“Há um grupo grande
de cientistas que trabalham diretamente com a questão da água e que estão
legitimamente muito preocupados com a possibilidade de autorização da
exploração do xisto no Brasil, sem que tenhamos uma definição clara dos
prejuízos que isso irá causar para os aquíferos”, diz geólogo.
A dependência
energética externa dos Estados Unidos e o uso de tecnologias que possibilitam a
extração do gás não convencional – conhecido popularmente como xisto – no
território estadunidense têm gerado interesse de vários países em explorar essa
fonte de energia. Entretanto, segundo o geólogo Luiz Fernando Scheibe, as
vantagens econômicas dessa extração são apenas “aparentes”, porque a exploração
do gás envolve um processo complexo e “a grande produção” dos poços só ocorre
no primeiro ano. “Depois do primeiro ano de extração se produz muito pouco gás.
Esses dados, inclusive, estão disponíveis no material da Agência Nacional do
Petróleo – ANP. A questão é saber se o período de pagamento do investimento é
tão rápido assim”, pontua o geólogo, em entrevista concedida à IHU on- Line por
telefone.
De acordo com
Scheibe, a comunidade científica brasileira solicitou que o xisto seja excluído
do leilão energético programado para os dias 28 e 29 de novembro. Os
especialistas argumentam que é preciso estudar com calma as variáveis que estão
contidas na exploração. Na avaliação do pesquisador, a extração do gás não
convencional “gera problemas ambientais sérios tanto do ponto de vista da
contaminação do metano, como da contaminação da água que se utiliza para fazer
o fraturamento hidráulico”. E acrescenta: “Querer começar a explorar o xisto no
Brasil, sem uma infraestrutura adequada, sabendo que se trata de uma exploração
controlada e que toda a grande produção é feita no primeiro ano, é querer se
arriscar a produzir o gás e não ter o que fazer com ele. Ou seja, a Petrobras
pagaria por um gás que não será consumido”.
Luiz Fernando Scheibe
é doutor em Ciências (Mineralogia e Petrologia) pelo Instituto de Geociências
da Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é professor aposentado da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Hoje se fala em uma revolução
do “xisto” nos EUA. O que isso significa? Trata-se de uma nova revolução
energética? Por que o interesse em investir no xisto?
Luiz Fernando Scheibe
-
Todos sabem que os EUA sempre foram extremamente dependentes de fontes externas
de energia, por causa do consumo alto de energia no país.
Os EUA se consideram
meio “donos” do mundo e da possibilidade de intervir em qualquer lugar em que
os interesses deles, principalmente os energéticos, se encontrarem ameaçados.
Essa dependência dos fatores externos fez com que eles, ao se depararem com
essa nova tecnologia do fraturamento hidráulico através de perfurações
direcionadas, se jogassem nesse novo sistema.
Realmente
conseguiram, em grande parte, superar uma parcela dessa dependência de recursos
externos de petróleo. Então, a extração do xisto, no caso deles, passa primeiro
por uma questão econômica no sentido de que, aparentemente, é um pouco mais
barato explorar o xisto. Mas passa também, e principalmente, pela dependência
que eles têm das fontes externas de petróleo e pelo fato de eles não precisarem
mais ter essa preocupação tão exacerbada com essas fontes. Isso faz com que
eles possam, de certa forma, rever a sua forma de agir em relação ao resto do
mundo. Por isso, penso que, além das transformações econômicas que estão
acontecendo no país, essa exploração do xisto pode trazer também modificações
importantes do ponto de vista da geopolítica mundial.
IHU On-Line – O xisto disponível nos EUA é
suficiente para abastecer o país?
Luiz Fernando Scheibe - Não! Jamais será suficiente para abastecer
todo o país, mas aparentemente pode ser suficiente para suprir o seu déficit
energético. Os EUA continuam produzindo muito petróleo e muito gás das fontes
chamadas convencionais. A fonte de xisto está sendo responsável por 20 ou 30%
de todo o gás que eles utilizam. O xisto pode representar um aumento de 30 a
40% das suas reservas totais de gás. Com essa mudança, eles passam de
importadores para autossuficientes, e estão falando até em ser exportadores de
gás. No entanto, isso não é muito provável, porque embora eles estejam
trabalhando com valores muito baixos para a produção desse gás, a impressão que
se tem é de que esses valores estão sendo subsidiados, estão sendo de alguma
forma rebaixados por causa da necessidade que eles têm de efetivamente fazer
esse tipo de aproveitamento.
