100% elétrico e autônomo: como a tecnologia está revolucionando a forma como voamos.
Todos os anos, fazemos 4
bilhões de voos, mas nosso apetite pela conveniência e pela velocidade continua
não saciado.
Na mitologia grega, Dédalo,
notável arquiteto e inventor, cuja obra mais famosa é o labirinto que construiu
para o rei Minos para aprisionar o Minotauro, teria fugido de sua prisão em
Creta voando.
Com seu talento inigualável, ele
constrói para si e para o filho, Ícaro, dois pares de asas a partir dos ramos
de salgueiro, ligados por cera.
Eles conseguem fugir, mas Ícaro,
fascinado com o firmamento, se aproxima muito do sol. A cera de suas asas
acabou derretendo e ele morre nas águas do Mar Egeu.
Seria essa história um aviso contra a
arrogância humana ou uma profecia sobre a inevitável conquista dos céus?
A humanidade sempre sonhou em voar. Leonardo
da Vinci esboçou sua ideia para uma máquina voadora no século 15.
Mas o sonho só veio a se materializar
em 1903, quando os irmãos Orville e Wilbur Wright fizeram o primeiro voo
motorizado bem-sucedido.
O voo dos irmãos Wright, no entanto,
não teve testemunhas. Em 1906, o inventor brasileiro Santos Dumont realizou um
bem-sucedido voo público em Paris com o seu 14 Bis.
Já entre as décadas de 1930 e 1940, a
invenção do motor a jato tornou a viagem aérea transatlântica incrivelmente
glamorosa e luxuosa. O mundo encolheu e se tornou mais acessível, pelo menos
para os ricos daquela época.
Da eolípila a aviões elétricos: os momentos-chave da
história da aviação.
Um novo divisor de águas ocorreu
quando os motores turboélices foram desenvolvidos e a fabricação de aviões
ganhou maior eficiência.
Como resultado, os custos caíram e as
massas puderam, finalmente, ter acesso ao transporte aéreo.
Enquanto jatos supersônicos como o
Concorde mantiveram o glamour das viagens de longa duração, a tendência passou
a ser de uma maior democratização do ar.
Companhias aéreas de baixo custo, como
Ryanair, EasyJet, AirAsia e Southwest Airlines, deixaram destinos curtos ao
alcance de quase todos.
Viajar de avião ficou tão comum quanto
andar de ônibus, e o número de passageiros aéreos aumentou exponencialmente.
Mais recentemente, por causa das
mudanças climáticas, imperativos ambientais - a necessidade de reduzir o ruído
e as emissões de dióxido de carbono - começaram a prevalecer.
Sendo assim, sonhos de viagens hipersônicas
– Nova York para Xangai em duas horas, em vez das típicas 15 horas – ainda
devem demorar para se tornar realidade.
Mas a necessidade é a mãe da invenção,
e essa recente demanda ambiental gerou uma nova onda de inovação pela qual
Dédalo certamente teria se encantado.
"Estamos
vendo novos materiais sendo usados. Estamos vendo novas tecnologias
relacionadas à autonomia (aeronaves que voam sozinhas) e inteligência
artificial sendo aplicadas pela primeira vez na indústria aeroespacial. E
estamos vendo oportunidades realmente eletrizantes em torno da propulsão
elétrica", diz Iain Gray, diretor de espaço aéreo da Universidade
Cranfield, no Reino Unido.
Marius Bebesel,
engenheiro-chefe do CityAirbus, diz acreditar que as frotas de seus VTOLs vão
transportar quatro passageiros por vez entre aeroportos e as maiores
megalópoles nos próximos cinco anos.
Táxis aéreos autônomos
De pé em uma pista de pouso durante um
dia frio e cinzento em Donauwörth, no sul da Alemanha, observando o octocóptero
da Airbus decolar, é difícil de imaginar a radical transformação na mobilidade
urbana que esse protótipo – e outros como ele – poderiam imprimir.
Mas Marius Bebesel, engenheiro-chefe
do CityAirbus, diz acreditar que as frotas de seus VTOLs, táxis aéreos autônomos
100% elétricos que decolam ou pousam verticalmente, vão transportar quatro
passageiros por vez entre aeroportos e as maiores megalópoles do mundo nos
próximos cinco anos.
Reservar seu assento em um será tão
fácil quanto reservar um táxi em seu smartphone, acrescenta Bebesel, e o
CityAirbus será apenas um elemento em uma rede de transporte cada vez mais
integrada e uniforme.
