quinta-feira, 12 de maio de 2022

Desafios do uso em larga escala de veículos elétricos

Desafios do uso em larga escala de veículos elétricos: uma abordagem do ponto de vista da qualidade de energia elétrica.

A disseminação do uso em larga escala de tecnologias sustentáveis, como os VEs, encontra terreno fértil no Brasil, vide a característica renovável de sua matriz energética.
Introdução

Os veículos elétricos (VEs) são um agente fundamental na busca de uma mobilidade urbana mais sustentável. Observa-se que a descarbonização do setor de transporte é um importante vetor da transição energética e para a promoção de soluções tecnológicas sustentáveis baseadas no uso de energia limpa. Assim, a opção pelos VEs, quando comparados aos veículos à combustão, proporciona um menor impacto ao meio ambiente por reduzir as emissões de CO2 na atmosfera e a poluição sonora nas grandes cidades.

Mediante a utilização maciça dos VEs, pode-se verificar dois grandes impactos diretos à rede elétrica: (i) oscilações de tensão provocada pelo grande aumento de demanda e (ii) intensificação do fluxo reverso fruto da utilização do V2G (sigla do inglês, vehicle to grid). Este último corresponde à possibilidade de os VEs absorverem energia da rede e injetá-la novamente no sistema em outro momento.

Nesse sentido, o papel mais ativo dos consumidores, tendo em vista a possibilidade de armazenar e injetar energia na rede através, por exemplo, dos VEs, pode contribuir para o gerenciamento do sistema por ser possível responder às solicitações das distribuidoras, referentes às necessidades técnicas de operação e à garantia da qualidade do fornecimento, desde que sejam previstos incentivos adequados na regulação.

Por outro lado, vencida a etapa de difusão da tecnologia e com a massificação do uso dos VEs, haverá desafios para a manutenção de um nível satisfatório da Qualidade de Energia Elétrica (QEE) das redes de distribuição. Observa-se que há três ramos que governam a relação entre a distribuidora de energia e o consumidor, quais sejam: o atendimento, o serviço e o produto.

A qualidade do atendimento aborda a relação comercial e o atendimento das demandas entre clientes e concessionárias, que são avaliadas pela aderência aos prazos para execução dos serviços. No que diz respeito à qualidade do serviço verifica-se a continuidade do fornecimento de energia elétrica. Assim, indicadores, como a Duração e a Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora, respectivamente, DEC e FEC, quantificam a qualidade do serviço e o desempenho do sistema elétrico, além de subsidiar o indicador de Desempenho Global de Continuidade (DGC), que avalia a performance das concessionárias de energia do país.

Por fim, a qualidade do produto se refere à forma de onda da tensão e à sua conformidade com os valores limites aceitáveis, fornecidos por regulação específica, para o problema deste ramo da QEE. Dentre tais problemas, citam-se as variações de tensão de longa duração (VLTD) e curta duração (VTCD), o fator de potência, os harmônicos, os desequilíbrios de tensão, a variação de frequência, entre outros. Destaca-se que este ramo da QEE é de extrema relevância para estudos da inserção dos recursos energéticos distribuídos na rede devido ao impacto que possuem na magnitude de tensão e em sua forma.

Desta forma, o presente artigo tem o objetivo de apresentar uma primeira discussão sobre os possíveis impactos do carregamento de VEs na qualidade do produto prestado pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica.

Possíveis desafios técnicos à rede elétrica para garantir a qualidade da energia elétrica

Tendo em vista as modalidades de recarga em postos de carregamento e as recargas residenciais, destacam-se dois problemas com grande potencial para gerar impactos na qualidade do produto da energia elétrica nas redes de distribuição: as VTLDs e o aumento das distorções harmônicas.

Considerando os costumes e modos de vida da população, os VEs deverão ser majoritariamente recarregados no período noturno quando o(a) proprietário(a) retornar à sua residência. Ou seja, os períodos em que ocorrerá maior volume de carregamento de VEs, basicamente com carregadores lentos, serão a partir das 18h e na madrugada.

