‘Gás não convencional’, também conhecido como o ‘gás do
xisto’ – Grandes reservas e polêmica
Fracking (fratura
hidráulica)
Sequer comentado ou
até mesmo citado anteriormente pelo governo, veio à tona no debate energético o
possível interesse do país na exploração do “gás não convencional”, também
conhecido como o “gás do xisto”.
O pesquisador Colombo
Celso Gaeta Tassinari, doutor em Geoquímica e Geotectônica pela Universidade de
São Paulo – USP esclarece que “o termo gás de xisto está errado, apesar de ser
usado largamente pela imprensa. Xisto é uma rocha que não tem nem gás nem óleo.
O nome correto é gás não convencional”.
A Agência Nacional de
Petróleo (ANP) já teria manifestado interesse em pesquisar e explorar esse tipo
de gás. Já se sabe que o país está entre os maiores detentores mundial de
reservas do gás do xisto. A ANP pretende realizar em novembro um leilão sobre a
exploração desse gás. As bacias cotadas para entrar nesta rodada são a do
Parecis (MT), do Parnaíba (entre Maranhão e Piauí), do Recôncavo (BA), além das
bacias do rio Paraná (entre Paraná e Mato Grosso do Sul) e do Rio São Francisco
(entre Minas Gerais e Bahia).
Amplamente produzido
nos Estados Unidos e proibido em países da Europa, a exploração desse gás é
envolta em grande polêmica.
Fraturamento
hidráulico e impactos ambientais
O “gás não
convencional” exige modo pouco convencional de exploração e é considerado
invasivo: o fraturamento hidráulico (fracking) de rochas. A tecnologia consiste
na perfuração de poços horizontais, a partir de poços verticais (de cada poço
vertical derivam vários horizontais, em diversas direções), e no fracionamento
da rocha sedimentar por meio de explosões controladas, seguido de injeção de
uma mistura de água, areia e produtos químicos. O processo começa com uma
perfuração até a camada rochosa de xisto. Após atingir uma profundidade de mais
de 1,5 mil metros, uma bomba injeta água com areia e produtos químicos em alta
pressão, o que amplia as fissuras na rocha. Este procedimento liberta o gás
aprisionado, que flui para a superfície e pode então ser recolhido.
A polêmica diz
respeito aos impactos ambientais que pode provocar: contaminação da água e do
solo, riscos de explosão com a liberação de gás metano, consumo excessivo de
água para provocar o fracionamento da rocha, além do uso de substâncias
químicas para favorecer a exploração. Há ainda há a preocupação de que a
técnica possa estimular movimentos tectônicos que levem a terremotos.
No Brasil, em
entrevista exclusiva ao IHU Luiz Fernando Scheibe, doutor em Ciências de
Mineralogia e Petrologia, comenta que “há um grupo grande de cientistas que
trabalham diretamente com a questão da água e que estão legitimamente muito
preocupados com a possibilidade de autorização da exploração do xisto no
Brasil, sem que tenhamos uma definição clara dos prejuízos que isso irá causar
para os aquíferos”.
Segundo ele, “a
comunidade científica brasileira solicitou que o xisto seja excluído do leilão
energético programado para os dias 28 e 29 de novembro”. O geólogo comenta que
“os especialistas argumentam que é preciso estudar com calma as variáveis que
estão contidas na exploração”. Na avaliação do pesquisador, a extração do gás
não convencional “gera problemas ambientais sérios tanto do ponto de vista da
contaminação do metano, como da contaminação da água que se utiliza para fazer
o fraturamento hidráulico”. E acrescenta: “Querer começar a explorar o xisto no
Brasil, sem uma infraestrutura adequada, sabendo que se trata de uma exploração
controlada e que toda a grande produção é feita no primeiro ano, é querer se
arriscar a produzir o gás e não ter o que fazer com ele. Ou seja, a Petrobras
pagaria por um gás que não será consumido”.
Copiar os EUA?
Na opinião do
pesquisador, essa onda de exploração do gás do xisto começou no EUA. Afirma
Scheibe: “Todos sabem que os EUA sempre foram extremamente dependentes de
fontes externas de energia, por causa do consumo alto de energia no país. Os
EUA se consideram meio ‘donos’ do mundo e da possibilidade de intervir em
qualquer lugar em que os interesses deles, principalmente os energéticos, se
encontrarem ameaçados. Essa dependência dos fatores externos fez com que eles,
ao se depararem com essa nova tecnologia do fraturamento hidráulico através de
perfurações direcionadas, se jogassem nesse novo sistema”.