IHU On-Line – Como vê o anúncio de que a Agência
Nacional de Petróleo – ANP irá abrir no próximo mês de novembro o leilão de
áreas para exploração de gás de xisto em todas as regiões do Brasil? Por que o
país tem interesse em participar desse processo de extração?
Luiz Fernando Scheibe - Analisei o pré-edital para os leilões e os
modelos de contratos que pretendem fazer, os quais deverão ser efetuados nos
dias 28 e 29 de novembro. Em um primeiro momento, esses leilões seriam
dedicados exclusivamente à exploração de gás convencional dentro do continente.
Mas, cada vez mais, aparentemente, esse leilão também será voltado para a
extração do xisto, uma vez que nas colocações do pré-edital e do contrato há
inúmeras menções ao xisto. Embora se diga que essa exploração será mais
controlada, somente por volta da página 50 do edital aparece a expressão “meio
ambiente”.
Há um movimento da
comunidade científica brasileira solicitando que o xisto seja excluído desse
leilão, para que se possa, com mais calma, estudar todas as variáveis que
estariam contidas nessa exploração.
IHU On-Line – Qual o modelo de contrato
apontado no pré-edital?
Luiz Fernando Scheibe - O modelo de contrato é mais ou menos o mesmo
aplicado em outras vendas de áreas para petróleo. O Estado está leiloando
grandes áreas e as empresas se habilitam para fazer essa exploração. Elas
precisam apresentar um cadastro e mostrar que têm capacidade científica para
realizar a extração, mas basicamente devem mostrar que têm capacidade econômica
para fazer. O pré-edital divide as empresas em três categorias: aquelas que têm
capacidade científica; aquelas que têm capacidade científica limitada; e as que
não têm capacidade científica. Neste último caso, supõe-se que essas empresas,
caso sejam detentoras das áreas para poder explorar, irão procurar essa capacidade
científica com parceiros.
IHU On-Line – Qual o potencial de o Brasil
explorar o gás não convencional? Por que o país não precisa entrar nessa
disputa?
Luiz Fernando Scheibe - No mundo inteiro, há um questionamento muito
forte sobre a questão do xisto. Uma parte desse questionamento é devido ao
sensacionalismo com que o assunto foi tratado no primeiro momento, outra parte
é por conta da contaminação da água a partir da extração do gás não
convencional.
As empresas alegam
que tal contaminação ocorreu porque houve algum problema na perfuração ou no
revestimento. O caso é que não interessa de onde vem o problema, porque a
exploração do xisto gera problemas ambientais sérios tanto do ponto de vista da
contaminação do metano, como da contaminação da água que se utiliza para fazer
o fraturamento hidráulico.
Fiquei muito
impressionado porque nos EUA várias empresas contrataram o serviço de esgoto
municipal para supostamente purificar a água utilizada durante a extração do
xisto. Acontece que uma agência municipal de esgoto tem uma determinada
capacidade e está voltada a um determinado tipo de elemento químico.
Como se vê, os EUA
não estão preocupados com a questão ambiental, tanto é que, ainda no governo
Bush, isentou-se a exploração do xisto do atendimento das questões ambientais
relacionadas com essa exploração. Eles têm um ato específico sobre a água
potável, mas quando se trata de xisto essas determinantes não precisam ser
atendidas. Isso realmente chama a atenção para esta ânsia de explorar o gás não
convencional.
IHU On-Line – Cada poço a ser explorado exige
o uso de 15 a 30 milhões de litros de água. O que esse dado significa?
Luiz Fernando Scheibe – Não é que seja tanta água assim. Isso
significa, em média, três piscinas olímpicas. O problema é que essa água volta
extremamente contaminada e tem de ser tratada. Agora, em outras áreas do país
em que temos pouca água, como na Bacia do Paranaíba, por exemplo, que é uma das
bacias que está sendo leiloada, essa água pode fazer a diferença no período da
seca.
Luiz Fernando Scheibe - O processo é tecnologicamente muito complexo.
