Brasil
reúne condições para sair de uma matriz elétrica cara, poluente e com impactos
desastrosos
Termelétrica
a carvão.
Em
seminário na Câmara dos Deputados, organizações da sociedade e parlamentares
apontam alternativas para o país adotar de forma acelerada fontes renováveis e
sustentáveis de energia.
Não
falta dinheiro para investimentos, conhecimento técnico, nem condições materiais
para que o Brasil comece sair de uma matriz energética baseada em grandes
usinas hidrelétricas, causadoras de grandes impactos sociais e ambientais, e em
fontes térmicas que queimam combustíveis fósseis caros e poluentes. Não falta
sequer a premência ética de alterar o padrão de produção de energia, que, a
pretexto de atender a necessidade de milhões de pessoas urbanizadas, esbulha o
direito de poucos milhares de outras que vivem na área de influência de rios
barrados para construção de usinas hidrelétricas, especialmente na Amazônia. O
que falta é vontade política dos agentes governamentais e do setor privado para
colocar alternativas de menor impacto – como energia solar e eólica
descentralizadas, imediatamente, em andamento.
Essas
são algumas das principais questões debatidas durante o seminário “O Setor
Elétrico Brasileiro e a Sustentabilidade no Século 21: Oportunidades e
Desafios”, realizado na Câmara dos Deputados em 21/10/15 por iniciativa da
Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil e do Grupo de Trabalho
sobre Infraestrutura, coordenado pela Articulação Regional Amazônica (ARA),
integrado por diversas organizações da sociedade. Também colaboraram na
organização do evento, que reuniu cerca de 120 pessoas, a Frente Parlamentar Ambientalista,
a SOS Mata Atlântica e a Comissão de Legislação Participativa da Câmara.
Em
duas mesas de debate, revezaram-se na análise da matriz elétrica brasileira e
suas alternativas sustentáveis pesquisadores, representantes de organizações da
sociedade civil e de empresas do setor, senadores e deputados federais, para
debater alternativas de expansão do sistema elétrico brasileiro, hoje
predominantemente hidroelétrico e baseado no consumo de combustíveis fósseis,
para opções ecologicamente mais sustentáveis, socialmente mais justas e
economicamente mais inteligentes, como a energia solar fotovoltaica e a eólica.
“Antes
de se discutir a matriz energética, precisamos debater a matriz ética”, alertou
o antropólogo e sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Márcio
Santilli. “Por que, para garantir o meu direito de ter o provimento de energia
na minha casa na cidade, é necessário inundar a casa de quem vive perto dos
rios da Amazônia? Construir usinas superestimadas em potencial e superfaturadas
no orçamento? Esse é um modelo corrupto e falido que está trazendo
consequências muito negativas ao país”, questionou Santilli.
“A
política energética no Brasil é desconectada de uma política de
desenvolvimento, de uma política industrial e de desenvolvimento socioambiental.
Os PDE estão desconectados dos leilões de energia e, consequentemente, do que
realmente é contratado e, posteriormente, instalado”, criticou a advogada
Kamyla Borges Cunha, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), chamando a
atenção para o fato de que estão planejadas para serem construídas na região
amazônica dezenas de grandes hidrelétricas, com previsão de grandes impactos.
“Quando na realidade a prioridade de investimento deve ser nas fontes
renováveis, que induzem ao desenvolvimento tecnológico, empregos de qualidade,
renda, inovação e apresentam pouquíssimas emissões no ciclo de vida”, analisa a
advogada.
Com
ela concorda André Nahur, coordenador de mudanças climáticas e energia na
organização WWF-Brasil. “O Brasil gastou nos últimos anos, em custos diretos,
R$ 34 bilhões com usinas térmicas emergenciais, mas despreza o enorme potencial
solar e eólico que possui. Segundo estudos de planejamento energético,
instalando painéis solares em apenas 0,03% do território brasileiro, em áreas
de insolação média, atenderíamos à toda nossa atual demanda”, afirma, chamando
atenção para a necessidade de fazer aquilo que ele chama de “transição
acelerada para a energia solar”.
“Se
incentivarmos o uso da energia solar com o que usamos com as térmicas
emergenciais, em apenas cinco anos teremos a mesma geração em termos de uso da
energia solar. Se considerarmos que os sistemas de energia solar têm
durabilidade de 25 anos, em longo prazo a energia solar será muito mais barata
que as outras fontes”, completa, lembrando que um passo importante nesse
sentido é o Brasil adotar, a exemplo do que já fizeram outros países, marcos
legais diferenciados para o setor de fontes renováveis.
