Em São Paulo haverá tomadas
para todos os veículos elétricos?
Antes vazios, os pontos de
recarga localizadas em supermercados, shoppings e rodovias de São Paulo já são
disputados. Em geral, estão ocupados por utilitários esportivos com motorização
híbrida plug-in, que custam não menos que R$ 400 mil. São veículos que não
dependem dessa energia para se deslocar, já que podem ser abastecidos com
gasolina.
Parece um mundo perfeito: além
de não emitir poluentes no uso, os jipões de luxo dispõem de eletricidade
gratuita. Mas o que irá ocorrer quando modelos mais em conta e 100% elétricos chegarem
ao mercado?
A infraestrutura caminha em
passos mais lentos do que as vendas no Brasil. Embora a iniciativa privada
esteja investindo em pontos de recarga, as especificidades dos veículos
eletrificados exigem mais.
Enquanto um carro compacto a
combustão precisa de um ou dois minutos para ter seu tanque cheio, as baterias
de um modelo elétrico de mesmo porte podem levar de 30 minutos a 12 horas para
estarem a plena carga.
Segundo a ANFAVEA (associação
das montadoras), se o Brasil quiser acompanhar o movimento global de
eletrificação, será necessário investir R$ 50 bilhões em infraestrutura até
2035, com a instalação de 150 mil eletropostos.
Ainda que a eletrificação
massiva seja algo distante, a própria ANFAVEA defende que o etanol é a melhor
solução "verde" para a mobilidade no país, gargalos começam a surgir
devido à concentração da frota de híbridos plug-in e elétricos. As vendas
ocorrem em grandes centros urbanos, como São Paulo e Curitiba.
Embora os volumes sejam
pequenos diante dos modelos a combustão (apenas 0,14% dos carros vendidos em
2021 eram elétricos), o fato de estarem circulando em ilhas de maior poder
aquisitivo cria o problema.
"Vou daqui a Manaus em um
carro elétrico? Não, terei dificuldade. A infraestrutura está começando a ficar
mais adequada no Sudeste e no Sul, com expansão para o Centro-Oeste e o
Nordeste", diz Rodrigo Aguiar, sócio fundador da Elev, empresa
especializada em fornecimento de energia.
Brenno Cavinato, sócio da
consultoria VC One, diz que os carros eletrificados começam a ocupar o espaço
dos modelos Premium, e isso é um movimento natural da indústria.
Por enquanto, os eletropostos
oferecem serviço gratuito, mas esse modelo de negócio não será sustentável
quando ocorrer a massificação dos carros 100% elétricos.
"Não há expectativa de
energia gratuita para sempre, mas os compradores de carros elétricos hoje, por
serem pioneiros, estão se beneficiando da estrutura que está sendo
criada", diz João Henrique Garbin de Oliveira, diretor-geral de operações
e inovação da Volvo Car Brasil.
Por necessidade, a montadora é
a que mais investe em pontos de recarga no país. A marca já anunciou que, a
partir de 2030, não terá mais veículos com motores a combustão em seu
portfólio. Dois modelos já foram lançados no Brasil: o XC40 (R$ 400 mil) e o
C40 (R$ 410 mil).
A Volvo já instalou mil tomadas
em shoppings, concessionárias e mercados Brasil afora, e em dezembro anunciou a
criação de 13 corredores elétricos ligando cidades das regiões Sul e Sudeste.
Essa primeira fase abrange
3.250 quilômetros de rodovias. A empresa diz que pontos de carga rápida
permitirão levar as baterias do zero aos 80% de capacidade em 35 minutos. Os
últimos 20% são mais lentos, para preservar o sistema.
Enquanto tais corredores não
estiverem disponíveis, viajar de carro 100% elétrico será um exercício de
paciência. Durante a avaliação dos modelos da Volvo e de outros automóveis do
mesmo segmento que passaram pelo teste Folha-Mauá, ficou evidente que a
estrutura atual está se tornando insuficiente.
Para que os carros possam
retornar da pista da ZF Automotive, em Limeira (a 160 km de São Paulo), onde
são realizadas as medições de desempenho, é necessário parar para recarga no
eletroposto da empresa de energia EDP.
As tomadas, que foram
instaladas em parceria com o grupo Volkswagen, ficam na rodovia Anhanguera (a
24 km do local de testes) e fazem parte da rede de restaurantes do Graal. Entre
as opções há uma tomada rápida (150 kW), capaz de encher a bateria do zero aos
80% em aproximadamente 40 minutos. Essa carga é suficiente para percorrer 300
km com o Volvo C40.
No dia 16 de março, o piloto de
testes Leandro Abranches chegou ao eletroposto às 11h e encontrou um Nissan
Leaf, um Mini Cooper SE e uma van Renault Kangoo ZE ocupando 3 dos 4 pontos. A
opção disponível era de 22 kW caso em que o tempo para recarga completa é de
quatro horas.
