Mundo deverá quadruplicar
energias renováveis até 2050 para conter mudanças climáticas
No capítulo final de uma pesquisa
iniciada 13 meses atrás, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC) desfilou uma saraivada de números que refletem o caótico aquecimento
global. Segundo o estudo, divulgado ontem em Copenhague, a temperatura média na
superfície da Terra aumentou 0,85°C entre 1880 e 2012. A concentração de
gases-estufa na atmosfera é a maior dos últimos 800 mil anos. As ondas de calor
vão se tornar cada vez mais intensas e comuns, especialmente no Hemisfério
Norte.
Se o mundo quiser evitar que as
mudanças climáticas se tornem irreversíveis, o uso de combustíveis fósseis — o
principal motor da economia mundial — deve ser zerado em 2100. Para isso, os países
precisam quadruplicar o uso de energias renováveis até 2050. Ignorar este
ultimato provocará danos "graves, generalizados e irreversíveis".
Atualmente, os governos gastam
cerca de US$ 600 bilhões por ano no subsídio ao consumo de carvão. Ao mesmo tempo,
menos de US$ 400 bilhões são investidos por ano no mundo em políticas de
redução de emissões ou em outra forma de enfrentar as mudanças climáticas.
Segundo o "New York Times", esta quantia é menor do que a receita de
apenas uma petrolífera americana.
De acordo com o presidente do
IPCC, Rajendra Pachauri, os projetos de mitigação contra as mudanças climáticas
custariam cerca de 0,06% do PIB mundial por ano até o fim do século. Estima-se
que, no mesmo período, a economia internacional crescerá 300%.
— O custo da inércia será
horrivelmente maior — assegura Rachauri. — Temos pouco tempo pela frente antes
que passe a janela de oportunidade para o aumento de temperatura permanecer
abaixo de 2°C. Manter o atual modelo de crescimento não é uma opção para nós.
Golpe na economia
Co-presidente de um dos três
grupos de trabalho do IPCC, Youba Sokona ressalta que há, no mínimo, 66% de
chances de a temperatura global aumentar mais de 2°C até 2100, caso a queima de
combustíveis fósseis continue no ritmo atual.
— A transição para uma economia
com baixo teor de carbono é tecnicamente viável — destaca. — Mas faltam
políticas e instituições apropriadas. Quanto mais esperarmos para agir, maior
será o custo para mitigação e adaptação.
A liberação de gases-estufa segue
em escalada nas últimas décadas. Cerca de metade das emissões de CO2
da era industrial ocorreu nos últimos 40 anos. Com isso, o cenário mais
provável é que a temperatura média global ultrapasse os 4 graus Celsius até
2100. Atingir esta marca significa "dificultar a redução da pobreza (...)
e corroer a segurança alimentar", diz o estudo.
Entre 1901 e 2010, o nível do mar
aumentou 0,19 centímetros — um valor maior do que nos 2 mil anos anteriores. Se
os termômetros continuarem crescendo, em 2050 o gelo do Oceano Ártico terá
praticamente desaparecido nos meses de setembro. Até o fim do século, o nível
do mar pode aumentar 82 centímetros. Há previsões de grandes enchentes e
desaparecimento de países insulares e cidades costeiras.
A mudança do regime de chuvas, a
absorção de gases-estufa pelo oceano e o derretimento de geleiras vão afetar a
disponibilidade de alimentos para as espécies marinhas. Sua migração também
prejudicará a indústria pesqueira.
O calor também afetará o
rendimento de safras de trigo, arroz, milho e soja. Estes recursos são a base
da economia de países em desenvolvimento. Suas populações, as mais atingidas
por eventos extremos, devem migrar para outras regiões. A chegada dos
refugiados climáticos aumentará a desigualdade social e a possibilidade de
conflitos violentos.
Esta descrição foi atenuada na
redação final do relatório. O documento original, editado durante a semana,
afirmava que a migração em massa de populações provocaria conflitos violentos
"na forma de guerra civil".
Segundo o Banco Mundial, a
comunidade internacional precisará investir entre US$ 1 trilhão e US$ 1,5
trilhão por ano para ajustar sua infraestrutura ao perigo representado pelas
mudanças climáticas.
