Cientistas querem adiar exploração do gás xisto nas bacias
hidrográficas brasileiras
Ambientalistas e
pesquisadores temem os estragos ambientais. Posicionamento da SBPC e da ABC foi
registrado em carta.
A exploração do gás
xisto nas bacias hidrográficas brasileiras, principalmente na região Amazônica,
segue na contramão de países europeus, como França e Alemanha, e algumas
regiões dos Estados Unidos, como o estado de Nova York, que vêm proibindo essa
atividade, temendo estragos ambientais, mesmo diante de sua viabilidade
econômica. Os danos são causados porque, para extrair o gás, os vários tipos de
rochas metamórficas, chamadas xisto, são destruídas pelo bombeamento hidráulico
ou por uma série de aditivos químicos.
Enquanto a Agência
Nacional de Petróleo (ANP) mantém sua decisão de lançar em 28 e 29 de novembro
os leilões de blocos de gás de xisto, autoridades de Nova York, um dos
pioneiros na exploração desse produto, desde 2007, começam a rever suas
políticas internas. Mais radical, a França ratificou, recentemente, a proibição
da fratura hidráulica da rocha de xisto, antes mesmo de iniciar a extração
desse produto, segundo especialistas.
Cientificamente
batizado de gás de “folhelho”, o gás de xisto é conhecido também como “gás não
convencional” ou natural. Embora tenha a mesma origem e aplicação do gás
convencional, o de xisto se difere no seu processo de extração. Isto é, o
produto não consegue sair da rocha naturalmente, ao contrário do gás
convencional ou natural, que migra naturalmente das camadas rochosas. Para
extrair o gás do xisto, ou seja, finalizar o processo de produção, são usados
mecanismos artificiais, como fraturamento da rocha pelo bombeamento hidráulico
ou por vários aditivos químicos.
Ao confirmar os
leilões, a ANP afirma, via assessoria de imprensa, que a iniciativa cumpre a
Resolução CNPE Nº 6 (de 23 de junho deste ano), publicada no Diário Oficial da
União. Serão ofertados 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para
gás natural em sete bacias sedimentares, localizados nos estados do Amazonas,
Acre, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão,
Paraná, São Paulo, totalizando 168.348,42 Km².
Destino
O gás de xisto a ser
extraído dessas bacias terá o mesmo destino do petróleo, ou seja, será
comercializado como fonte de energia. No Brasil, o gás de xisto pode suprir
principalmente o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, onde a demanda é
crescente por gás natural, produto que esses estados importam da Bolívia.
Apesar do potencial
econômico, o químico Jailson Bitencourt de Andrade, ex-conselheiro da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), reforça seu posicionamento sobre
a importância de adiar os leilões da ANP e ampliar as pesquisas sobre os
impactos negativos da extração do gás de xisto, a fim de evitar as agressões ao
meio ambiente. “É preciso dar uma atenção grande a isso”, alerta o pesquisador,
também membro da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e da Academia Brasileira
de Ciências (ABC). “Mesmo nos Estados Unidos, onde há uma boa cadeia de
logística, capaz de reduzir o custo de exploração do gás de xisto, e mesmo que
sua relação custo-benefício seja altíssima, alguns estados já estão revendo suas
políticas e criando barreiras para a exploração desse produto.”
O posicionamento da
SBPC e da ABC
Em carta (disponível
em http://www.sbpcnet.org.br/site/artigos-e-manifestos/detalhe.php?p=2011), divulgada em agosto, a SBPC e ABC expõem a
preocupação com a decisão da ANP de incluir o gás de xisto, obtido por
fraturamento da rocha, na próxima licitação. Um dos motivos é o fato de a
tecnologia de extração desse gás ser embasada em processos “invasivos da camada
geológica portadora do gás, por meio da técnica de fratura hidráulica, com a
injeção de água e substâncias químicas, podendo ocasionar vazamentos e
contaminação de aquíferos de água doce que ocorrem acima do xisto”.
