É
comum culparem a natureza pela atual crise energética que passa o País. De
fato, a estiagem prolongada atinge diretamente a produção da principal matriz
brasileira, que é a hídrica. No entanto, mirar apenas no céu para tentar
explicar o quadro só ajuda a encobrir os problemas que ocorrem em terra firme.
Especialistas alertam para a necessidade de novos rumos para o planejamento do
setor e mudanças na mentalidade de consumo e geração. A maior diversificação da
matriz energética é um exemplo de um conselho que, se tivesse sido seguido
pelas autoridades há alguns anos, deixaria hoje o Brasil numa situação de maior
segurança energética. A própria geração hidrelétrica segue um modelo que também
precisa ser reformulado, segundo especialistas que se dedicam a estudar o tema.
Por outro lado, o risco de racionamento poderia ser algo descartado, se
houvesse maior combate ao desperdício.
Erik
Rego, diretor executivo da consultoria Excelência Energética, propõe uma
mudança conceitual. Para ele, o atual modelo do setor elétrico tem como
principal erro “precificar” pura e simplesmente o kWh, sem levar em
consideração a capacidade no fornecimento e os prazos de conclusão de usinas e
redes de transmissão. Sem contar que, mesmo quando a geração é mais barata, a
distância entre as vazantes das represas e os polos de consumo muitas vezes
pode elevar o custo final. Um exemplo dessa distorção está na supremacia alcançada
pela Eletrobrás nos leilões de linhas transmissoras, sem que a estatal tivesse
real capacidade de entregar no prazo as instalações. O descompasso ficou claro
quando parques eólicos do Nordeste e a hidrelétrica de Teles Pires (MT) ficaram
prontos sem a necessária ligação com o sistema. “Temos que adequar o
planejamento de acordo com a realidade. Não adianta o setor estatal ganhar os
leilões com preço menor, se não tem condições de cumprir os prazos. No final,
acaba saindo mais caro”, argumenta Rego. Ele também critica a ênfase dada à
construção de grandes usinas na Amazônia, que acarretam fortes impactos
ambientais e a instalação de redes extensas para transportar energia para o
Sudeste. “Escolhemos um modelo de concentração de riscos”, afirma o especialista.
A
lógica até parece simples. Se a Amazônia concentra a maior parte da água doce
do território brasileiro, logo é para lá que devem se destinar os projetos de
geração hídrica. Mas na prática o silogismo é falho. O primeiro entrave está
nos conflitos provocados com as populações amazônicas. Belo Monte, no Pará,
acabou virando um ícone desses problemas, ao mobilizar até a classe artística
contra o projeto. Roberto D’Araújo, diretor do Instituto Ilumina, acredita que
a construção de usinas menores e mais próximas dos centros de consumo traria
maior racionalidade ao sistema. O especialista elenca uma série de vantagens
para esses projetos no tocante à aceitação pelas comunidades de seus entornos.
O uso dos reservatórios para pesca, transporte ou lazer são algumas delas. Ele
também defende uma participação maior das usinas eólicas e da microgeração
solar na matriz brasileira. “O preço da energia eólica cairia se o Brasil
também produzisse a parte eletrônica das torres e não somente suas pás. Por
outro lado, temos que dar subsídios para as pessoas instalarem painéis
fotovoltaicos nos telhados”, aconselha o especialista.
Se
a crise aumenta o calor da discussão, também favorece um maior entendimento
entre governo e sociedade. Pelo menos é o que garante o presidente da
Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia (Abrate),
Mário Dias Miranda. De acordo com ele, a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) está mais “sensibilizada” e buscando avanços para evitar fracassos em
leilões e atrasos na conclusão das linhas transmissoras. Miranda diz que as
empresas têm se queixado da demora na concessão de licenciamento
ambiental das instalações que atravessam diferentes estados e que caberia
à esfera federal. O setor também procura um alinhamento entre os editais de
leilão e as condições de financiamento. “É preciso atuar na causa e não no
efeito. Defendemos uma maior sincronia entre os leilões de geração e de
transmissão e maior atenção às mudanças de conjuntura. Os leilões têm que
refletir as condições da conjuntura econômica, como a taxa Selic e a margem de
participação do BNDES nos financiamentos”, afirma Miranda. Segundo ele, as
empresas do setor garantem índice de disponibilidade de quase 99,94%, apesar de
48% dos equipamentos estarem com a vida útil vencida. O monitoramento constante
de linhas e transformadores garantiriam a segurança desse sistema, mas não
elimina a necessidade de fortes investimentos daqui para frente.
Para
o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, um erro grave
cometido pelo governo na condução da política energética foi a edição da Medida
Provisória 579, em 2012. Na época, as contas dos consumidores residenciais
caíram quase 20%, o que levou parte da população a se exceder no consumo. Se
praticar tarifas mais realistas pode frear esse desperdício, os aumentos
elevados que estão sendo previstos tenderiam, segundo ele, a estimular outro
fator de risco para o sistema. “Pode ocorrer um aumento da inadimplência e do
furto de energia”, alerta Pires. “Temos que buscar um novo modelo que não deixe
de lado a segurança de abastecimento”. Em suma, o que está em jogo, segundo os
especialistas, não é apenas a capacidade de o País gerar quantidade maior de
energia. Um novo modelo precisa ser alinhavado para se garantir a segurança e a
estabilidade do sistema.
A
necessidade da adoção de noções de consumo consciente e os riscos de
racionamento ou de apagões serão tema da próxima reportagem da série Crise
Energética: soluções para geração, segurança e eficiência. (ambienteenergia)
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