A natureza gastou
entre 50 e 300 milhões de anos para desenvolver os estoques mundiais de
combustíveis fósseis. Mas, desde que Edwin Laurentine Drake, em 1859, perfurou
o primeiro poço para a produção de petróleo (a uma profundidade de 21 metros),
no estado da Pensilvânia, nos Estados Unidos, a humanidade já consumiu a metade
das reservas existentes e recuperáveis. Até o final do século XX, em 125 anos,
foram consumidos um trilhão de barris de petróleo. Calcula-se que outro trilhão
será gasto em 30 anos, segundo o Cambridge Energy Research Associates.
Foram os combustíveis
fósseis que possibilitaram a enorme produção de automóveis, os veículos de
transporte em massa e as máquinas que movimentam a indústria e o agronegócio
pelo mundo. A “revolução verde” não teria produzido tantos alimentos sem o
“ouro negro”. O grande salto econômico da civilização aconteceu em decorrência
da queima de carvão mineral, petróleo e gás. Sem esta fonte de energia
abundante e barata o mundo não pode continuar funcionando na maneira atual. Por
isto, qualquer crise energética assusta e o pico do petróleo é um anátema. A
grande esperança contemporânea do atual modelo de desenvolvimento petroficado
estava e está depositada na produção do petróleo não convencional e do gás de
xisto. Porém, as notícias recentes não são encorajadoras para o processo de
acumulação capitalista nesta área.
Em 2011, a
Administração de Informação de Energia (Energy Information Administration-EIA),
do Departamento de Energia dos EUA encomendou à INTEK Inc., uma empresa de
consultoria com sede na Virgínia, a estimativa da quantidade de óleo que
poderia ser recuperado a partir de vasta formação Monterey Shale da Califórnia.
A INTEK, em um relatório opaco apontou que o campo de Monterey poderia produzir
entre 13,7 e 15,4 bilhões de barris. A Universidade do Sul da Califórnia, em
seguida, passou a usar a cifra de até 15,4 bilhões de barris para calcular
lucros estupendos e grande arrecadação fiscal para o Estado da Califórnia, que
está completamente endividado.
Mas para a tristeza
geral dos desenvolvimentistas americanos e da indústria do petróleo, o jornal
Los Angeles Times informou, agora em maio de 2014, que as autoridades
energéticas federais reduziram em 96% a quantidade estimada de óleo recuperável
nos vastos depósitos de Monterey, esvaziando seu potencial para meros 0,6
bilhão de barris. Ou seja, em uma tacada, sumiram pelo menos 13 bilhões de
barris. Se as demais estimativas de produção de gás de xisto estiverem
sobrestimadas, as previsões de produção da EIA podem ser todas reduzidas, o que
significa um agravamento do cenário de escassez de energia fóssil nos próximos
anos. Seria o fim definitivo do sonho da independência energética dos EUA e o
começo de uma grande crise energética no mundo.
Os erros da
Administração de Informação de Energia (EIA) não são isolados e raros. Segundo
David Hughes, a produção de gás de xisto dos EUA está superestimada. Segundo o
geólogo: “The EIA is the elephant in the room when it comes to energy
statistics. Its data and forecasts are widely used by analysts and the media
and influence energy policy. There is no room for the significant scale of
errors and distortions reported herein".
O fato, é que a época
dos combustíveis fósseis abundantes e baratos está chegando ao fim. O petróleo
convencional já está em declínio desde 2005. O petróleo de águas profundas
(como o pré-sal) tem custos muito elevados. Se o gás de xisto não crescer na
expectativa da EIA, a crise virá mais cedo do que se esperava. Estamos entrando
em uma época de escassez e de restrição de oferta de energia extrassomática. Os
custos, provavelmente, devem se elevar, gerando crise social e recessão
econômica, pois toda vez que o preço da energia sobe há um efeito negativo
sobre o desempenho econômico. Estudos econométricos mostram que um aumento de
US$ 10 dólares no preço do barril significa uma diminuição de cerca de 0,5% no
crescimento do PIB mundial. Todas as recessões econômicas dos últimos 40 anos
foram precedidas pelo aumento do preço do petróleo, como mostra o gráfico
abaixo.
O Brasil e a América
Latina sofreram muito com a recessão econômica dos anos de 1980. A região
passou por anos difíceis e as condições sociais pioraram na chamada década perdida.
A recessão de 2009 não teve efeitos tão dramáticos, porque os Bancos Centrais
do mundo injetaram bilhões de unidades monetárias para estimular o crédito e o
consumo. O endividamento aumentou e as taxas de juros mundiais ficaram
artificialmente baixas, enquanto tem crescido a especulação financeira nas
bolsas de valores.
Porém, as análises
internacionais dizem que, dentre outras bolhas financeiras, uma “bolha de
carbono” pode aprofundar uma nova crise econômica mundial, pois os mercados
estão investindo pesado em reservas de combustíveis fósseis, mas devido ao alto
custo de extração e por serem incompatíveis com a segurança climática, podem
nunca vir a ser usadas. Segundo o instituto britânico Carbon Tracker, a “bolha
de carbono” é o resultado de um excesso de valorização pelos mercados globais
das reservas de carvão, gás e petróleo detidas por empresas de combustíveis
fósseis.
