Para presidente da
Eletronuclear, novos reatores modulares podem mudar paradigma da economia por
escala, com ganhos em produção e no fluxo de caixa dos futuros projetos.
Com o tripé de acontecimentos
envolvendo crise climática, pandemia e guerra na Ucrânia, a discussão sobre
dependência energética aos combustíveis fósseis acelerando a adoção de outros
mercados voltou à tona no debate energético global, com os pequenos e micro
reatores modulares estando no centro da discussão por seus potenciais ganhos de
eficiência, segurança e custo em relação aos modelos nucleares tradicionais.
Na visão do presidente da
Eletronuclear, Leonam Guimarães, a transição energética demonstra um gap que
poderia ser suprido pela fonte nuclear, sobretudo com as novas tecnologias
vindas a partir dos SMRs – Small Modular Reactors, os quais podem ser alocados
perto dos centros de carga por seu espaço físico mínimo, diferentemente do que
acontece com renováveis como a eólica, solar ou hidráulica.
“Esses reatores mudam o
paradigma da economia por escala pela busca pelas economias de escopo. Ao invés
de uma usina maior podemos fazer sete menores, com ganhos em produção, fluxo de
caixa do projeto e na geração individual”, disse o executivo durante o Nuclear
Summit 2022 em 25/04/22, afirmando que o desafio no momento é demonstrar de
forma clara que essa metodologia de negócio compensa a de escala desenvolvida
no passado.
Guimarães lembra que a crise
hídrica foi um fator de percepção de que a energia nuclear pode desempenhar,
com elevados fatores de capacidade, uma pequena ocupação de espaço físico para
aproximação de grandes centros consumidores, não dependendo também de condições
climáticas. Até por isso ele credita um “aumento tímido” da participação da
fonte no PDE 2031, com a novidade Angra 4, e no PNE 2050, que prevê de 8 GW a
10 GW, o que no futuro não representará uma mudança significativa frente aos
2,7% atuais na matriz.
“No passado já foram feitos
estudos para novas centrais e que precisam ser retomados para seleção dos
melhores locais, sejam centrais de grandes potências ou pequenos reatores
operando em clusters”, refere, salientando o momento de oportunidades que
dependem de aproveitamento, citando também os usos não elétricos da energia
nuclear, como no mercado de calor ou dessalinização de águas salgadas ou
salobras e como produtora de hidrogênio.
Brasil deve ser exportador de
energia e urânio
Ademais Guimarães vê o Brasil
com significativo espaço para crescer também como fornecedor e exportador de
urânio e seus enriquecimentos a médio e longo prazo, sobretudo com a inserção
dos pequenos reatores modulares que exigem um elemento combustível diferenciado
e que o país poderá fornecer.
“Em termos econômicos é
difícil competir com preço em relação a outras fontes mas utilizando as
tecnologias atuais a história é diferente, com até mais condições de reciclagem
de combustível”, complementa.
Essa mesma oportunidade foi
ressaltada pelo diretor de Engenharia da Chesf, Reive Barros, que afirmou que o
mundo reencontrou na geração termonuclear oportunidades para consumidores
tradicionais e processos industriais dada as características da fonte,
inclusive permitindo no futuro a exportação do hidrogênio para o exterior.
“Com escala será desenvolvida
toda estratégia para o combustível vocacionado ao mercado interno e externo,
com uma visão de médio e longo prazo há cada 10 anos permitindo uma reavaliação
do passado e o que pode ser incorporado para o futuro, sendo essa é a principal
diferença do planejamento brasileiro em relação a outros países”, salientou o
especialista, lembrando que o país possui a nona maior reserva de urânio no
mundo.
Contrato assinado em
fevereiro prevê conclusão do edifício do reator e parte da montagem
eletromecânica de Angra 3.
Segundo ele, as políticas
públicas estão definidas por aqui, assim como a estabilidade jurídica e
regulatória, nesse caso precisando aprofundar para a questão nuclear, criando
as condições necessárias e um modelo institucional para competição e
participação da iniciativa privada na expansão da fonte nos próximos anos.
“Não tem país no mundo que
tem contratos de longo prazo como o Brasil, o que é música para os ouvidos do
investidor, com a garantia de recebíveis”, destaca Barros, ressaltando também a
previsibilidade do MME quanto a definição dos leilões pelos próximos três anos,
um arcabouço legal que dá ao Brasil competividade e atratividade aos players.
Para Barros, o tema dos
pequenos reatores é importante num conceito de Geração Distribuída mais próximo
aos centros de carga, atendendo não só ao mercado mas ampliando a segurança
energética, além do que a retomada de Angra 3 e 4 poderá colocar o país na
liderança do protagonismo da geração nuclear na América Latina, visto ter a
tecnologia, o conhecimento e o combustível.
“O desafio do Brasil hoje é
gerenciar as oportunidades das renováveis administradas no sistema. Nossa
oferta é quase que o dobro da necessidade e devemos ter uma estratégia de
exportador de energia”, pontua Reive Barros, da Chesf, afirmando ser necessário
aproveitar a vocação das fontes limpas para exportação de energia, via H2 ou
interligações por toda América Latina.
