Indústria do Gás de Xisto é nova frente de riscos
exploratórios e conflitos
Os gases das camadas de xisto, em profundidades entre dois mil e mais de
três mil metros, vêm sendo extraídos em várias bacias sedimentares pelo mundo
afora por um método que os norte-americanos popularizaram como fracking, uma
corruptela de hydraulic fracturing, ou seja, fraturamento hidráulico.
Mesmo sem ser especialista nessas técnicas de perfuração e produção de
gás, considero esta uma tecnologia do tipo “raspar o fundo do tacho”, “torcer a
toalha até a última gota”.
Objetivamente, pode-se indicar com alguma precisão, por meio de levantamentos
sísmicos e modelos computacionais, onde está e quais as dimensões de cada
camada rochosa de xisto, que é uma espécie de carvão mineral e, como este,
contém hidrocarbonetos gasosos em seus poros, interstícios e óleos entranhados.
Mas… não se pode saber o quanto existe nem quanto pode ser coletado do
tipo similar ao gás natural, com boa proporção de metano (CH4), de interesse
comercial já estabelecido.
Bota prá quebrar: atrás do xisto
O fracking pode ser assim resumido:
- no ponto escolhido para perfuração – que pode estar numa fazenda, numa
comunidade rural, numa área protegida, no subúrbio de uma cidade –, montam-se
torres com brocas, constroem-se galpões e tanques para os insumos,
estacionam-se caminhões especiais e outras máquinas pesadas, como geradores e
compressores, funcionando 24 horas por dia.
- gasta-se uma enorme quantidade de borra composta de água, areia
refinada e produtos químicos variados, e também uma boa proporção de
combustível e eletricidade para poder retirar restos de hidrocarbonetos gasosos
entranhados nas camadas de xisto por meio de um procedimento invasivo
destrutivo: aumentar e ampliar as fissuras, fraturar as rochas, quebrá-las de
modo praticamente incontrolável, introduzindo essa borra química sob pressão em
uma tubulação vertical, até alcançar a “rocha-mãe” do xisto, e depois,
perfurando-a na horizontal, entrando no miolo da rocha, botando pra quebrar!
- a borra retornada para a superfície é uma espécie de salmoura
contendo os gases que interessam, que são separados, tratados e despachados por
gasodutos até os centros de consumo.
- a borra contém compostos químicos contaminantes e deveria ser tratada
em estações específicas, caras, e cujo subproduto também é de difícil
destinação; muitas vezes a opção das empresas é estocar a borra de retorno em
bacias de rejeito na superfície (como as da mineração) e depois
fazer a reinjeção no subsolo; aí reside um dos grandes riscos aos lençóis
freáticos e aos poços artesianos – os compostos químicos podem migrar no
subsolo e atingir grandes profundidades, com o que também os aquíferos
profundos correm risco de contaminação.
Mundo afora: resistências à velocidade do fracking e os impactos sociais
e ambientais
Pelo mundo afora, o fracking se amplia vorazmente e, junto com
ele, reclamações, desconfianças, protestos e tentativas de enquadrar, controlar
as consequências, restringir a atividade nos EUA, Argentina, Tunísia, Argélia,
Espanha, França, Ucrânia, dentre outros.
Nos EUA, estima-se que 90% dos poços de gás natural sejam do tipo
faturamento hidráulico, respondendo por cerca de 25% da produção total de GN.
As principais operadoras são as nossas conhecidas Exxon Mobil, BP, Conoco
Phillips, Chevron e as menos conhecidas Cheseapeke Energy, considerada a maior
operadora internacional de gás de xisto, mais a Anadarko, Devon, Southwestern e
outras cujos nomes que certamente estarão no Brasil nas rodadas de licitações
da ANP.
Um dos sites que melhor acompanham a luta política e os movimentos
sociais naquele país, o “Truthout”, mantém aberto um dossiê para
acompanhar os protestos e manifestações públicas nos 31 Estados onde as
perfurações avançaram nos últimos anos - http://truth-out.org/news/item/8740-gas-rush-fracking-in-depth
Ali se pode saber das propostas do governo do Estado de Nova York
para interditar a atividade em áreas próximas das captações de água para
as cidades e nas terras públicas.
