Falta de espaço para lixo atômico põe usinas de Angra em risco
Alerta é o TCU, que identificou saturação de depósitos para
rejeitos e combustível no município.
Funcionário da
Eletrobras observa o depósito 2B, que estará plenamente ocupado em 2018.
A usina nuclear
Angra 2, em Angra dos Reis, corre o risco de ser desligada em 2017 em razão da
saturação dos depósitos de rejeitos radioativos, segundo uma avaliação da
própria Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) — responsável por
fiscalizar o setor — remetida ao Tribunal de Contas da União (TCU). O mesmo
deve ocorrer com a usina Angra 1 em 2018 ou 2019. E Angra 3, um empreendimento
ainda em construção, pode deixar de entrar em operação por conta da crítica
situação de armazenamento dos rejeitos.
Uma auditoria do TCU
no sistema que guarda o lixo atômico descobriu o iminente esgotamento dos
depósitos de resíduos de baixa e média radioatividade e das piscinas que
recolhem o combustível usado, de alta radioatividade, decorrente da geração de
energia. O mais grave é que a construção do novo depósito e da nova piscina
está praticamente na estaca zero, um prenúncio da paralisia forçada do sistema.
O pente-fino dos
auditores transcorreu sob sigilo, prática comum quando se trata de assuntos
relacionados à política nuclear e aos órgãos federais envolvidos, a Cnen e a
Eletrobras Eletronuclear. No último dia 30, quando a auditoria foi submetida à
análise em plenário, o ministro relator, André Luís de Carvalho, derrubou o
sigilo, o que levou à transferência do processo da sessão secreta para a
aberta. O relatório foi aprovado, com a definição de um prazo de 90 dias para
que os órgãos responsáveis definam as providências.
A situação mais
crítica é a das piscinas para o destino final do combustível nuclear irradiado
nas usinas. A de Angra 2 se esgota em 2018 e a de Angra 1, em 2020. A
Eletronuclear precisará construir uma unidade de armazenamento complementar, o
que ainda não teve início, como concluiu o TCU. “Caso a unidade não esteja
licenciada e comissionada até 2018, possivelmente a geração elétrica das usinas
estará comprometida, uma vez que não poderão operar sem que exista a possibilidade
de armazenamento de seus combustíveis irradiados”, afirmam os auditores.
Os mesmos auditores
reproduzem uma tabela com a taxa de ocupação dos depósitos que abrigam rejeitos
de baixa e média radioatividade. Um deles estará totalmente ocupado neste ano. A
área de caixas não terá mais espaço em 2015. E, em 2018, um depósito com 2,3
mil tambores de lixo radioativo atingirá a capacidade máxima. Em média, os
depósitos conseguirão abrigar os rejeitos até 2020. Depois disso, a Cnen e a
Eletronuclear precisarão efetivar uma solução. Os materiais de baixa
radioatividade são papéis, plásticos, roupas e ferramentas usados nas usinas.
Os de média, filtros e resinas.
A informação sobre
um tipo de material colocado no depósito interno de Angra 2 despertou
preocupação nos técnicos que conduziram o pente-fino. A Coordenação de Rejeitos
e de Transporte de Materiais Radioativos e Nucleares (Corej) da Cnen apontou a
existência no espaço de “80 embalados de alto nível de radiação, representando
17,39% do total”. A Eletronuclear, estatal responsável pelas usinas, chegou a
afirmar que, na verdade, “existem 552 embalados de alto nível de radiação no
CGR (Centro de Gerenciamento de Rejeitos)”. Depois, no curso da auditoria, a
Cnen sustentou não existir esse tipo de material nas dependências das usinas.
O assunto é tão
controverso que, em resposta aos questionamentos do GLOBO, a Cnen disse ter
havido um “equívoco de classificação nos dados repassados ao TCU”. “Buscaremos
esclarecer junto ao tribunal. A Cnen tem conhecimento de todos os rejeitos
radioativos estocados nas usinas nucleares e afirma que não há rejeitos de alto
nível de radiação no local”, citou o órgão. A Eletronuclear também negou a
existência de “embalados de rejeitos de alta atividade”: “Todos os embalados
nos depósitos são de baixa e média atividade”.
Um dos motivos para
o TCU decidir fazer a auditoria, além dos riscos existentes numa área tão
sensível, foi o valor do dinheiro público a ser gasto com os rejeitos
radioativos: mais de R$ 1 bilhão. O transporte e a armazenagem dos resíduos a
serem transferidos custarão R$ 226 milhões. A nova piscina está orçada em R$
577 milhões. E o depósito, a ser construído numa cidade brasileira que se
disponha a abrigar o lixo, consumirá mais R$ 261 milhões.
O Repositório de
Rejeitos de Baixo e Médio Nível deveria atingir 45% do cronograma físico das
obras em 2015, conforme meta da Cnen, o que não se concretizará. Até agora, não
se escolheu nem a cidade que abrigará os rejeitos, mediante benefícios como
royalties. Quatro fatores são considerados críticos pelo TCU para a construção
do depósito: a escolha do local; o licenciamento ambiental e nuclear; a
contratação de terceiros; e a destinação de recursos no Orçamento da União.
Faltam depósitos
intermediários
A orientação do
governo federal foi para a Cnen selecionar terras de propriedade da União. Uma
área chegou a ser escolhida, mas o termo de cessão não foi assinado, conforme a
auditoria do TCU. “O processo de seleção do local é bastante complexo e
sensível à aceitação pública”, cita o relatório. A Cnen, em razão da reação
esperada por parte dos moradores das cidades previamente escolhidas, mantém o
mistério sobre a futura sede do depósito.
Em 2012, a 1ª Vara
Federal de Angra determinou que a União incluísse no orçamento recursos para a
construção do novo depósito. A Cnen, conforme a mesma sentença, deveria
apresentar o local do depósito em um ano. O órgão recorreu contra a decisão, e
os efeitos da sentença estão suspensos. Uma das condicionantes para a concessão
da licença ambiental a Angra 3 estabelece a necessidade de se resolver o
problema dos rejeitos de Angra 1 e 2. Por isso, os auditores do TCU entendem
que a usina pode ter o início do funcionamento adiado por conta do acúmulo de
resíduos.
A auditoria
constatou ainda que nenhum dos depósitos intermediários de rejeitos radioativos
no Brasil está “devidamente licenciado”. “Não há como garantir que estejam
cumprindo os requisitos e padrões de segurança recomendados pela AIEA (Agência
Internacional de Energia Atômica)”, diz André de Carvalho. Municípios que
abrigam rejeitos, como Angra e Rio, não estão recebendo as compensações
financeiras, o que só estaria ocorrendo com Abadia de Goiás, destino do lixo
radioativo resultante do acidente com o césio 137 em Goiânia, em 1987. Diante da
falta de estratégias expressas em lei ou norma sobre o gerenciamento de
rejeitos, o TCU determinou que se adotem providências para a tramitação de um
projeto sobre licenciamento de depósitos. (globo)
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