Nos EUA existem poços com 1.500, até 2.000 metros de profundidade. Quando se
chega próximo da camada que contém esse gás, eles derivam esses poços do
vertical para o horizontal e furam horizontalmente dentro da rocha. Por ser uma
rocha impermeável, só tem gás dentro dela. Em cada perfuração, são feitos de 8
a 10 poços horizontais, como se fosse abrindo um leque dentro da rocha. Depois
disso, é introduzido um sistema de água comprimida e feita uma espécie de
explosão de pressão, e essa explosão abre fraturas na rocha. A rocha, que era
impermeável, torna-se permeável e deixa o gás sair.
Agora, temos de
considerar que essa captura é produzida em um raio muito pequeno em relação ao
furo original. Então, as primeiras extrações talvez estejam conseguindo
explorar todo o gás que tem naquela área. Mas, quando esses poços vão ficando
mais distantes uns dos outros, existem partes da rocha que não estão sendo
fraturadas. Então, de certa forma, eles estão fazendo uma “lavra ambiciosa”,
porque só extraem o gás que pode ser retirado facilmente, deixando uma
quantidade enorme de gás na rocha.
Logo, a extração do
gás convencional deixará de ser econômica, porque vai ser muito caro fazer uma
nova fratura para simplesmente utilizar aquele gás remanescente. Então,
trata-se de um processo bastante complexo, que envolve essas perfurações e o
fraturamento hidráulico.
IHU On-Line – Qual o valor econômico do gás
não convencional?
Luiz Fernando Scheibe – Dizem que estão produzindo o gás a um terço do
seu valor internacional. Mas a grande produção de gás de um poço desses se dá
apenas no primeiro ano. Depois disso, se produz muito pouco gás. Esses dados,
inclusive, estão disponíveis no material da ANP. A questão é saber se o período
de pagamento do investimento é tão rápido assim.
Outra questão
importante é saber o que fazer com esse gás quando ele atinge a superfície. Os
Estados Unidos têm uma rede de gasodutos muito grande, diferente do caso
brasileiro, em que a rede só compreende o Leste do país. Além disso, o gasoduto
brasileiro vem da Bolívia, depois vai para São Paulo e, depois, para o Sul.
Quer dizer, não tem condições de colocar mais gás nesse gasoduto. Então é
necessário que haja uma estrutura de aproveitamento desse gás.
Um artigo que li
recentemente diz que no estado de Kentucky, nos Estados Unidos, durante um ano
inteiro, mais de 40% do gás produzido foi queimado porque não havia condição
técnica de aproveitamento. Então, querer começar a explorar o xisto no Brasil,
sem uma infraestrutura adequada, sabendo que se trata de uma exploração
controlada e que toda a grande produção é feita no primeiro ano, é querer se
arriscar a produzir o gás e não ter o que fazer com ele. Ou seja, a Petrobras
pagaria por um gás que não será consumido.
IHU On-Line – A França e a Bulgária proibiram
a extração do xisto. Como a extração foi tratada nesses países?
Luiz Fernando Scheibe - Pelo que entendi aconteceu uma grande
mobilização popular que repercutiu nos parlamentos, os quais assumiram a
posição de que não seria o momento de aderir ao xisto. Mas isso não acontece só
na França e na Bulgária. Existem muitos estados norte-americanos que proibiram
a extração do xisto. Nova York, por exemplo, proibiu, e ela fica ao lado da
Pensilvânia, onde é o paraíso do xisto.
No Canadá, alguns
estados abriram a porta para o xisto, mas outros, como Ontário, também
proibiram o gás. Na África ainda estão discutindo o tema, e na Alemanha não
estão explorando. Na Inglaterra, estão tentando fazer as primeiras perfurações
e a população está tentando impedir. Então, no mundo todo há um movimento
contra isso.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Luiz Fernando Scheibe - Gostaria de acrescentar que há um grupo
grande de cientistas que trabalham diretamente com a questão da água e que
estão legitimamente muito preocupados com a possibilidade de autorização da
exploração do xisto no Brasil, sem que tenhamos uma definição clara dos
prejuízos que isso irá causar para os aquíferos. Praticamente todas as figuras
que vemos da exploração nos Estados Unidos mostram que eles estão preocupados
com os aquíferos mais superficiais, com os aquíferos freáticos. (ecodebate)
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