Uma análise do
desempenho econômico da indústria petrolífera mostra uma situação preocupante.
A estudiosa Gail Tverberg, atuária e decrescentista, com base em uma
apresentação de Steven Kopits, Diretor da Douglas-Westwood, mostra que as
grandes empresas de petróleo, de capital aberto, estão em dificuldade, pois
aumentaram as despesas de capital (Capex) – gastos como exploração, perfuração
e implantação de novas plataformas de petróleo offshore – mas tiveram a
producão de petróleo bruto reduzidas desde 2006. O mercado financeiro esperaria
que a produção de petróleo bruto subisse quando o Capex aumentasse, mas Kopits
mostra que, de fato, desde 2006, o Capex tem continuado a aumentar, mas a
produção de petróleo caiu. Ou seja, o dinheiro está indo para o “buraco”, mas o
petróleo não está saindo na proporção esperada. Desta forma, Tverberg
questiona: “Quem vai comprar todos esses ativos no mercado e a que preço?"
Portanto, o que
estamos vendo neste momento é a redução do que as empresas consideram petróleo
economicamente extraível e reservas provadas. O petróleo barato já foi extraído
e queimado e os novos campos requerem muitos recursos e a Energia Retornada
sobre a Energia Investida (EROEI) muitas vezes não compensa a exploração. A
produção de petróleo no oceano, distante da costa, na camada de pré-sal e em
águas profundas, adiciona custos altíssimos. A possibilidade de produzir, em grande
quantidade, gás de xisto (hydraulic fracturing and horizontal drilling), mesmo
para as reservas provadas, está esbarrando na falta de água e nos perigos de
contaminação dos lençóis freáticos. A Petrobras e as grandes empresas
petrolíferas estão endividadas e com o valor de suas ações desmilinguindo.
Assim, parece que a
falta de investimentos suficientes está prestes a jogar o sistema para baixo, o
que era basicamente o predito em “Limites do Crescimento”, de Dennis e Donella
Meadows. Um aumento ainda maior do preço do petróleo (que já está ao redor de
US$ 100,00 o barril) poderia estimular a elevação da atividade de perfuração.
Mas, por outro lado, a economia mundial não suportaria uma elevação dos custos,
desencadeando uma nova recessão econômica. O mundo está começando a entender e
reconhecer os limites da natureza, que sempre foi vista com uma coisa a ser
dominada e explorada pelo desenvolvimento econômico e o progresso humano.
A escola da economia
ecológica, por sua parte, sempre ensinou que a economia é um subsistema do
ecossistema e este é finito, não cresce do nada, é materialmente fechado e
tende para a entropia. A ideia de descolamento entre economia e recursos
materiais e energéticos não se comprovou verdadeira na prática. Tudo indica que
a era dos limites chegou e a curva exponencial será revertida. O
desenvolvimento atual tem gerado um “crescimento deseconômico”, com os custos
sendo maiores do que os benefícios, como afirmou Herman Daly. Ele completa:
“Precisamos decrescer até chegar a uma escala sustentável que, então,
procuramos manter num estado estacionário” (DALY, 2011). Também William Rees
mostra que o caminho para o equilíbrio entre demanda e oferta passa pelo
decrescimento econômico, pois a economia mundial ultrapassou a capacidade de carga
do Planeta.
Não existem muitas
alternativas para a escassez energética. A época “milagrosa” do “ouro negro”
está chegando ao fim e o aumento do preço da energia deve trazer para a cena
cotidiana o fantasma da recessão, do desemprego e do agravamento das condições
sociais. Desde 2010, a economia internacional tem se recuperado de forma lenta
e diversos países já sofrem na conjuntura atual, como os PIIGS (Portugal,
Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), Turquia, Síria, Egito, Ucrânia, Tailândia,
Argentina, Venezuela e, de certa forma, o Brasil. Há claramente um
decrescimento do ritmo de crescimento econômico internacional e um aumento das
incertezas. Provavelmente, nenhum país do mundo ficará de fora da próxima
recessão mundial.
Depois de 250 anos de
crescimento inigualável, desde o aperfeiçoamento da máquina a vapor (utilizando
combustível fóssil) por James Watt, em 1768, chegou a hora de colocar na agenda
internacional a questão do Estado Estacionário e o fim do crescimento ilimitado
da exploração das riquezas naturais. Parece que está chegando a hora da verdade
para a acumulação do lucro e o crescimento exponencial do consumo. Somente um
decrescimento planejado poderá evitar o caos. No futuro, uma economia estável
poderá vir a prevalecer após o mundo decrescer e fazer a pegada ecológica caber
dentro da biocapacidade da Terra, respeitando a diversidade das espécies
sobreviventes e as fronteiras planetárias. (ecodebate)