Diante de tal
cenário, Andrade volta a defender a necessidade de o Brasil investir mais em
conhecimento científico nas bacias que devem ser exploradas, “até mesmo para
ter uma noção da atual situação das rochas para poder comparar possíveis impactos
dessas bacias no futuro”. Nesse caso, ele adiantou que o governo, por
intermédio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência
Brasileira da Inovação (Finep), está formando uma rede de pesquisa para estudar
os impactos do gás de xisto.
Defensor de estudar
todas alternativas de produção de gás para substituir o petróleo futuramente, o
pesquisador Hernani Aquini Fernandes Chaves, vice-coordenador do Instituto
Nacional de Óleo e Gás (INOG), frisa, em contrapartida, que, apesar de eventuais
estragos das rochas de xisto, o uso desse gás “é ambientalmente mais correto”
do que o próprio petróleo. “Ele tem menos emissão de gás”, garante. “Precisamos
conhecer todas as possibilidades de produção, porque, além de irrigar a
economia, o petróleo é um bem finito que acaba um dia. O país é grande. Por
isso tem de ver as possibilidades de levar o progresso a todas às áreas.” Ele
se refere ao interior do Maranhão, uma das regiões mais pobres do Brasil e com
potencial para exploração de gás de xisto.
Sem querer comparar o
potencial de produção de gás de xisto dos EUA ao brasileiro, Chaves considera
“muito otimista” as estimativas da Agência Internacional de Energia dos EUA
feitas para o Brasil, de reservas da ordem de 7,35 trilhões de m³. Segundo Chaves,
o INOG ainda não fez estimativas para produção de gás de xisto no território
nacional. As bacias produtoras de gás de xisto, disse, ainda não foram
comprovadas. Em fase experimental, porém, o gás de xisto já é produzido pela
Petrobras na planta de São Mateus do Sul.
Ao falar sobre os
danos ambientais provocados pela extração do gás de xisto, Chaves reconhece
esse ser “um ponto controverso”. Por ora, ele esclarece que na Europa,
sobretudo França e Alemanha, não é permitida a extração do gás de xisto pelo
fato de o processo de exploração consumir muita água e prejudicar os aquíferos.
Além disso, em Nova York, onde a produção foi iniciada, a exploração também
passou a ser questionada. “Os ambientalistas não estão felizes com a produção
desse gás”, reconhece. “Na França, por exemplo, não deixaram furar as rochas,
mesmo sabendo das estimativas de produção de gás de xisto.”
Esclarecimentos da
ANP
Segundo o comunicado
da assessoria de imprensa da ANP, as áreas ofertadas nas rodadas de licitações
promovidas pela ANP são previamente analisadas quanto à viabilidade ambiental
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) e pelos órgãos ambientais estaduais competentes. “O objetivo desse
trabalho conjunto é eventualmente excluir áreas por restrições ambientais em
função de sobreposição com unidades de conservação ou outras áreas sensíveis,
onde não é possível ou recomendável a ocorrência de atividades de exploração e
produção (E&P) de petróleo e gás natural”.
Para todos os blocos
ofertados na 12ª rodada de leilões, segundo o comunicado, houve a “devida
manifestação positiva do órgão estadual ambiental” competente. “A ANP, apesar
de não regular as questões ambientais, está atenta aos fatos relativos a esse
tema, no que tange à produção de petróleo e gás natural no Brasil. Nesse
sentido, as melhores práticas utilizadas na indústria de petróleo e gás natural
em todo o mundo são constantemente acompanhadas e adotadas pela ANP”, cita o
documento.
A ANP acrescenta:
“Como o processo regulatório é dinâmico, a ANP tomará as medidas necessárias
para, sempre que pertinente, adequar suas normas às questões que se
apresentarem nos próximos anos para garantir a segurança nas operações.”
(ecodebate)
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