Estamos preparados para os riscos do pré-sal e do gás xisto?
Anuncia-se que em
novembro vão a leilão áreas brasileiras onde se pretende explorar o gás de
xisto, da mesma forma que estão sendo leiloadas áreas do pré-sal para exploração
de petróleo no mar. Deveríamos ser prudentes nas duas direções. No pré-sal, não
se conhecem suficientemente possíveis consequências de exploração em áreas
profundas. No caso do xisto, em vários países já há proibições de exploração ou
restrições, por causa das consequências, na sua volta à superfície, da água e
de insumos químicos injetados no solo para “fraturar” as camadas de rocha onde
se encontra o gás a ser liberado. Mas as razões financeiras, em ambos os casos,
são muito fortes e estão prevalecendo em vários lugares, principalmente nos
Estados Unidos.
No Brasil, onde a
tecnologia para o fraturamento de rochas ainda vai começar a ser utilizada, há
um questionamento forte da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências, que, em carta à presidente da
República (5/8), manifestaram sua preocupação com esse leilão para campos de
gás em bacias sedimentares. Nestas, diz a carta, agências dos EUA divulgaram
que o Brasil teria reservas de 7,35 trilhões de metros cúbicos em bacias no
Paraná, no Parnaíba, no Solimões, no Amazonas, no Recôncavo Baiano e no São
Francisco. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) estima que as reservas podem
ser o dobro disso. Mas, segundo a SBPC e a ANP, falta “conhecimento das características
petrográficas, estruturais e geomecânicas” consideradas nesses cálculos, que
poderão influir “decisivamente na economicidade de sua exploração”.
E ainda seria preciso
considerar os altos volumes de água no processo de fratura de rochas para
liberar gás, “que retornam à superfície poluídos por hidrocarbonetos e por
outros compostos”, além de metais presentes nas rochas e “dos próprios aditivos
químicos utilizados, que exigem caríssimas técnicas de purificação e de
descarte dos resíduos finais”. A água utilizada precisaria ser confrontada “com
outros usos considerados preferenciais”, como o abastecimento humano. E lembrar
ainda que parte das reservas está “logo abaixo do Aquífero Guarani”; a
exploração deveria “ser avaliada com muita cautela, já que há um potencial
risco de contaminação das águas deste aquífero”.
Diante disso, não
deveria haver licitações imediatas, “excluindo a comunidade científica e os
próprios órgãos reguladores do país da possibilidade de acesso e discussão das
informações”, que “poderão ser obtidas por meio de estudos realizados
diretamente pelas universidades e institutos de pesquisa”. Além do maior
conhecimento científico das jazidas, os estudos poderão mostrar “consequências
ambientais dessa atividade, que poderão superar amplamente seus eventuais
ganhos sociais”. É uma argumentação forte, que, em reunião da SBPC no Recife
(22 a 27/7), levou a um pedido de que seja sustada a licitação de novembro.
Em muitos outros
lugares a polêmica está acesa – como comenta o professor Luiz Fernando Scheibe,
da USP, doutor em Mineração e Petrologia (12/9). Como na Grã-Bretanha, onde se
argumenta que a tecnologia de fratura, entre muitos outros problemas, pode
contribuir até para terremotos. A liberação de metano no processo também pode
ser altamente problemática, já que tem efeitos danosos equivalentes a mais de
20 vezes os do dióxido de carbono, embora permaneça menos tempo na atmosfera. E
com isso anularia as vantagens do gás de xisto para substituir o uso de carvão
mineral. O próprio Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) tem
argumentado que o gás de xisto pode, na verdade, aumentar as emissões de
poluentes que contribuem para mudanças do clima.
Na França os
protestos têm sido muitos (Le Monde, 16/7) e levado o país a restrições fortes,
assim como na Bulgária. Alguns Estados norte-americanos proibiram a tecnologia
em seus territórios, mas o governo dos EUA a tem aprovado, principalmente
porque o gás de xisto não só é mais barato que o carvão, como reduziu
substancialmente as importações de combustíveis fósseis do país, até lhe
permitindo exportar carvão excedente. E a Agência Internacional de Energia está
prevendo que até 2035 haverá exploração do gás de xisto em mais de 1 milhão de
pontos no mundo. Nos EUA, este ano, a produção de gás de xisto estará em cerca
de 250 bilhões de metros cúbicos – facilitada pela decisão governamental de
liberar a Agência de Proteção Ambiental de examinar possíveis riscos no
processo e pela existência de extensa rede de gasodutos (o Brasil só os tem na
região leste; gás consumido aqui vem da Bolívia).
Também a China seria
potencial usuária do gás, pois 70% de sua energia vem de 3 bilhões de toneladas
anuais de carvão (quase 50% do consumo no mundo).Embora tenha 30 trilhões de
metros cúbicos de gás de xisto – mais que os EUA -, o problema é que as jazidas
se situam em região de montanhas, muito distante dos centros de consumo – o que
implicaria um aumento de 50% no custo para o usuário, comparado com o carvão.
Por isso mesmo, a China deverá aumentar o consumo do carvão nas próximas
décadas (Michael Brooks na New Scientist, 10/8).
E assim vamos, em
mais uma questão que sintetiza o dilema algumas vezes já comentado neste
espaço: lógica financeira versus lógica “ambiental”, da sobrevivência. Com
governos, empresas, pessoas diante da opção de renunciar a certas tecnologias e
ao uso de certos bens – por causa dos problemas de poluição, clima, consumo
insustentável de recursos, etc. -, ou usá-los por causa das vantagens
financeiras imediatas, que podem ser muito fortes.
Cada vez mais, será
esse o centro das discussões mais fortes em toda parte, inclusive no Brasil –
com repercussões amplas nos campos político e social. Preparemo-nos.
(ecodebate)
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