Os sistemas de gerenciamento de
tráfego aéreo vão garantir a segurança, e as pessoas logo ficarão confortáveis
com a ideia de aeronaves autônomas, bem como dos benefícios que elas podem
trazer: maior conveniência, menor poluição e menor congestionamento.
O
veículo é mecanicamente muito mais simples do que um helicóptero convencional,
explica Bebesel, e terá uma autonomia de cerca de 60 km, podendo chegar a
velocidades de até 120 km/h.
Como seriam os táxis aéreos sem piloto, aposta ousada
para vencer a hora do rush.
Recarregar as baterias demorará apenas
15 minutos, destaca ele.
Os VTOLs são muito mais adequados para
os ambientes urbanos porque não precisam de pistas longas e podem pousar em
espaços apertados e no topo de arranha-céus.
Mas como ganhar a confiança do público
para embarcar em uma aeronave sem piloto?
"No início, vamos ter um piloto a
bordo apenas para aumentar a aceitação pública", diz Bebesel.
Mas ele não terá muito que fazer. Em
uma emergência, o sistema central de gerenciamento de tráfego aéreo
automatizado assumiria o controle, ressalva.
Na verdade, remover pilotos – e,
consequentemente, a probabilidade de erro humano – aumentará a segurança,
acrescenta Bebesel.
Ambição da Volocopter, segundo
CEO Florian Reuter, é tornar-se 'primeiro táxi aéreo 100% elétrico do mundo'.
O professor Iain Gray concorda.
"Sem motorista, você pode voar
mais longe, mais rápido e com menos custos", diz. "A automatização em
aeronaves faz parte da nossa realidade há 40 anos. Precisamos apenas adaptar
nossos sistemas de gerenciamento de tráfego aéreo a aeronaves não
tripuladas."
O público vai passar a ter maior
confiança, sugere Gray, à medida que o histórico de segurança for comprovado.
A equipe do CityAirbus de Marius
Bebesel, que se beneficia dos milhões de euros injetados pela companhia-mãe
Airbus, quer ter um modelo operacional no final deste ano.
Enquanto isso, algumas centenas de
quilômetros dali, na pequena cidade de Bruchsal, a ambição da startup
Volocopter, segundo seu CEO, Florian Reuter, é tornar-se o "primeiro táxi
aéreo 100% elétrico do mundo".
O Volocóptero possui 18 hélices e
transporta dois passageiros.
"A segurança está em primeiro
lugar", diz Reuter. "Até nove hélices podem parar de funcionar e ele
não cai."
Projetado para voos urbanos de curta
distância, o Volocóptero é movido a bateria e tem autonomia de 16 km a 32 km,
diz Reuter. E, eventualmente, será totalmente autônomo, assim que houver
confiança do público.
Mas essa não é uma quimera do fundador
da empresa, o empreendedor Alexander Zosel. A startup atraiu dinheiro sério –
30 milhões de euros (R$ 120 milhões) da proprietária da Mercedes-Benz, a
Daimler, e da gigante de tecnologia Intel.
O protótipo realizou seu primeiro voo
de teste 100% autônomo em Dubai em setembro de 2017 – "o primeiro da
história", diz Reuter, que prevê uma produção comercial dentro de cinco
anos.
Muitas outras empresas estão desenvolvendo
táxis aéreos, incluindo a chinesa Ehang e as americanas Uber e Vimana, ambas
com sede na Califórnia.
Mas essa visão futurista de mobilidade
urbana vai superar os extraordinários obstáculos regulatórios? Gray diz que
sim, ocasionalmente.
Ícaro, fascinado com o
firmamento, cai e morre nas águas do Mar Egeu ao se aproximar muito do sol,
fascinado com o firmamento
"Poderíamos ver táxis aéreos
menores dentro dos próximos dez anos, assim que a regulação alcançar a
tecnologia. A inteligência artificial desempenhará um papel importante na
gestão otimizada do tráfego aéreo", diz ele.
Mas outros especialistas são mais
cautelosos.
"Até 2022, certamente veremos
pessoas sendo transportadas por táxis aéreos, pelo menos por serviços de
emergência", diz o professor Harry Hoster, diretor de energia da
Universidade de Lancaster, no Reino Unido.
"Mas eles não vão substituir os
táxis terrestres em breve. O espaço aéreo é repleto de regras e limita o número
de aeronaves que podem estar no ar a cada momento", acrescenta.
E, embora táxis aéreos alimentados por
bateria prometam reduzir a poluição local e aliviar os congestionamentos das
megalópoles, Hoster aponta que o consumo total de energia pode realmente
aumentar à medida que sejam usados por mais pessoas – assim como o número de
acidentes.
