O município
de Bonito, no agreste pernambucano, situado a 136 km do Recife, foi
recentemente manchete nacional, depois que sua administração anunciou o
interesse de promover mudanças em sua política ambiental. Inspirada em
iniciativas que estão acontecendo em vários países, propõe conceder aos
recursos naturais, direitos jurídicos próprios reconhecidos na lei orgânica do
município.
Também
chamada “Cidade das Águas” Bonito é conhecida pelas belas cachoeiras, e várias
nascentes, constituindo destino turístico obrigatório aos que amam a natureza.
Está nos domínios das Bacias Hidrográficas dos Rios Una e Sirinhaém, tendo como
principais afluentes o Rio da Prata, e o Riacho Capema, um dos contribuintes
mais importantes do reservatório do Prata, com capacidade de acumulação de
40.000.000 m³. As águas de Bonito abastecem várias cidades do agreste, sendo a
principal Caruaru, a mais populosa cidade do interior pernambucano e a terceira
mais populosa do interior nordestino, com seus 356 128 habitantes (em 2017).
Localizada
a 900 metros de altura, é contornado por reservas da Mata Atlântica,
correspondendo a 4,5 mil hectares de florestas nativas preservadas. Conta com
três unidades de conservação municipal do tipo “proteção integral”, ainda não
cadastradas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação: Parque Natural
Municipal Mata da Chuva, Parque Natural Municipal Matas de Mucuri-Hymalaia e o
Monumento Natural Orquidário Pedra da Rosária. Seu Plano Municipal de
Conservação e Recuperação da Mata Atlântica (PMMA) é um importante instrumento
que possibilita ao município pensar e atuar na conservação de seus recursos
naturais de forma estratégica, permitindo assim estabelecer ações de
planejamento e de gestão ambiental, inclusive no que se refere a fiscalização e
ao processo de licenciamento.
Recentemente
uma empresa, dentre tantas criadas para geração e comercialização da energia
elétrica produzida a partir dos ventos, demonstrou interesse pela região. A
primeira incursão foi sobre os posseiros das áreas altas, situadas nos entornos
das unidades de conservação, áreas que apresentam melhores ventos (maiores
velocidades) para esta atividade. Iniciando assim um processo nada transparente
em relação as condições contratuais de locação de terras para a instalação e
operação das usinas eólicas, ameaçando concretamente afetar as áreas de
conservação.
O modelo
predominante de expansão da geração eólica no Brasil consiste na instalação de
grandes quantidades de aerogeradores, o que pressupõe grandes superfícies de
terras nas mãos das empresas. Dai a preocupação relativa a Bonito, e suas áreas
preservadas.
Uma grande
ilusão fica evidente com relação aos benefícios socioeconômicos das usinas
eólicas (o mesmo vale para as usinas solares). São citados como vantagens a
geração ou ampliação de atividades econômicas locais, resultando no crescimento
de empregos e renda, aumento do PIB municipal e estadual, arrecadação de
impostos e ampliação da oferta de bens e serviços. A conversa dos
empreendedores junto aos gestores, empresários locais é que o paraíso será atingido
com a instalação das usinas eólicas.
Especificamente
com relação a geração de emprego e renda local, e bom que se diga, que os
empregos gerados são temporários. Na preparação do solo, nas obras civis e na
montagem dos equipamentos é mobilizado um razoável número de trabalhadores
temporários (algumas empresas, com atuação regional, trazem seus próprios
trabalhadores, reduzindo a oferta para os moradores locais). Após a conclusão
destas obras, que geralmente ocorrem entre 12 a 18 meses, a operação destas
usinas será feita por poucos trabalhadores qualificados (em torno de 6 a 15
pessoas). Outros aspectos econômicos como aumento do PIB, arrecadação de
impostos, são muito menos significativos do que os apregoados. E na maioria das
vezes não impacta positivamente o município. Basta conhecer a situação dos
municípios onde já existem estas instalações.
O retorno
financeiro para os posseiros que arrendaram suas terras é mencionado
constantemente, como algo gerador de renda. Algumas empresas estabelecem
contratualmente para pagamento um valor fixo por torre instalada (500 a 800
reais). Outras, por sua vez, definem como critério de remuneração mensal da
concessão de uso, um percentual da receita liquida da empresa, em função do
número de aerogeradores instalado em uma dada propriedade (em média um
aerogerador/hectare). Neste caso difícil para o concedente saber quanto ganhará
por mês. Como são na maioria das vezes minifúndios existentes, o ganho por
torre instalada é muito pequeno para o agricultor/posseiro.
O que
merece ser destacado nesta corrida desenfreada por terras no nordeste (áreas
rurais e áreas costeiras) é um processo que tem se mostrado completamente
danoso ao meio ambiente e gerado grandes conflitos sociais. Merecendo portanto
uma ação mais enérgica do poder público nas diferentes fases destes
empreendimentos. E mesmo, não concedendo as licenças necessárias para o
empreendimento, quando este, potencialmente desmatar áreas protegidas da
caatinga, do pouco que resta da Mata Atlântica; acabar com as nascentes e a
biodiversidade local; e desrespeitar e violar direitos dos moradores.
O caso de
Bonito, assim como foi o caso do município de Brejo da Madre de Deus (que tem
suas áreas em Brejo de Altitude, com várias nascentes e resquícios da Mata
Atlântica, e que a população juntamente com o poder público municipal,
rejeitaram uma usina eólica), mostra claramente a ganância destes
empreendedores, que traçam uma rota no GPS, destruindo a vegetação, pouco se
importando o que encontra pela frente e nas imediações.
Não
se pode esquecer, que para a conservação está relacionada um princípio
geológico, que confere às serras e regiões montanhosas, a missão de armazenar
água. As serras recebem água das chuvas, e acumulam, e desse fenômeno brotam as
nascentes. O temor pela construção de torres de energia eólica (e das estradas
de acesso) está exatamente a destruição das nascentes, e de uma biodiversidade
única, caso venham a ser instaladas.
O que se
espera do poder local, e de seus munícipes, é que Bonito não caia na conversa,
nas promessas, no conto da sereia de um pseudo desenvolvimento com a chegada de
uma usina eólica. Que procurem conhecer mais e melhor o que já ocorreu em
outros municípios nordestinos, e que sejam levados em conta, no momento da
decisão, fatores sociais, econômicos, ambientais, culturais do seu povo e da
região.
Seria um
grande retrocesso, do ponto de vista das conquistas socioambientais, se Bonito
recuasse frente aos diversos avanços já obtidos na área ambiental, e consequentemente
social. Usinas eólicas que venham violar direta ou indiretamente as nascentes,
os biomas protegidos, e o modo de vida dos agricultores e agricultoras
familiares devem ser rechaçadas, em nome do bem estar e bem viver das pessoas,
e da proteção e conservação ambiental. (ecodebate)
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