Assim, sob o ponto de vista da qualidade do produto (fornecimento de energia elétrica), um fator de atenção será o aumento do consumo de energia do período das 18h às 00h que já se destaca como um período de grande demanda de modo a ocasionar as VTLD. Este fenômeno é um distúrbio de regime permanente, que tem como característica um desvio no valor de tensão (sobretensão ou subtensão) ou de frequência e podendo afetar o controle de tensão do sistema, o funcionamento de equipamentos de proteção das concessionárias, bem como diversos dispositivos eletrônicos.

Além disso, durante a madrugada, quando normalmente é verificada uma menor demanda, haverá uma mudança de comportamento para um maior consumo, o que representa uma alteração de paradigma que deve ser considerada.

Ademais, a possibilidade de os VEs injetarem energia na rede elétrica pode ocasionar efeitos que não são comuns nos sistemas elétricos, como os chamados fluxos reversos. Já que, nos sistemas tradicionais, é esperado que a energia flua da subestação em direção às cargas, em um fluxo unidirecional. Com o uso da tecnologia V2G, a injeção de energia pelos VEs na rede contribui para o fluxo em sentido contrário, potencializando distúrbios de qualidade que merecem atenção pelas ações de planejamento e devem ser devidamente monitorados para garantir a segurança das redes de distribuição.

Adicionalmente, considerando um contexto da disseminação de postos de recarga (lentos e rápidos) por toda a rede e o consequente aumento da demanda, é o planejamento da rede de distribuição que deverá garantir a satisfação de índices, critérios e padrões estabelecidos nos Procedimentos de Distribuição/PRODIST da Agência Nacional de Energia Elétrica/ANEEL. Destaca-se que, no PRODIST, são apresentados os índices associados às VTLDs e a outros impactos que podem ocorrer na rede de distribuição, tais como aumento de distorções harmônicas nos sinais de tensão e/ou corrente, flutuações e desequilíbrios de tensão, transitórios e variações de frequência.

Por outro lado, tendo em vista que neste contexto haverá o uso massivo de dispositivos baseados em eletrônica de potência para carregamento, o aumento de harmônicos no sistema passa a ser uma consequência natural, que demandará um monitoramento adequado dos índices de distorção harmônica total (em inglês, total harmonic distortion – THD) estabelecidos por norma. Deste modo, duas consequências do aumento de harmônicos a níveis que infringem os padrões estabelecidos no Módulo do PRODIST podem ser a ocorrência de maiores perdas elétricas e a interferência em outros dispositivos eletrônicos no sistema.

Como garantir a qualidade do produto de energia elétrica?

A disseminação do uso em larga escala de tecnologias sustentáveis, como os VEs, encontra terreno fértil no Brasil, vide a característica renovável de sua matriz energética. Entretanto, conforme apresentado acima, tal difusão acarreta, dentre outros, em desafios operacionais e de gestão de qualidade do produto de energia elétrica nos sistemas de distribuição.

No caso específico da gestão da qualidade da energia, reguladores e distribuidoras deverão acompanhar de perto os efeitos provocados pelo crescimento das demandas em razão das recargas residenciais e, em especial, públicas. Neste sentido, monitorar a qualidade da energia elétrica através da instalação medidores em pontos estratégicos do sistema poderia subsidiar ações mitigadoras das causas e dos efeitos provenientes. A utilização de novas tecnologias de monitoramento em tempo real da rede é importante na gestão de questões relacionadas à QEE, que podem ser realizadas por meio de um algoritmo.

Após a possibilidade de monitoramento e imposição de regulamentação adequada, pode-se garantir a conformidade da QEE punindo diretamente agentes identificados e subsidiar a instalação de filtros em pontos específicos. Além disso, podem ser fornecidos suportes para a gestão da rede pelo lado da demanda por meio de retorno financeiro a proprietários que injetarem energia à rede em momentos e lugares oportunos para satisfazer critérios operativos de QEE.

Pelo lado regulatório, é extremamente importante acompanhar os desdobramentos em países mais avançados na substituição de suas frotas a combustão por elétricos. Em países da Europa, EUA e na China, onde a implantação da mobilidade elétrica é mais avançada, os desafios da rede e as soluções desenvolvidas têm sido postas há mais de uma década, podendo ser adaptadas à realidade brasileira.

Dessa forma, será possível vencer as barreiras iniciais e superar os desafios técnicos que vêm junto com toda nova tecnologia do ponto de vista da qualidade de energia elétrica. (canalenergia)

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