Ele estima que os táxis aéreos usariam
o dobro da quantidade de energia em comparação com os carros elétricos, porém
com a metade da autonomia.
Isso não seria um problema para o meio
ambiente se toda a eletricidade fosse proveniente de fontes renováveis, mas
recarregar todos esses veículos elétricos – na estrada e no ar – poderia
colocar uma enorme pressão sobre as redes de eletricidade, explica Hoster.
Além disso, há o problema do ruído. Os
motores elétricos são, sem dúvida, mais silenciosos do que os motores de
combustão, mas um céu cheio de veículos desse tipo pode gerar reclamações.
'Bando de loucos'
"Eles nos viam como um bando de
loucos!", diz Ashish Kumar, cofundador e diretor-executivo da Zunum Aero,
uma startup sediada nos Estados Unidos que desenvolve uma gama de aviões, de
híbridos a elétricos.
Em 2013, quando a companhia foi
fundada, o conceito podia parecer exagerado. Mas, agora, o setor encara levar
motores elétricos a aviões de passageiros de forma muito séria.
A aviação comercial contribui com
cerca de 2% das emissões globais de CO2 produzidas pelo homem, de
acordo com as estatísticas da Associação Internacional de Transporte Aéreo
(Iata, na sigla em inglês).
Em 2050, a Comissão Europeia quer que
o setor reduza as emissões de CO2 em 60%, os óxidos de nitrogênio em
90% e o barulho em 75%.
É
consenso entre especialistas que tais taxas não podem ser alcançadas com as
tecnologias atuais.
Leonardo da Vinci esboçou sua
ideia para uma máquina voadora no século 15
Por isso, a Zunum – financiada pela
Boeing HorizonX, pela Jet Blue Technology Ventures e pelo Fundo de Energia
Limpa do Estado americano de Washington – é uma das várias empresas que
desenvolvem motores elétricos que prometem reduzir os custos, o ruído e a
poluição associados aos voos de curta distância.
Aviões elétricos de dois lugares estão
se tornando mais comuns a partir de investimentos de empresas como a eslovena
Pipistrel e a alemã Siemens, demonstrando sua viabilidade.
A Pipistrel também é uma das empresas
envolvidas no HY4 de 4 lugares, com desenho alemão, que é alimentado por
células de combustível de hidrogênio.
Mas o desafio é desenvolver aeronaves
elétricas comercialmente viáveis capazes de levar vários passageiros ao mesmo
tempo.
Atualmente, a Zunum está fabricando um
avião híbrido-elétrico de 12 passageiros que espera lançar até 2022, enquanto a
empresa israelense Eviation está projetando uma versão 100% elétrica de nove
passageiros.
Dipensar o combustível? Essa ainda não
é a realidade. Pelo menos, por enquanto.
Uma turbina convencional movida a
combustível será sempre necessária enquanto os órgãos reguladores de avião
exigirem uma reserva de 45 minutos de voo em caso de emergências lembra Kumar.
Por causa das limitações da energia
das baterias, os aviões elétricos devem voar mais devagar e em altitudes mais
baixas, diz ele, mas isso significa, por outro lado, que vão precisar de menos
manutenção e não terão que ser tão fortes e pesados quanto as aeronaves
projetadas para alcançar altitudes mais altas e longas distâncias.
Materiais leves e termoplásticos
ajudam a tornar os aviões mais baratos para serem produzidos e operados.
"Estimamos uma redução de, pelo
menos, 80% nos custos de combustível", diz ele.
Considerando
que a indústria gastará mais de US$ 150 bilhões (R$ 489 bilhões) em combustível
em 2018, segundo a Iata o que responde a cerca de 20% dos custos totais de
operação de uma companhia aérea, tais economias devem se provar atraentes,
explica Kumar.
A corrida para desenvolver aviões movidos a bateria.
Sendo assim, após o avião pousar, a
equipe de manutenção poderia simplesmente trocar as baterias vazias por outras
carregadas.
Aviões maiores capazes de transportar
mais de 100 passageiros vão precisar de baterias que possam fornecer 17-20
megawatts de energia, diz Kumar. "Esse é um desafio difícil", admite.
Mas isso é exatamente o que Jeff
Engler, da empresa de engenharia Wright Electric, sediada na Califórnia, está
determinado a superar.
Ele quer construir um avião de
passageiros elétricos do tamanho de um A320 nos próximos 10 anos. Se
materializado, poderia levar cerca de 180 pessoas.
Distâncias curtas de cerca de 540 km
(pouco mais da distância entre Rio e São Paulo) são perfeitamente possíveis em
aviões de passageiros elétricos, diz Engler.