Três dias depois, em uma viagem de 90 km, foi necessário recarregar o Volvo novamente. O local escolhido foi o eletroposto instalado pela CPFL em outra loja da rede Graal, na rodovia dos Bandeirantes, em Jundiaí. Os equipamentos foram fornecidos pela ABB, pioneira no setor de recarga automotiva em rodovias.
Carro Volt da Chevrolet elétrico de R$ 175 mil no Brasil.
Um dos dois pontos estava
ocupado por uma Mini Countryman Hybrid, mas a outra tomada, que fornecia
aproximadamente 50 kW (carga completa em duas horas), estava livre. Logo após
plugar o C40, uma motorista encostou um compacto elétrico JAC E-JS1 (R$ 164,9
mil) e ficou à espera para recarregar o carro.
Ou seja, os eletropostos já
começam a ser mais disputados tanto nas rodovias como nos shoppings. Nos
estabelecimentos comerciais, as tomadas oferecem, em geral, 7kW (carga do zero
aos 100% entre 6 e 12 horas, a depender da capacidade das baterias).
Segundo a ANFAVEA, os 2.860
carros elétricos vendidos no ano passado representam alta de 257% na comparação
entre 2020 e 2021. Os dados mostram o interesse crescente por essa tecnologia,
mas quem está ocupando as vagas de recarga são, de fato, os carros híbridos
plug-in.
Suas baterias permitem
percorrer cerca de 50 km com uma carga, o suficiente para o uso cotidiano.
Contudo exigem paradas frequentes para que não seja necessário usar o motor a
gasolina. Só a Volvo vendeu cerca de 8.000 unidades desses modelos ao longo de
2021. As marcas BMW, Mini e Porsche também oferecem opções desse tipo, além de
modelos 100% elétricos.
Compradores de carros elétricos
de alto luxo têm todo o suporte das montadoras para instalar um ponto de recarga
residencial. Nesse caso, é possível instalar painéis solares para deixar o uso
ainda mais verde. É uma solução para quem mora em casas.
Mas ainda são raros os edifícios preparados para receber tomadas nas vagas, cenário que tende a mudar. Desde março de 2021, a lei municipal Nº 17.336 determina que novos prédios residenciais e comerciais registrados na Prefeitura de São Paulo disponibilizem carregamento.
Carro elétrico pesa menos no bolso, mas falta tomada.
Aguiar, da Elev, diz que há muitas
dúvidas sobre como instalar tomadas em condomínios antigos, e os
questionamentos vão de pagamento da conta de energia a distribuição das vagas.
Outra preocupação são as crises
hídricas, que criam sobretaxas e podem tornar a recarga mais cara ou restrita a
horários de menor consumo --os carros, porém, se adequam a situações desse
tipo, podendo ter as baterias reabastecidas na madrugada.
Com as tarifas atuais vigentes
na cidade de São Paulo, recarregar um carro elétrico em casa custa bem menos do
que rodar com um a combustão. Um Renault Kwid (R$ 59,1 mil), por exemplo, gasta
o equivalente a R$ 38,77 para percorrer 100 quilômetros com gasolina no
trânsito urbano. Já o Fiat 500e (R$ 252,7 mil) precisa de R$ 8,27 para cumprir
a mesma distância na cidade.
Os cálculos foram feitos com
base no preço médio da gasolina em São Paulo entre os dias 13 e 19 de março,
segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo). Os dados de consumo foram
aferidos pelo Instituto Mauá de Tecnologia.
Já as recargas fora de casa
para percorrer distâncias maiores só serão de fato viáveis quando houver
cobrança. Em 2018, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) definiu que
os valores deverão ser estipulados pelos prestadores de serviço. Espera-se,
portanto, que as próprias redes que hoje vendem combustíveis criem soluções
para atender a seus franqueados.
"Hoje a maior dúvida dos
donos de postos é como irão rentabilizar a recarga", diz Thiago Castilha,
sócio da E-Wolf Carregadores.
A Vibra Energia (ex-BR
Distribuidora) tem feito investimentos bilionários para oferecer opções de
recarga em seus postos. Em janeiro, a Raízen (rede Shell) anunciou o
investimento de R$ 10 milhões na Tupinambá Energia, startup focado em
infraestrutura para recarga elétrica veicular.
A Tupinambá é também parceira do Carrefour Property. A rede possui cinco pontos de carregamento em supermercados, e existe um estudo para oferecer mais dez pontos em São Paulo neste primeiro semestre e mais 25 pontos no segundo semestre em outras cidades do país.
Ações como essa têm foco na agenda ESG (boas práticas ambientais, sociais e governança, na sigla em inglês). "O propósito é investir nos temas ambientais, reforçar o pilar de sustentabilidade da empresa", diz Patrícia Lima, gerente comercial do Carrefour Property. (yahoo)
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