha - também perdem volume. Marimbondo, por exemplo, está a quatro metros de atingir o nível zero.
Na avaliação de João Carlos Mello, presidente da Thymos, consultoria especializada em energia elétrica, a situação exige cautela. “Nas atuais condições - e não há indicação que ela vai se alterar - podemos dizer que estamos à beira de um colapso”, diz Mello. “Talvez fosse a hora de refletir e incentivar o uso mais racional da energia.” Caso contrário, o que restará é a opção apresentada por Márcia, mulher de Morcegão, que vê o lago de Furnas cair: “Nos resta deitar os joelhos e pedir por ele”. (OESP)

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