Em muitos outros locais, há suspeitas de que a ampliação do fracking
possa comprometer o suprimento público de água, e há ainda alguns casos
famosos em áreas rurais com poços artesianos, onde a água da torneira pega
fogo…
Outras matérias tratam das manobras legislativas e tributárias das
operadoras que não estariam pagando os royalties devidos aos proprietários dos
locais de perfuração e aos governos.
Além disso, as empresas não revelam, resistem a informar ao próprio
governo exatamente quais compostos químicos entram na lama de perfuração, e
fazem lobby constante para afrouxar requisitos ambientais, licenciamentos pela
agência EPA e para rebaixar os padrões de contaminação da água e do subsolo.
As poucas pesquisas tornadas públicas mostram níveis elevados de
contaminação da água subterrânea por metais pesados; por exemplo, na
Pensilvânia, entidades médicas reivindicam do governo estadual que faça estudos
dos efeitos sobre a saúde pública antes de autorizar as perfurações.
Problemas também se somam nas áreas de extração de areia, onde dunas e
morros são desmontados rapidamente para suprir o insumo mais ponderável da
borra de fraturamento. E o cerco do shale gas vai apertando:
áreas suburbanas também vão sendo perfuradas, com problemas ainda maiores
afetando moradores, suas atividades produtivas e o funcionamento dos serviços
coletivos.
No Estado de Ohio, há evidências de que tremores de terra e pequenos
terremotos estariam sendo provocados pelo fracking. Pode-se ver a
respeito, no mesmo site “Truthout”, a investigação do jornalista Mike Ludwig: http://truth-out.org/news/item/10606-special-investigation-the-earthquakes-and-toxic-waste-of-ohios-fracking-boom
Outros informes bem detalhados podem ser obtidos no site “ProPublica
Journalism in the public interest”, cuja linha principal é acompanhar os casos
de saúde pública, os problemas das coberturas de saúde pública e privada, as
relações entre médicos e laboratórios e outros casos de ética médica. E que
também colocou em destaque uma série especial sobre a rápida expansão do fracking
em tantas localidades norte-americanas - http://www.propublica.org/series/fracking
No Canadá, províncias como British Columbia e Alberta oferecem
vantagens para empresas perfurarem, enquanto na província de New Brunswick, em
17 de outubro desse ano, uma tropa de duzentos homens da Polícia Montada canadense
reprimiu com violência grupos indígenas que protestavam contra o fracking,
bloqueando a rodovia de acesso à empresa petrolífera Southwestern em suas
terras – http://www.truth-out.org/news/item/19496-canadian-police-use-military-tactics-to-disperse-indigenous-anti-fracking-blockade
O enfrentamento na Argentina versus passividade brasileira
Na vizinha Argentina, o desembarque de las petroleras na busca
do gás de xisto foi recebido com bastante resistência em várias localidades,
como no caso das províncias de Chubut, Entrerios, Neuquén, Mendoza. Por conta
dos problemas da indústria petrolífera no país, que persistem há décadas, uma
frente de entidades de populações atingidas e de militantes mantém
o excelente site “Observatório Petrolero Sur” - http://www.opsur.org.ar/blog/
Monitorando de perto os desmandos e manobras da indústria e mobilizando
campanhas nacionalmente, já editou o segundo número de uma revista
chamada Fractura expuesta – cujo editorial qualifica a expansão
do gás de xisto naquele país como uma Blitzkrieg , uma guerra
relâmpago. Interessante que o fato de a YPF ter sido retomada pelo governo de
Cristina Kirchner, expropriando a espanhola Repsol, parece não alterar a
disposição da frente anti-petroleiras – o que no Brasil seria considerado uma
heresia, imaginem! questionar a Petrobrás.