EUA investe US$ 6 bilhões
Já no contexto da recente
estratégia norte-americana, que prevê US$ 6 bilhões na área de energia nuclear,
Reive Barros entende que o Brasil pode importar a ideia de aproveitamento desse
tipo de geração para os sítios que utilizam ainda carvão, ajudando também na
questão do desemprego após o abandono da atividade, o que pode acontecer no
médio e longo prazo.
Sobre esse pacote anunciado
nos Estados Unidos, a presidente-executiva do Nuclear Energy Insitute (NEI),
Maria Korsnick, disse que um dos projetos pilotos do programa, o Tera Power,
será construído na localidade de uma mina de exploração de carvão, demonstrando
sinergia entre a frota nuclear para regiões onde haviam apenas estações de
combustíveis fósseis.
“A vantagem competitiva
desses reatores modulares é a simplicidade, podendo ser implementados de forma
eficiente com relação a custos”, sustenta, afirmando que a nova tecnologia pode
melhorar os preços atuais de US$ 35 a US$ 40 MWh e promover parcerias de
complementaridade com eólica e solar.
Na avaliação da especialista
o Brasil tem na mão uma oportunidade de demonstrar ao restante do mundo que
está revigorando seu interesse na energia nuclear e começar a pensar em
fornecer o combustível após o contexto da guerra, visto ter também a capacidade
de enriquecimento e fabricação de elementos derivados do urânio.
Por sua vez a diretora-geral
da World Nuclear Association, Sama Bilbao y Leon, destacou que a indústria
nuclear precisa acelerar seu desenvolvimento para a matriz energética mundial,
o que envolve muitos aspectos, como governos pragmáticos e determinados em
criar planos efetivos para o mercado de baixo carbono investir na escala
apropriada para cumprir os objetivos.
“Essa governança assertiva
deve dar os sinais que vão guiar as políticas, mercados e estruturas
financeiras que vão ajudar a criar a base para as fontes de baixo carbono”,
define.
Nuclear
é verde, mas tema é politizado.
Ela citou também a recente
atualização da taxonomia europeia reconhecendo a fonte como uma tecnologia
verde, mas entende faltar ainda alguns passos para a efetiva implementação,
esperando que tudo seja concluído da melhor forma. “Tem sido um processo
frustrante e uma questão politizada, sem examinar o que importa mesmo, que é
sustentabilidade da energia nuclear”, aponta a executiva.
Para Sama, esse movimento
pode ser influente para outros que estão sendo desenvolvidos ao redor do mundo,
com a associação realizando no momento um mapeamento das atividades nessa área,
afirmando existir mais de 20 taxonomias de fornecimento sustentável sendo
delineadas e que se diferenciam muito entre si.
Pensando na parte dos
problemas, o ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética e atual Professor
Titular da COPPE-UFRJ, Maurício Tolmasquim, falou em dois pontos centrais. O
primeiro seria o histórico atraso de construção e em como o planejamento do
setor poderia ser feito com esse grau de incerteza, como nos 13 anos para
erguer Angra 1 e 25 anos para Angra 2, sem falar nos 37 anos que se arrastam
para a terceira unidade.
“Outra questão fundamental é
o custo. Se temos R$ 349/MWh para Angra 1 e 2, são 60% a mais que uma térmica a
gás e mais do que o dobro da eólica e solar. Mas o planejador não pode ter
preconceito com nenhuma das fontes, devendo analisar todos os pontos e suas
externalidades”, ressalta, citando a confiabilidade da nuclear como fonte de
base e a confiabilidade, podendo funcionar sem interrupção por um ano ou mais,
em 93% do tempo.
Entre outros problemas à
vista o professor cita que o urânio é um elemento esgotável, apesar das
reservas no país, e que a questão do resíduo nuclear ainda é um ponto sem
resolução à nível mundial. “Outro fator é que o risco de ocorrer uma falha é
muito baixo, mas quando ocorrem os acidentes podem ter dimensões catastróficas,
o que fica na cabeça de todo mundo”, completa Tolmasquim.
Por outro lado, ele se lembra
da leitura de analistas que apontam os pequenos reatores modulares como
equipamentos mais seguros, com argumentos de serem menos propensos ao
aquecimento com os eventos de calor, podendo reduzir também outros riscos de
engenharia como falhas nas bombas, além de ter menos peças móveis do que os
reatores tradicionais. O quarto argumento é que depende mais de sistemas
passivos, não dependendo de intervenção humana em caso de alguma ocorrência.
“Não tenho dúvidas de que a
descarbonização vai ditar a política energética daqui em diante. A experiência
com a pandemia e da crise climática reforça o quão importante é enfrentar as
questões globais com antecedência”, finaliza Mauricio Tomasquim, da COPPE/UFRJ.
(canalenergia)