“Precisamos
fazer imediatamente essa transição no Brasil, porque nos Estados Unidos, por
exemplo, ela já ocorre e de forma intensa”, alertou Kamyla, do IEMA. “Lá, cerca
de 170 mil pessoas trabalham na cadeia de produção da energia solar. Esse é um
número maior do que o de trabalhadores da indústria de carvão naquele país”,
diz, lembrando que, no Brasil, outro grande problema para o desenvolvimento do
setor solar são os instrumentos financeiros de suporte. “Os do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, são ocasionais.
Necessitamos de uma visão de longo prazo e não de um PDE que muda a cada ano”.
“As
fontes sustentáveis geram mais empregos, de melhor qualidade, melhor
remunerados e que ainda estimulam a inovação tecnológica”, adicionou Rodrigo
Sauaia, da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), que reúne perto de
100 empresas e profissionais do setor. “Cada MW gerado produz 30 empregos desse
tipo”, estima, fazendo ainda a comparação com a opção solar que a Alemanha e o
Brasil fazem. “Lá, o país de maior capacidade instalada, eles geram perto de
40GW. Aqui, o mesmo sistema geraria o dobro, devido à intensa insolação do
território brasileiro”, afirma. O Brasil tem apenas de 42 MW de capacidade
fotovoltaica, segundo dados da ANEEL de outubro de 2015. Isso representa uma
pífia participação na matriz elétrica brasileira, apenas 0,014%.
Sauaia
chamou atenção para a queda expressiva dos custos da energia solar, nos leilões
de compra de energia organizados anualmente pela Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel). “Em 2013, cada MW contratado nos leilões saiu a US 110. Em
2014 caiu para US88 e no leilão e agosto passado ficou em US85. No leilão de
novembro próximo esses valores deverão cair ainda mais”.
O
uso de fontes de energia sustentáveis foi também defendido com veemência pelo
deputado federal Pedro Uczai (PT-SC), que ao mesmo tempo defendeu o
fortalecimento da indústria brasileira. “Há no mundo, por exemplo, poucas
empresas produtoras de equipamento para geração eólica. Não podemos
simplesmente permitir que elas venham para o Brasil e monopolizem o mercado”,
alerta. Disse ainda que em seu estado esteve envolvido na resistência à
construção de grandes barragens e atua em aliança com o Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA).
Outro
parlamentar, o senador Hélio José (PSD-DF), também defendeu maiores
investimentos em energia solar e lembrou que a existência de várias frentes na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal que de alguma forma lidam com o tema
das energias renováveis precisam convergir para terem mais força política para
propor ao Executivo políticas energéticas mais sustentáveis e, igualmente,
enfrentarem o lobby contrário de grandes agentes econômicos das áreas de
hidrelétricas, de combustíveis fósseis e até nuclear.
No
sentido dessa convergência, Sérgio Guimarães, coordenador do Grupo de Trabalho
sobre Infraestrutura, um dos organizadores do evento, propôs e ficou acordado
um conjunto de reuniões com diversos parlamentares e a participação deles em um
seminário técnico sobre energia solar que será realizado em novembro em
conjunto com o MME. Também foi lembrada a importância de convidar os
secretários estaduais de Fazenda, a participarem dessa articulação, devido ao
peso que as questões fiscais têm quando se trata de viabilidade das fontes
renováveis.
Essa
reunião com técnicos do governo e pesquisadores de organizações da sociedade,
incluindo alguns parlamentares, foi um dos principais encaminhamentos do
seminário. De acordo com Joilson Costa, da coordenação da Frente por uma Nova
Política Energética para o Brasil, “o evento também apontou que é necessário
unificar os esforços das várias frentes parlamentares que discutem as energias
renováveis, a eficiência energética e a geração distribuída, para potencializar
a celeridade de tramitação das propostas de lei nessas áreas”, observou Costa.
Entre
as propostas elencadas por Costa, a partir das intervenções realizadas nas duas
mesas da manhã desta quarta, incluem-se ainda revisitar os vários projetos de
lei em tramitação na Câmara e no Senado, estudar a possibilidades de
acrescentar incentivos ainda não contemplados e buscar criar um marco
regulatório mais amplo para o setor. Também foi sugerida a proposição de uma
lei que institua a instalação compulsória de painéis fotovoltaicos em novas
unidades de programas habitacionais do governo federal, bem como a destinação
de parte das emendas parlamentares para a realização de projetos nas áreas de
energias renováveis, eficiência energética e geração distribuída no país.
(ecodebate)
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