A necessidade de aumentar a
produção e distribuição de energia no mundo somada à recente resolução de
diversos países, como os Estados Unidos, de aumentar a utilização de
combustíveis renováveis até 2021 deverão impulsionar globalmente a expansão da
indústria de biocombustíveis nos próximos anos.
Para atender a uma maior demanda
mundial por bioenergia, contudo, o setor terá de superar desafios de diversas
ordens. Entre eles, aumentar o cultivo de culturas agrícolas utilizadas para
obter biocombustíveis, sem afetar a produção de alimentos; adaptar-se aos
impactos das mudanças climáticas globais na agricultura; e competir em
condições desiguais com os combustíveis fósseis – que hoje são fortemente
subsidiados em inúmeros países, incluindo no Brasil.
As observações foram feitas por
pesquisadores participantes do “Workshop Bioenergia e Sustentabilidade: a
perspectiva da indústria”, realizado no dia 18 de novembro, na FAPESP.
O encontro foi preparatório para o
Processo Rápido de Avaliação (Rapid Assessment Process) sobre biocombustíveis e
sustentabilidade que pesquisadores dos Programas FAPESP de Pesquisa em
Bioenergia (BIOEN), em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso
Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA) e sobre Mudanças
Climáticas Globais (PFPMCG) realizarão, no início de dezembro, na sede da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),
em Paris, na França.
A avaliação – realizada a convite
da Secretaria do Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope) da Unesco
– deverá resultar em um “Resumo de políticas” contendo uma série de
recomendações da academia, indústrias, instituições governamentais e não
governamentais (ONGs) para apoiar a tomada de decisões relacionadas a
biocombustíveis e sustentabilidade por parte de empresas, governos e
instituições internacionais associados à Organização das Nações Unidas (ONU).
“O objetivo do trabalho de
avaliação é, tendo em vista que a produção de bioenergia está se expandindo no
mundo, contribuir com recomendações para políticas públicas que possam
estimular a produção de biocombustíveis e eliminar algumas barreiras ao avanço
dessa indústria globalmente”, disse Glaucia Mendes Souza, professora do
Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP) e membro da
coordenação do BIOEN, na abertura do evento.
O estudo contará com a participação
de 95 especialistas da área de biocombustíveis, provenientes de 56 instituições
de pesquisa de 19 países, e deverá ser publicado na forma de um livro eletrônico
(e-book) previsto para ser lançado em outubro de 2014.
Os principais resultados também
serão publicados em uma edição especial do Journal Environmental Development e
anunciados na abertura da 2nd BBEST – Conferência Brasileira de Ciência e
Tecnologia em Bioenergia (Brazilian Bioenergy Science and Technology
Conference), prevista para ocorrer em outubro de 2014 em Campos do Jordão.
“A síntese do conhecimento sobre
biocombustíveis e sustentabilidade que produziremos não será simplesmente uma
revisão da literatura científica ou um tutorial sobre o tema”, afirmou Souza.
“Pretendemos avançar na discussão
por meio da abordagem de questões transversais relacionadas à produção de
biocombustíveis, como segurança alimentar, energética, ambiental e climática e
desenvolvimento sustentável e inovação”, contou.
Demanda de energia - De acordo com
dados apresentados por pesquisadores participantes do encontro, obtidos da
Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a demanda por
energia no mundo deverá dobrar nas próximas décadas, passando dos atuais 500
hexajoules (hj) para mil hexajoules em 2050.
A produção de óleo e gás, no
entanto – que representam 60% da energia primária mundial –, deverá cair no
mesmo período, tendo em vista que está diminuindo o número de reservas de
petróleo e, em contrapartida, aumentam os custos para prospecção e extração de
óleo e gás de novos campos petrolíferos, aponta o órgão.
Em razão desse cenário e com a
finalidade de atender ao aumento da demanda mundial por energia, a IEA prevê
que, em 2030, os biocombustíveis contribuirão com 4% a 10% – dependendo da
introdução do etanol de segunda geração – no total da energia utilizada para
transporte rodoviário no planeta.
Para isso, será necessário utilizar
entre 3,8% e 4,5% da terra arável disponível mundialmente para o cultivo de
culturas agrícolas destinadas à produção de biocombustíveis, contra 1% do total
de terra usada hoje no mundo para essa finalidade.
Essa expansão da produção de
biocombustíveis, no entanto, não deverá competir com a de alimentos, cuja
demanda mundial também aumentará nos próximos 40 anos, estimam os
pesquisadores.
“Esses números [referentes ao
potencial de participação dos biocombustíveis na matriz energética mundial]
ainda estão sendo discutidos, mas estamos caminhando para um consenso de que a
disponibilidade de terra arável para cultivo de culturas agrícolas voltadas à
produção de biocombustíveis não será um problema”, disse Souza.
Desde 2007, a produção de
biocombustíveis no mundo aumentou 109%, apontaram pesquisadores participantes
do evento.
As projeções da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) também indicam que, nos próximos
anos, a produção de bioetanol e biodiesel no mundo deverá aumentar 60%,
saltando do atual patamar de 149 bilhões de litros para 222 bilhões de litros
em 2021.