Sua empresa de engenharia está
trabalhando em uma estrutura de energia elétrica para um avião que poderia
transportar nove pessoas.
Ele admite que "as baterias hoje
não são boas o suficiente" – elas são muito pesadas, esquentam rápido e
não produzem energia suficiente.
Por outro lado, Engler está otimista
com o avanço da tecnologia.
"A cada 10 a 20 anos, surge uma
nova química, a forma como o íon-lítio substituiu o níquel-cádmio, por exemplo.
As baterias de estado sólido podem ser o próximo passo, embora estejamos a 10
anos de distância disso", ressalva.
Segundo Engler, a vantagem dos motores
elétricos é de que "cinco a dez pequenos motores serão tão eficientes como
um grande", dando a designers mais opções ao desenharem aviões. As
turbinas poderiam ser incorporadas na asa, por exemplo, ou colocadas acima da
asa na parte de trás do avião.
Contudo, voos de longa distância
continuam impossíveis para aeronaves 100% elétricas, a menos que haja uma
melhoria radical na tecnologia da bateria.
Juntamente a muitas outras companhias
aéreas, a operadora de baixo custo EasyJet também está explorando maneiras de
reduzir os custos de combustível e as emissões de CO2.
A EasyJet tem um memorando de
entendimento com a Wright Electric, embora não exista um acordo formal entre as
duas empresas.
E os pesos pesados da indústria da
aviação, como Airbus, Siemens e Rolls-Royce, anunciaram recentemente um projeto
conjunto para o desenvolvimento de um motor híbrido-elétrico.
O objetivo é incorporá-lo em um avião
de curta distância até 2020.
O E-Fan X, como está sendo chamado,
vai demonstrar a viabilidade da tecnologia e incentivar as companhias aéreas a
adotá-la, esperam os fabricantes.
Uma turbina na parte de trás do avião
vai alimentar um gerador para criar eletricidade para uma turbina elétrica que
complementa três turboélices convencionais. Qualquer excesso de energia será
guardado nas baterias, usada para decolar e ganhar maiores altitudes.
Essas estruturas híbrido-elétricas
poderiam reduzir a queima de combustível em cerca de 10%, diz a Airbus, e ser
muito menos barulhentas na decolagem e no pouso, além de gerar menos poluição.
Frank
Anton, chefe do projeto de e-aeronaves da Siemens, diz: "Estamos abrindo a
porta para um novo mundo da aviação. Isso é tão revolucionário quanto as
turbinas dos anos 40 e os turboélices dos anos 60".
Carros voadores vão ser lançados mais rápido do que
pensamos, diz empresa.Carros aéreos
Mas o sonho de um carro voador ainda
persiste na cabeça de muitos inventores.
Em 1940, Henry Ford disse:
"Lembre-se do que vou dizer: a
combinação de avião e automóvel está chegando. Você pode achar graça, mas ela
virá."
Nove anos depois, Moulton Taylor
projetou e voou seu Aerocar, provando a viabilidade do conceito de Ford. Mas
apenas três modelos foram construídos.
Desde então, o carro voador só pôde
ser visto em filmes de ficção científica.
Hoje, no entanto, empresas como a
Terrafugia, recentemente comprada pela proprietária da Volvo, a gigante chinesa
Geely, a holandesa Pal-V, com seu conceito de girocóptero, e a eslovaca
AeroMobil produziram protótipos que podem ser dirigidos em terra firme e
pilotados no ar.
Já a Airbus tem um conceito futurista
envolvendo uma cápsula de passageiros que pode ser separada de seu chassi em
terra e levada por um quadricóptero.
Mas todos esses conceitos são
extremamente caros, exigem padrões de certificação de segurança tanto viários
quanto aéreos, precisam de duplo comando, envolvem asas e hélices dobráveis
complexas e só podem voar a partir de pistas de aterrissagem.
Portanto, é provável que permaneçam
como brinquedos em vez de soluções práticas de transporte para as massas.
"Um carro que decole de uma rua e
pouse em outra é improvável", diz Gray. "Os táxis aéreos, por outro
lado, são muito mais prováveis."
Mas isso não impedirá que inventores
criem novas maneiras de voar e tentem persuadir investidores a apoiar suas
ideias mirabolantes.
A revolução na aviação civil
não está ligada aos antigos desejos de velocidade, romantismo e glamour, mas à
necessidade urgente de responder a um clima de mudança.
Novos
motores elétricos combinados com inteligência artificial e sistemas autônomos
contribuirão para um sistema de transporte mais eficiente e integrado – e que
seja menos poluente e menos barulhento. (bbc)