“Algumas pessoas dizem que não
estamos fazendo o suficiente para combater as mudanças climáticas. Mas isso não
é verdade. Porque para ‘não fazer o suficiente’ você tem que fazer alguma
coisa. E a verdade é que basicamente não estamos fazendo nada”.
O
mundo vive uma emergência climática. O aumento das emissões de gases de efeito
estufa (GEE) – derivados da queima de combustíveis fósseis – tem acelerado o
aquecimento global, com consequências devastadoras sobre as condições de vida
humanas e não humanas na Terra.
Para
evitar aumentos catastróficos na temperatura – que poderiam desencadear uma
espiral de mortes – o mundo precisa reduzir pela metade as emissões de GEE até
2030 e zerar as emissões até 2030, conforme o estabelecido no Acordo de Paris
de 2015.
Artigo
de Mark Jacobson et. al., publicado na revista One Earth (20/12/2019) calcula
que um esforço global para fazer a transição para 100% de energia renovável até
2050 custaria US$ 73 trilhões, mas as despesas se pagariam em menos de sete
anos. O estudo dos pesquisadores da Universidade de Stanford também estimou que
a mudança para uma economia global de carbono zero criaria 28,6 milhões a mais
de empregos em tempo integral do que se as nações continuassem sua atual
dependência de combustíveis fósseis.
O
relatório apresenta roteiros detalhados para 143 países – que englobam 99,7% de
todas as emissões de GEE – e como poderiam fazer a transição com sucesso para
100% de energia renovável até 2050. O estudo é uma continuação de uma
publicação de 2015, da mesma equipe de pesquisadores, que gerou planos para os
Estados Unidos e que ajudaram a estabelecer as bases para o Green New Deal
proposto pelo Partido Democrata.
O
plano leva em consideração esforços para maior eficiência energética e
eletrificação de todos os setores de energia, incluindo transporte, edifícios,
aquecimento e refrigeração, processos industriais, agricultura, silvicultura,
pesca e forças armadas. Também considera tecnicamente e logisticamente viável
que os países obtenham 80% de suas necessidades energética de energia eólica,
hidrelétrica e solar até 2030 e 100% até 2050. A análise exclui energia nuclear,
biocombustíveis e carvão limpo.
A
nova infraestrutura de energia renovável exigiria apenas 0,17% da área total
dos 143 países, bem como 0,48% da área para “fins de espaçamento”, como a área
entre turbinas, de acordo a figura acima. Portanto, a revolução renovável exige
pouco espaço e pode ser feita até no deserto.
Nos
EUA, atingir 100% de energia renovável até 2050 exigirá um investimento de US$
7,8 trilhões. Isso envolveria a construção de 288.000 novas turbinas eólicas de
5 megawatts (MW) e 16.000 fazendas solares de 100 MW em 1,08% das terras dos
EUA (85% dessas terras serão usadas para fins de espaçamento e podem servir a
outras funções, como terras agrícolas).
Outros
efeitos benéficos reduziria os custos com saúde entre US$ 700 bilhões e US$ 3,1
trilhões por ano. O estudo reforça a conclusão de que não há realmente nenhuma
desvantagem em fazer essa transição energética. De fato existem recursos
econômicos e tecnológicos para construir um mundo 100% renovável.
O
relatório de 2019 do Instituto Internacional para a Investigação da Paz de
Estocolmo (SIPRI) mostra que os gastos militares no mundo, em 2018, foram de
US$ 1,82 trilhões. Assim, em vez de gastar em despesas militares (que não dão
retorno social e ainda poluem o meio ambiente), os governos poderiam salvar o
Planeta investindo em energias mais limpas e que dão retorno para toda a
sociedade e a ecologia.
A
transição enérgica (das fontes poluidoras para as fontes mais limpas) criaria
3,1 milhões de empregos a mais do que se os EUA continuassem em uma trajetória
usual de negócios e salvaria 63 mil vidas em decorrência da poluição do ar a
cada ano. O plano de descarbonização também reduziria os custos de energia em
US$ 1,3 trilhão por ano, porque a energia renovável é mais barata de gerar ao
longo do tempo do que os combustíveis fósseis.
Desta
forma, a publicação da revista One Earth é realmente oportuna, pois a mudança
da matriz energética é uma condição necessária para evitar um apocalipse
climático e ambiental. Porém, a transição energética não é suficiente para
resolver os problemas ecológicos do Antropoceno. O fim do predomínio dos
combustíveis fósseis é também fundamental para democratizar o uso e a produção
de energia.
Sem
dúvida, o Planeta precisa de energia renovável para descarbonizar a economia e
mitigar o aquecimento global, mas também para renovar as estruturas do poder
econômico e político que se encontra nas mãos de uma elite social que se
assenta numa hierarquia privilegiada, excludente, não renovável e fóssil.
Segundo
Gail Tverberg (2014), no artigo: “Ten Reasons Intermittent Renewables (Wind and
Solar PV) are a Problem”, há dez problemas que dificultam a superação dos
combustíveis fósseis e a mudança da matriz energética mundial para fontes
renováveis. Artigo de Kris De Decker (14/09/2017) mostra as dificuldades para
manter a economia mundial funcionando apenas com base na energia renovável.
Estes alertas mostram que o mundo precisa ir além da transição energética.
O
sol e o vento são recursos naturais abundantes e renováveis, mas, certamente,
não podem fazer milagres e nem evitar o imperativo do metabolismo entrópico,
como ensina a escola da economia ecológica. A humanidade já ultrapassou a
capacidade de carga do Planeta. Como alertou o ambientalista Ted Trainer (2007),
as energias renováveis não são suficientes para manter a expectativa das
pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo. Trainer prega um mundo mais
frugal, com decrescimento demoeconômico, onde as pessoas adotem um estilo de
vida com base nos princípios da Simplicidade Voluntária.
Assim,
precisamos superar a ideia do crescimento populacional e econômico contínuo e
combater o estilo de desenvolvimento consumista que tem colocado tantas
pressões sobre o meio ambiente e a biodiversidade. A transição energética é um
primeiro passo. Mas precisamos ir adiante. A construção de uma civilização
ecológica, com regeneração dos ecossistemas, é a alternativa essencial para
evitar um colapso ambiental.
Brasil
e Outros 138 Países do Mundo Poderiam Se Tornar 100% Movidos Por Energia Solar,
Eólica e Hídrica Até 2050. (ecodebate)
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