Após a saída dos Estados
Unidos do Tratado sobre Eliminação dos Mísseis de Alcance Intermediário e de
Menor Alcance - chamado de Tratado INF - em 2019, algumas consequências ainda
são sentidas. A saída unilateral teria colocado em perigo a estabilidade
estratégica global em segurança nucelar. Sergei Semyonov, coordenador do
programa "Rússia e não-proliferação nuclear", do PIR Center,
conversou com a Sputnik Brasil sobre como a saída dos norte-americanos
comprometeu a estabilidade estratégica global em segurança nuclear.
Coordenador relembrou o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário de 1987. Naquele ano, segundo ele, "foi possível eliminar completamente as duas classes mais desestabilizadoras de sistemas de mísseis, os mísseis de alcance intermediário e de menor alcance respectivamente", tais armas norte-americanos instaladas na Europa podiam atingir Moscou dentro de 7-8 minutos, "o que deixava muito pouco tempo para tomar uma decisão sobre retaliação ou seu adiamento em uma situação crítica", explicou o especialista.
Destroier de mísseis guiados norte-americano USS John S.McCain, da classe Arleigh Burke, transita pelo mar do Sul da China realizando operação de rotina.
"E agora que as
restrições contratuais à produção e implantação de tais mísseis foram
eliminadas, naturalmente aumenta o perigo de voltarmos à situação dos meados
dos anos 80, quando esses sistemas de mísseis foram implantados na Europa,
agora eles podem ser posicionados na Ásia nas imediações das fronteiras
russas", pontuou.
Nova corrida armamentista
Ele contou que a
justificativa dos EUA para saída do Tratado INF foi o "fator da
China" e agora alerta para um risco de uma nova corrida armamentista.
"A maioria das forças de
mísseis chinesas é representada por mísseis de médio e curto alcance, e
supostamente Washington precisaria dar uma resposta ao potencial de mísseis de
Pequim. Tudo isso levará a uma espiral constante: uma resposta às medidas dos
americanos, uma resposta às medidas dos chineses, digamos. Ou seja, se nós não
acordarmos quaisquer novas restrições, então vamos viver em um constante limbo
com risco de haver nova corrida armamentista", alertou.
De acordo com o tratado New
START, a Rússia e os EUA têm, até 1.550 ogivas nucleares. Enquanto a China,
segundo avaliações informais, tem cerca de 300. Por isso, a probabilidade de os
EUA colocarem seus mísseis na Ásia é desacreditada pelo especialista, que pensa
ser prematuro afirmar qualquer ação porque o "desequilíbrio é demasiado
evidente".
Retomada do Tratado INF
A retomada do tratado depende
da inserção da China. No entanto, Moscou afirmou não ter a capacidade de
conectar Pequim às negociações sobre os acordos de desarmamento nuclear, mas
Washington continuou insistindo no cumprimento desse requisito. De acordo com
ele, é preciso pensar no que os EUA podem propor à China.
"Por enquanto à China
não foram feitas tais sugestões às quais ela estaria interessada em responder.
Se falarmos do papel do fator chinês em todo este processo, a saída dos EUA do
tratado INF obviamente influenciou o planejamento militar chinês".
E continuou, "agora, na
comunidade de especialistas e na mídia está em andamento uma viva discussão
sobre a China ter começado a construção ativa de duas áreas de instalação de
lançadores de mísseis balísticos intercontinentais, o que em teoria pode lhe
permitir aumentar o arsenal de mísseis balísticos intercontinentais quase até
800 unidades. […] a China teme que os EUA criem nas proximidades das fronteiras
chinesas um potencial de primeiro ataque e estão tomando as medidas
correspondentes de prevenção", acredita Semyonov.
Pressão pela OTAN e governo
Biden
Segundo o coordenador, a
Rússia não violou os termos do Tratado INF e teria sido condenada injustamente
por pressão da OTAN por acusações infundadas dos norte-americanos sobre a
instalação de mísseis 9M729, supostamente proibidos pelo acordo. Ele conta que
os 9M729 nunca foram testados e que a Rússia teria adotado "medidas de
transparência sem precedentes, demonstrando o contêiner de lançamento deste
míssil aos adidos militares credenciados em Moscou", defendeu.
E aponta que por outro lado, os EUA é que deveriam ter sido enquadrados na definição de violação do acordo por uso de antimísseis, mísseis de alcance intermediário, de menor alcance ou seus elementos individuais e desenvolvimento ilimitado pelos EUA dos programas de veículos aéreos não tripulados equipados com meios de ataque, lista Semyonov referindo-se às proibições do acordo.
Caça F-15C Eagle da Força Aérea dos EUA disparando o míssil AIM-120 AMRAAM.
Presidente dos EUA Joe Biden
teria alterado a política de Trump apenas em relação ao New START, mas não
sobre o Tratado INF, sobre o assunto Semyonov diz acreditar que Biden agiu
"de acordo com o senso comum", já sobre os mísseis de alcance
intermediário e de menor alcance ele aponta que especialistas próximos aos
círculos democratas e à administração de Biden, "continuam convencidos de
que foi a Rússia que violou o tratado", alegando que a Rússia tinha
colocado os mísseis na Europa primeiro.
Ele explica que mesmo que o
governo Biden demonstre menor interesse na colocação imediata de mísseis na
região Ásia-Pacífico ainda há o potencial. Por isso a Rússia teria sugerido aos
EUA pensarem uma nova equação estratégica visando estabilidade global.
"No tocante às perspectivas, ainda talvez é difícil falar de qualquer novo tratado, porque estamos ainda começando o processo de negociações com os norte-americanos, e formalmente isso não é um processo negocial, mas consultas interdepartamentais, a primeira rodada das quais foi realizada dia 28/07/21 em Genebra", contou o analista.
Expectativas para os próximos passos
Ele espera que os EUA
continuem cumprindo a moratória sobre a instalação de tais mísseis, proposta
pela Rússia: "Vamos esperar que assim continue. Porque é sempre mais fácil
chegar a um acordo sobre o que não ainda foi instalado do que mais tarde chegar
a um acordo sobre procedimentos concretos de remoção, eliminação, verificação e
controle de todo este processo", crê.
No entanto, a priori, os
países da OTAN se opuseram a esta moratória alegando insistentemente que a
Moscou já instalou tais mísseis. Atitude que o especialista critica, afirmando
que é preciso "se afastar dessa posição de superioridade moral com
referência a alegados dados de inteligência irrefutáveis".
"Quem não quer falar com
Lavrov, vai falar com Shoigu", referindo-se respectivamente aos ministros
das Relações Exteriores e da Defesa russos.
Ele conta que o presidente Putin já instruiu na criação de versões terrestres de sistemas de mísseis antinavio Tsirkon. "Este é um cenário hipotético, por enquanto, mas a Rússia será forçada a garantir sua segurança já aplicando medidas técnico-militares, instalando os sistemas correspondentes", diz Semyonov. (sputniknews)
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