Uma das razões para esse aumento de
produção, de acordo com especialistas na área, é a decisão de cerca de 41
países, anunciada nos últimos anos, de aumentar por meio de projetos de lei a
utilização de etanol em suas frotas de veículos até 2021.
Os Estados Unidos, lembrou
Goldemberg, estipularam que, em 2021 deverão consumir 79,8 bilhões de litros de
etanol a mais do que o total de 67 bilhões de litros do combustível que obtêm
do milho e utilizam hoje.
A legislação norte-americana
estabeleceu, porém, que essa cota excedente deverá ser de biocombustíveis de
segunda geração, produzidos no próprio país, ele completou.
Mas especialistas na área acham que
essa meta será difícil de ser atingida em razão das dificuldades industriais
enfrentadas atualmente para produzir esse tipo de bioenergia obtida não apenas
da sacarose presente no colmo da cana-de-açúcar – como a do bioetanol de primeira
geração, por exemplo –, como também do açúcar presente nas paredes celulares do
bagaço, das folhas e de outros resíduos da planta.
“Se essa legislação não for mudada,
os Estados Unidos terão de importar esse etanol excedente de algum outro país
produtor, proporcionando uma oportunidade interessante para o Brasil”, disse
José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da
USP, durante o evento.
Segundo Goldemberg, no caso do
Brasil, estima-se que o país também consumirá 24,2 bilhões de litros a mais de
etanol obtido da cana-de-açúcar em 2021 do que o total de 37,4 bilhões de
litros do biocombustível que utiliza hoje.
Outros países também estabeleceram
a meta de que, até 2021, no mínimo 10% do total de combustíveis que usam deverá
ser proveniente de combustíveis renováveis, o que corresponderá a uma produção
adicional de mais 34,8 bilhões de litros de etanol.
Somadas, essas produções adicionais
de etanol para abastecer os Estados Unidos, Brasil e outros países que
definiram políticas para aumentar a utilização de biocombustíveis totalizarão
138 bilhões de litros de etanol em 2021, calculou Goldemberg.
Se esse volume de etanol fosse
obtido da cana-de-açúcar, seriam necessários 25 milhões de hectares de terra
para cultivar a cultura agrícola, estimou o pesquisador.
“Há vários estudos de autoria de
pesquisadores brasileiros apontando que é possível encontrar dentro do Brasil
essa quantidade de terra, sobretudo por conta da melhoria da eficiência da
pecuária brasileira, que é extremamente ineficiente [em termos de uso da terra
para pastagem]’, afirmou Goldemberg.
“O gado brasileiro é o que vive
mais confortavelmente em todo o mundo, porque tem cerca de um hectare de área
de pastagem”, avaliou.
Condições adversas - Algumas das
principais ameaças à expansão da produção de biocombustíveis no mundo estão
relacionadas a mudanças do clima e à falta de políticas públicas estáveis, que
valorizem e diferenciem esses combustíveis renováveis e que promovam seu
adequado desenvolvimento no mundo, apontaram pesquisadores participantes do
evento.
No que se refere ao clima, o
aumento lento e gradual da temperatura e as alterações no padrão de chuva, já
observados em diferentes regiões do mundo, deverão afetar culturas agrícolas
utilizadas para produção de biocombustíveis, como a própria cana-de-açúcar,
além do milho, da soja, da colza, da beterraba e do girassol, alertam estudos
publicados recentemente por pesquisadores de instituições como a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
“As áreas de cultivo dessas
culturas agrícolas devem diminuir porque a rapidez com que as mudanças
climáticas estão ocorrendo é maior do que o tempo que essas espécies e os
sistemas socioeconômicos de produção precisariam para fazer uma transição para
um padrão de clima diferente do que têm hoje”, disse Paulo Artaxo, professor do
Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), também presente no
workshop.
“Algumas dessas culturas agrícolas
são mais sensíveis do que outras e o Brasil tem de estar atento para essa
questão que representa uma grande contingência agropecuária”, afirmou.
Já a falta de transparência na
formação de preços dos combustíveis no mercado mundial e de políticas públicas
afetam a sustentabilidade financeira do setor mundial de biocombustíveis,
apontaram especialistas.
Segundo dados apresentados por Luiz
Augusto Horta Nogueira, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei),
os combustíveis fósseis recebem subsídios governamentais da ordem de US$ 440
bilhões por ano em todo o mundo.
Em contrapartida, os investimentos
globais de suporte financeiro aos combustíveis de fonte renovável hoje são da
ordem de US$ 100 milhões por ano.
“O etanol da cana-de-açúcar
apresenta uma série de indicadores de sustentabilidade ambiental e se for
comercializado em um mercado minimamente justo, com regras claras de formação
de preços dos combustíveis, também apresenta sustentabilidade financeira”,
disse Nogueira.
“Mas não dá para esperar que ele
compita com um combustível fóssil, como a gasolina, que recebe subsídios dessa
ordem de grandeza”, avaliou. (ambienteenergia)