O conflito deu novo senso de
urgência a planos ambiciosos de reduzir a queima de combustíveis fósseis,
especialmente na Europa. Usinas solares e eólicas e tecnologias como o
hidrogênio verde ganharam ainda mais importância.
Mas governos, reguladores e
investidores cada vez mais olham para os reatores nucleares como parte da
solução para um mundo sem emissões de gases de efeito-estufa.
O interesse nessa tecnologia
controversa já vinha aumentando desde antes da invasão ordenada por Vladimir
Putin, em boa medida por se tratar de uma fonte de fornecimento contínuo,
diferentemente da eólica e da solar, com geração intermitente. Startups desse
segmento receberam US$ 3,4 bilhões em aportes no ano passado, mais que a soma
dos dez anos anteriores, de acordo com a empresa de pesquisa Pitchbook.
A França vai construir pelo
menos seis novas usinas nucleares nas próximas décadas, parte do esforço do
país de atingir a neutralidade de carbono até 2050.
Esses projetos poderão
receber financiamento em condições especiais caso seja ratificada a
classificação de investimentos da União Europeia que considera a energia
nuclear uma fonte verde.
Desde a demonstração do
primeiro reator nuclear, há 80 anos, a tecnologia inspira reações apaixonadas
de temor e fascinação. Agora, à luz da segurança energética e da ameaça de uma
mudança irreversível no clima do planeta, a discussão acontece em outro plano:
o do pragmatismo e da inovação.
Um novo tipo de usina, menor e mais barato para construir e operar, pode ter papel importante na descarbonização – mas antes será necessário vencer a batalha da opinião pública e provar que essa versão miniaturizada merece os investimentos bilionários exigidos.
Questão de percepção
Das quase 20 mil mortes
provocadas pelo tsunami que atingiu o Japão em 2011, somente uma foi causada
pelo vazamento de radiação da usina nuclear de Fukushima.
Em comparação, uma análise da
literatura científica feita pela ONU no ano passado concluiu que a poluição do
ar causa milhões de mortes e de anos de vida saudáveis perdidos todo ano. A má
qualidade do ar é “a principal ameaça ambiental à saúde humana”, conclui o levantamento.
Apesar disso, a Alemanha,
país com a maior dependência da importação de gás natural russo, decidiu seguir
em frente com o fechamento de suas últimas usinas atômicas, no final deste ano.
Para garantir que as casas
tenham aquecimento no inverno e as indústrias sigam funcionando, o governo do
país prefere estender a vida das termelétricas que queimam carvão além do prazo
anunciado de 2030.
A postura estritamente
antinuclear dos alemães, porém, é uma exceção.
O governo britânico decidiu
colocar pequenos reatores modulares (também conhecidos como SMRs, da sigla em
inglês) no centro de sua estratégia energética.
A expectativa é que essas
pequenas centrais nucleares elevem de 16% para 25% a participação da
eletricidade de fonte nuclear na matriz energética do Reino Unido.
A aposta é estratégica em duas dimensões: além da segurança energética, o país quer se estabelecer como um grande fornecedor de SMRs para o resto do mundo.
24/7
A empresa por trás da
iniciativa é a Rolls-Royce. A companhia submeteu para a aprovação dos
reguladores britânicos um modelo de usina que se propõe a resolver os dois
grandes problemas da energia atômica.
O primeiro é o custo. As
usinas são instalações complexas, projetadas sob medida e construídas de forma quase
artesanal, in loco. Não é raro que se passem 20 anos entre o início das obras e
a produção do primeiro elétron.
A Rolls-Royce espera ter seu
design aprovado em 2024. A ideia é que cada projeto leve apenas quatro anos
para começar a produzir.
Parte da velocidade tem a ver
com o tamanho. Os reatores ocuparão uma área equivalente a dois campos de
futebol e produzirão algo como 470 MW, um terço da energia gerada por uma usina
tradicional (e o mesmo que 150 turbinas eólicas de terra).
Partes inteiras da estrutura
poderiam ser produzidas em fábricas e montadas no local, o que explica o
“modular” do nome e representa uma enorme economia potencial.
A Rolls-Royce promete
terminar a obra ainda mais rápido erguendo uma espécie de tenda sobre o
canteiro de obras, evitando paradas por causa do mau tempo.
Em tese, a ideia é aproximar
a geração de eletricidade do consumo, como fazem fazendas solares ou eólicas –
mas ocupando uma área potencialmente menor e gerando energia para manter acesas
as luzes de 1 milhão de casas, 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Outras companhias propõem reatores ainda menores. Fundada em 2007, a americana NuScale Power tem um design de reator que produziria cerca de 80 MW de eletricidade.
100 mil anos
O segundo grande problema, ao
lado do custo, é o que fazer com o lixo radioativo. Dos 38 milhões de toneladas
de dejetos radioativos produzidos nas últimas décadas, 7,2 milhões ainda
precisam encontrar um destino definitivo, ou ao menos seguro o bastante pelas
próximas dezenas de milhares de anos.
A Rolls-Royce diz ter
encontrado uma solução também para isso: ele será enterrado e guardado nas
próprias instalações da usina.
A companhia pretende ter em
operação pelo menos 16 pequenas centrais nucleares na próxima década (cada uma
a um custo estimado de US$ 2,4 bilhões).
Um complicador é que, dado o
pequeno porte, essas usinas estejam mais próximas de centros urbanos, o que
certamente vai colocar à prova a habilidade política dos responsáveis por
convencer os vizinhos de que o
armazenamento dos dejetos é seguro.
Mas uma parte dos críticos
dificilmente será convencida da necessidade de dar nova vida à energia nuclear.
Paul Dorfman, presidente do centro de estudos Nuclear Consulting Group, disse
que o mundo pode estar diante de um clássico problema do cobertor curto.
Quanto mais dinheiro
investido nessas novas usinas, afirma ele, “menos sobra para o tipo de coisa
que sabemos que funciona tanto em termos tecnológicos quanto práticos”.
O Greenpeace, que nasceu há 50 anos de um protesto contra testes de armas nucleares, aponta o problema dos dejetos radioativos, mas também fala da urgência.
“Não teremos nem mesmo um protótipo [dos SMRs] tão cedo”, afirmou o cientista-chefe da organização, Doug Parr. “Precisamos fazer grandes cortes de emissões até 2030, e os reatores pequenos não vão nos ajudar nisso”. (capitalreset)
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