Então, diz ele, “a
extração do xisto, no caso deles, passa primeiro por uma questão econômica no
sentido de que, aparentemente, é um pouco mais barato explorar o xisto. Mas
passa também, e principalmente, pela dependência que eles têm das fontes
externas de petróleo e pelo fato de eles não precisarem mais ter essa
preocupação tão exacerbada com essas fontes”.
A pesquisadora
ambiental Suzana Padua também entrevistada pelo IHU, tem a mesma opinião do
geólogo Luiz Fernando Scheibe. Segundo ela, “copiar um país como os EUA, que
vem buscando meios de alavancar sua economia com práticas que podem ser danosas
para o meio ambiente, não me parece ser prudente. A falta de estudos prévios e
de uma visão de longo prazo são fatores que preocupam os especialistas nesta
área. Foi assim com os agrotóxicos, os transgênicos e tantas outras
‘tendências’ danosas que se implantaram em nosso país – e agora é a vez do
xisto”.
Para ela, “o Brasil
copia, adota e depois se torna campeão de uso, dependente das grandes empresas
multinacionais que são as fabricantes desses produtos nocivos ao meio ambiente
e à saúde humana, mas depois tem de lidar sozinho com as consequências nefastas
que permanecem em nosso território”. Alerta a pesquisadora, “o fato é que
muitas medidas que parecem boas para a economia podem ser danosas ao meio
ambiente, como o próprio gás de xisto”.
Suzana Padua destaca
que “a eficácia nas perfurações horizontais e o procedimento de fraturar a
rocha, conhecido como ‘fracking’, injeta, sob alta pressão, grandes quantidades
de água, explosivos e substâncias químicas”. Segundo ela, “é nesse processo que
ocorrem vazamentos e a contaminação de aquíferos de água doce, que estão
localizados acima do xisto. Trata-se, portanto, de uma tecnologia que se baseia
em processos invasivos da camada geológica portadora do gás, por meio da
fratura hidráulica (shale gas fracking), que resulta em danos ambientais ainda
não totalmente conhecidos, mas que podem ser irreversíveis”.
Na Inglaterra,
recentemente, manifestações em Balcombe, no interior do país, contra o
fracking, mobilizaram a opinião pública.
A pesquisadora
comenta que a exploração do gás do xisto, “causa impactos ambientais, que podem
ser irremediáveis, o que já foi observado nos locais em que vem sendo extraído.
Por conta disso, há países que têm evitado entrar na onda de explorar o xisto,
mesmo perdendo a chance de ganhar divisas econômicas. Outros, que querem
entrar, vêm encontrando barreiras com a opinião pública, como ocorreu
recentemente no Reino Unido, quando a população manifestou-se fortemente contra
essa prática”.
Aqui vale recordar
que na Inglaterra, recentemente, manifestações em Balcombe, no interior do
país, contra o fracking, mobilizaram a opinião pública.
Por sua vez, a Igreja
da Inglaterra, cujo primaz Justin Welby, arcebispo de Canterbury, atuou na
indústria petrolífera antes de se ordenar presbítero, criou uma gradne celeuma
quando manifestou a abertura da Igreja Anglicana ao “fracking”. A Igreja Anglicana
criticou aqueles que se opõem “univocamente” ao fraturamento hidráulico, “sem
‘se’ e sem ‘mas’”, acusando-os de se esquecerem dos pobres e dos benefícios que
eles podem obter com os novos recursos, começando pela calefação a preços muito
mais baixos.
Mas nem todo mundo
parece estar de acordo, mesmo entre os anglicanos: antes da publicação da
declaração oficial, a diocese de Blackburn havia avisado os seus fiéis que
fracking poderia pôr em perigo a “magnífica criação de Deus”.
Mesmo nos Estados
Unidos problemas ambientais já levaram Estados de Nova York, da Pensilvânia e
do Texas a introduzir regulamentações mais exigentes. Na França a exploração de
gás de xisto foi proibida.