“Transcurrido un año de la expropiación a Repsol, la formación Vaca
Muerta sigue siendo un horizonte: lo que la empresa no pudo avanzar en la
explotación, por falta de recursos financieros y tecnológicos, lo hizo en el
plano publicitario, no sólo presentándose como una alternativa confiable para
el desarrollo nacional, sino como posibilidad de ahorro ante la inflación y el
cepo al dólar. También ganó en publicidad lanzando al ruedo otras formaciones
que se suman a la batalla por una “Argentina Potencia no convencional”: las
formaciones Pozo D-129 y Aguada Bandera, estrellas de la Cuenca del Golfo San
Jorge; Los Molles, Agrio y Las Lajas, en la Cuenca Neuquina, con menos prensa
que su par bovina; Cacheuta, en Mendoza, la guarnición novedosa del banquete de
Chevron; y Los Monos, en Salta, precalentando para entrar a la cancha” – http://www.opsur.org.ar/blog/2013/07/04/descargate-invasion-fracking-el-segundo-numero-de-fractura-expuesta/
No mesmo editorial, o pessoal do Opsur ressalta a entrada da Chevron em
território argentino com essa tecnologia de faturamento como parte de uma
estratégia das oil sisters na ótica da chamada segurança energética…
dos EUA. Uma das matérias da revista trata da atuação intensa do Departamento
de Estado dos EUA, que propagandeia a “revolução dos não-convencionais” e
instrumenta intercâmbios e programas de capacitação com diversos países. Outra
matéria destaca as idas e vindas desde a primeira proibição parcial do fracking
em 2011 pela Assembleia Nacional francesa, até a tramitação, em 2013, de um
novo projeto de lei apresentado por um deputado da maioria
socialista-ecologista de François Hollande, para ampliar o conceito de faturamento
hidráulico e proibi-lo de forma geral.
Aqui também os contrastes com o Brasil são inevitáveis, e de novo
ficamos em inferioridade: o governo nada socialista de Rousseff e Temer jamais
proibiria qualquer expansão projetada pela indústria petrolífera. A Chevron fez
o que fez no campo de Frade, Rio de Janeiro, de certo modo foi acobertada pela
Petrobras e, desde o início, francamente blindada pela grande mídia.
Passado um ano e pouco, na prática, a Chevron ficou impune e está de novo
posando como parceira em importantes projetos considerados de interesse
nacional – a ver nos próximos dias, em quantos dos blocos da 12a.
rodada ela vai se apresentar e levar a prenda.
Enfim, a conjuntura brasileira de novembro de 2013 será marcada pela 12a
rodada de licitações da ANP. O fracking é denominado marotamente
de “não convencional”, e seriam “leiloados” duzentos e quarenta blocos
territoriais com áreas variando de dezenas de km2 até mais de dois
mil km quadrados, nos Estados do Acre, Amazonas, Piauí, Maranhão, Goiás,
Tocantins, Sergipe, Alagoas, Bahia, Mato Grosso. No caso do Oeste de São Paulo
e do norte do Paraná, é sabido que no subsolo dessa região, que a
ANP chama de Bacia sedimentar Paraná, encontra-se o valioso Aquífero
Guarani, com vários trechos de afloramento e de recarga em áreas onde a invasão
fracking se prepara.
Último ponto, e motivação principal desse artigo: os questionamentos
vindos da oposição e da esquerda sobre as decisões de governo e da agência
reguladora são sempre de ordem econômica, da renda petrolífera, e relativos à
soberania. São em geral críticas justas, pertinentes, mas parece que seus
autores não sabem – ou, se sabem, não dão valor - dos graves e
disseminados problemas de poluição e de riscos de acidentes.
Também é como se não existissem as numerosas situações de desrespeito
aos direitos humanos e políticos, que caracterizam a espoliação das populações
residentes nas áreas eleitas para sediar os projetos de prospecção, exploração
e as infraestruturas dessa toda poderosa indústria petrolífera.
Mais que nunca, é uma indústria sem pátria, corruptora de autoridades e
de pesquisadores, modeladora das pautas da mídia, incansavelmente
antidemocrática. Agora, ela vai botar pra quebrar com o gás de xisto.
Que sejam ouvidos pelos de mente aberta, que sejam benvindos às nossas
lutas aqueles que criticarem, resistirem e enfrentarem o fracking.
(ecodebate)
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