Bacia tem ao todo 71 hidrelétricas,
entre elas usinas importantes como a de Furnas, cujos níveis das barragens não
param de cair.
Para mostrar o movimento em seu
restaurante, às margens do lago de Furnas, em Minas Gerais, Antônio Carlos da
Costa, o Morcegão, exibe uma foto ampliada, pendurada na parede ao lado do
caixa. Na imagem - uma vista aérea do local feita em 2011 -, há várias lanchas
e barcos, de diferentes tamanhos, ancorados rente ao parapeito do restaurante,
disputando espaço nos dois píeres flutuantes do estabelecimento. A água é farte
e alta.
“Este é o meu movimento”, diz
batendo com um remo no quadro. “Caiu 70%, o que me salva é essa obra aí na
frente.” Na sua porta, começa o bloqueio de carros para a pista única no trecho
da MG-50, que está sendo duplicada. Nos fundos, o lago de Furnas recuou tanto
que Morcegão já retirou um dos píeres da foto. Nas margens há terra, pedras,
lama. Se em 15 dias não chover, ele vai tirar o outro. “Custa mais de R$ 50 mil
e não vou deixar estragar."
Lago do complexo de Furnas com
pouca água em Capitólio, Minas Gerais.
Ele e a mulher, Márcia Maria Motta,
estão nessa mesma margem desde 1988. “Me lembro de ter visto o lago assim
apenas duas vezes”, diz Morcegão. “A primeira, eu nem lembro o ano porque faz
tempo, mas a última vez foi entre 2000 e 2001, antes do racionamento.”
Esse cenário que atrapalha o lazer
é, acima de tudo, um grande sinal de alerta para o abastecimento energético do
País. Se para os turistas a represa de Furnas é o mar de Minas, para os
especialistas do setor elétrico ela faz parte de uma sequência de usinas que
constituem a caixa d’água do Brasil.
Simbolismo
Furnas é uma barragem emblemática.
Foi a primeira grande obra de engenharia do setor elétrico brasileiro e deu
nome à estatal responsável por construí-la. Ela é a primeira grande
hidrelétrica que represa as águas da Bacia do Rio Grande, um dos mais
importantes eixos hídricos do Brasil. O Rio Grande nasce na Serra da
Mantiqueira, em Minas, corre para o interior fazendo uma divisa natural entre
Minas Gerais e São Paulo. Ao se encontrar com o Rio Paranaíba, passa a se
chamar Rio Paraná. Com várias corredeiras e trechos inclinados, a bacia tem 71
hidrelétricas, 16 delas grandes usinas. O complexo é um dos pilares do
abastecimento do Brasil: responde sozinho por quase 9% de toda a geração de
energia elétrica do País.
Praticamente todas as usinas ali
instaladas já sentem a estiagem. A pequena hidrelétrica de Camargos, operada no
município de Itutinga, em Minas Gerais, já vinha reduzindo a produção desde o
início do ano e a previsão é que seja desligada nesta semana. Em Furnas, a
régua de medição que fica pouco antes da casa de força dá conta que a represa
caiu 14 metros. Hoje, a usina tem 13,5% do volume normal de água para gerar
energia.
Por causa da estiagem, as margens
do lago de Furnas recuaram de 70 a 80 metros, em alguns trechos até 100 metros.
A baixa da água produz nas margens cenas que não ficam bonitas em nenhum
cartão-postal. Em vários pontos, emergem bancos de areia, paredões de pedras
áridos, árvores mortas antes submersas. Há caminhões-pipa recolhendo a água
para encher piscinas de hotéis e de condomínios fechados. Nas casas mais
elegantes, lanchas e iates foram recolhidos e o que se vê são píeres aterrados
em áreas já totalmente secas.
“E não tenha dúvida de que vai
secar mais ainda”, diz Donizette Antônio da Silva, 50 anos, construtor que
ergueu várias casas de alto padrão no entorno do lago. “Trabalho há 30 anos
nessas beiradas e poucas vezes vi a água baixando tão depressa: esse canal que
estamos vendo aqui vai secar totalmente em 30 dias”, diz, apontando um braço do
lago que está à míngua.
Apesar de o lago estar secando,
Furnas libera enorme quantidade de água para garantir a operação das usinas rio
abaixo. Mas todas elas - Peixoto, Estreito, Jaguara, Igarapava, Marimbondo e
Água Vermelha - também perdem volume. Marimbondo, por exemplo, está a quatro metros
de atingir o nível zero.
Na avaliação de João Carlos Mello,
presidente da Thymos, consultoria especializada em energia elétrica, a situação
exige cautela. “Nas atuais condições - e não há indicação que ela vai se
alterar - podemos dizer que estamos à beira de um colapso”, diz Mello. “Talvez
fosse a hora de refletir e incentivar o uso mais racional da energia.” Caso
contrário, o que restará é a opção apresentada por Márcia, mulher de Morcegão,
que vê o lago de Furnas cair: “Nos resta deitar os joelhos e pedir por ele”.
(OESP)
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