O Brasil parece estar
disposto a entrar nessa área de exploração. Segundo o geólogo Luiz Fernando
Scheibe “os leilões – previstos para os dias 28 e 29 de novembro – seriam
dedicados exclusivamente à exploração de gás convencional dentro do continente,
porém, cada vez mais, aparentemente, também serão voltado para a extração do xisto,
uma vez que nas colocações do pré-edital e do contrato há inúmeras menções ao
xisto. Embora se diga que essa exploração será mais controlada, somente por
volta da página 50 do edital aparece a expressão ‘meio ambiente”, destaca ele.
O modelo de contrato,
segundo Scheibe, “é mais ou menos o mesmo aplicado em outras vendas de áreas
para petróleo. O Estado está leiloando grandes áreas e as empresas se habilitam
para fazer essa exploração. Elas precisam apresentar um cadastro e mostrar que
têm capacidade científica para realizar a extração, mas basicamente devem
mostrar que têm capacidade econômica para fazer. O pré-edital divide as
empresas em três categorias: aquelas que têm capacidade científica; aquelas que
têm capacidade científica limitada; e as que não têm capacidade científica.
Neste último caso, supõe-se que essas empresas, caso sejam detentoras das áreas
para poder explorar, irão procurar essa capacidade científica com parceiros”.
A tendência é que se
interessem pelos editais empresas de fora que detém a tecnologia de
fraturamento hidráulico (fracking) na exploração do gás não convencional.
O que anima o Brasil
a entrar na exploração do gás do xisto são suas amplas reservas. “Sabemos que
essas rochas que contêm o gás ocorrem numa área muito grande no Brasil: nas
regiões Sul e Sudeste, num contexto geológico que chamamos de Bacia do Paraná,
em Minas Gerais e na Bahia, na Bacia do São Francisco, na Amazônia, no
Nordeste, no Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte. Não sabemos exatamente o teor
de gás de cada uma dessas regiões, porque ele pode variar. A princípio,
trata-se de uma reserva importante”, afirma Colombo Celso Gaeta Tassinari
doutor em Geoquímica e Geotectônica pela Universidade de São Paulo – USP.
“O Brasil não precisa
disso”
A pesquisadora
ambiental Suzana Padua na entrevista ao IHU comenta que “o Brasil é um dos
poucos países do planeta a ter uma posição confortável em termos de recursos
naturais. Por isso, deveria estar ditando regras, e não cedendo a pressões
econômicas internacionais”.
Segundo ela, “o
Brasil parece querer progresso a qualquer custo. Ainda não acordou para o
grande valor do que temos em nosso território em termos de biodiversidade e
outras riquezas naturais. Deveríamos estar investindo maciçamente em tecnologias
sustentáveis e salvaguardando nosso patrimônio natural. Temos feito
o inverso, o que é uma lástima”.
A ambientalista
alerta que “uma vez que a natureza seja impactada, jamais retorna ao estado
original. Mesmo em casos de sucesso, como a recuperação de áreas degradadas, ou
a despoluição de rios, por exemplo, o resultado final jamais alcança a
diversidade do que havia originalmente. São bilhões de anos de evolução para se
ter a vida encontrada em biomas como os encontrados no Brasil, mas para se
destruir é rápido”.
Para o coordenador do
programa Mudanças Climáticas e Energia da organização ambientalista WWF-Brasil,
Carlos Rittl, os aspectos sociais e ambientais estão sendo totalmente ignorados
no debate sobre o gás do xisto: “o único argumento por trás da exploração é o
econômico”, observa. “Essa tecnologia não se provou segura em nenhum lugar do
mundo”, afirma.
Segundo ele, “o
Brasil é muito abundante em fontes de energia de baixo impacto. O governo
investe muito menos em energia eólica e solar, em aproveitamento da própria
biomassa da cana-de-açúcar e de resíduos de madeira, por exemplo”, considera.
A própria ANP
reconhece a falta de estudos sobre os impactos ambientais da prática: “O tema
fraturamento hidráulico tem causado alvoroço na imprensa mundial, pois seus
riscos não foram esclarecidos plenamente”, admitiu a assessoria de imprensa da
entidade recentemente. Na avaliação da ANP, o método possibilita aumentar a
produção de gás natural, mas ainda apresenta altos custos e complexidade nas
operações.
Enfim, cabe a
provocação aos movimentos sociais se não é necessário e urgente inserir este
tema na agenda estratégica das lutas sociais e ambientais. Ou seja, será que o
‘no fracking’ não seria uma bandeira de luta mais do que urgente antes que se
embarque nesta canoa? (ecodebate)
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