— O impacto das mudanças
climáticas será muito diferente em cada país. Por isso é tão difícil estimá-lo
— admite a economista Stéphane Hallegatte, coautora do relatório do IPCC. —
Eles precisam de dinheiro para desenvolver a tecnologia ecológica, defesa
costeira, planos de mitigação e adaptação e gestão de risco de desastres.
Pachauri lembra que as nações
mais vulneráveis contribuem pouco para as emissões de gases-estufa. Por isso,
atacar o problema torna-se responsabilidade de todos os governos:
— Enfrentar o aquecimento global
não será possível se cada agente pensar apenas em seu plano. Precisamos de
cooperação entre os países para alcançar nossos objetivos.
Falta de acordo global
O relatório do IPCC, que está em
sua quinta edição, deve servir como base para as discussões da Conferência do
Clima de Lima, em dezembro deste ano. As esperanças, porém, estão concentradas
na edição do ano que vem do encontro, em Paris. Espera-se que este fórum
resulte em um acordo global contra as mudanças climáticas. Havia a mesma
expectativa em Copenhague, em 2009, quando o debate foi pautado pelo quarto
documento do IPCC.
— Tivemos uma conversa extensa há
cinco anos, mas, olhando para trás, talvez os líderes mundiais não estivessem
tão preparados para discutir o clima — admite o secretário-geral da ONU, Ban
ki-Moon. — Eles precisam agir. O tempo não está ao nosso lado.
Não é tão simples assim. O
combate às mudanças climáticas é marcado por desentendimentos. Países em
desenvolvimento se recusam a aceitar metas para reduzir emissões de CO2
— exigência imposta pelas nações desenvolvidas.
Em setembro, Ban ki-Moon
organizou uma Cúpula do Clima na ONU, em uma tentativa de antecipar as
discussões previstas para os fóruns ambientais. No encontro foi apresentada a
Declaração de Nova York, um documento que propunha a redução pela metade do
corte de florestas até 2020 e zerá-lo na década seguinte. Com esta medida,
entre 4,5 bilhões e 8,8 bilhões de toneladas de CO2 deixariam de ser
liberadas para a atmosfera — o equivalente à remoção de um bilhão de carros das
ruas até 2030. Brasil, Índia e China, que estão entre os maiores desmatadores
do mundo, recusaram-se a assinar o acordo.
A China, maior poluidora do
planeta, comprometeu-se apenas a divulgar quando atingirá o pico de suas
emissões — o que deve ocorrer antes de 2030. Os EUA limitam-se a cobrar
projetos da potência asiática. A União Europeia e o Brasil estabeleceram metas
voluntárias — ou seja, sem valor legal. A Índia, que será a nação mais populosa
do mundo daqui a menos de 20 anos, luta para ser definida como país em
desenvolvimento, um sinal de que não pretende assumir objetivos.
Discussões madrugada adentro
Pachauri, porém, acredita que o
novo relatório pode virar o jogo. De acordo com ele, o documento apresentado
ontem é "o mais forte e robusto" já produzido pelo IPCC. Para
especialistas, o maior objetivo foi cumprido: enfatizar como a ação humana
interfere na temperatura do planeta, tese muito contestada poucos anos atrás.
Vice-presidente do IPCC, Suzana
Kahn avalia que o relatório final foi mais "claro e objetivo" do que
os documentos escritos nos últimos meses pelos grupos de trabalho. Suzana,
porém, acredita que os números do IPCC não mudarão facilmente o posicionamento
dos governos nas negociações internacionais.
— Os países permanecem com suas
posições históricas já consolidadas — afirma Suzana, uma das responsáveis por
resumir o relatório original, que tinha 175 páginas, no divulgado ontem, com 40
páginas. — Para fazer isso, foi uma dificuldade. Imagine, então, na negociação
propriamente dita. Tanto que, em vez de encerrarmos as discussões dia 07 às
18h, elas só foram fechadas dia 08/11 às 16h, e precisamos debater todas as
madrugadas. Ou seja, tudo foi marcado por pouca disposição de cooperação.
Os climatologistas ressaltam que,
mesmo se todas as medidas de mitigação e adaptação forem tomadas, os estragos provocados
pelo homem no clima serão visíveis no próximo século, já que as alterações
feitas em biomas, geleiras e o acúmulo de carbono nos oceanos não serão
remediadas imediatamente. O meio ambiente tem seu próprio tempo. E, para
assegurá-lo, o ser humano corre contra o relógio. (udop)
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