terça-feira, 24 de maio de 2022

Mudanças legais destravam geração de energia e gás a partir do lixo

Mudanças legais podem destravar investimentos em geração de energia e gás a partir do lixo urbano em 2021 (MEGAWHATT).
O ano de 2021 traz boas perspectivas para investimentos em fontes renováveis de energia ainda não consolidadas no Brasil. Enquanto as tecnologias de geração solar e eólica ganham cada vez mais espaço no mercado, devido ao custo competitivo, outras fontes, como biometano e recuperação energética de resíduos sólidos, podem despontar este ano, a partir de mudanças propostas na legislação e medidas infra legais.

Uma das medidas já foi aprovada no fim do ano passado, por meio da portaria 435 do Ministério de Minas e Energia, que estabeleceu o cronograma de leilões de energia para o período de 2021 a 2023. A norma prevê a participação de projetos de geração a partir de recuperação energética de resíduos sólidos nos leilões de energia nova A-5 e A-6, em setembro deste ano.

Com relação a mudanças na legislação, a Medida Provisória 998/2020, aprovada na Câmara e que está em tramitação no Senado, determina que o governo federal defina diretrizes para a implementação, no setor elétrico, de mecanismos para a consideração dos atributos ambientais dos empreendimentos, o que pode beneficiar o segmento de geração de energia a partir do lixo.

As duas iniciativas foram elogiadas pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren). Segundo a entidade, o Brasil tem potencial para a construção de até 250 usinas “waste-to-energy” (WTE), com 20 megawatts (MW) de potência instalada. Somadas ao potencial de usinas de biogás a partir de recursos sólidos urbanos, elas podem atender até 7,9% da demanda de eletricidade do país e gerar investimentos de cerca de R$ 200 bilhões.

“Queremos mudar a concepção que se tem do lixo hoje”, afirma o presidente da Abren, Yuri Schmitke.

Biometano

Em outra frente, a versão aprovada pelo Senado do projeto de lei 4.476/2020, relativo à Nova Lei do Gás, abre espaço para novos investimentos para a produção de biometano no país.

“A inserção da pauta de biometano na Lei do Gás é importante passo para o desenvolvimento de políticas que ampliarão a produção deste biocombustível. O texto aprovado no Senado, que esperamos que seja aprovado pelos deputados, dá força para a utilização do biometano como substituto do gás para todos os usos”, diz Manuela Kayath, presidente da holding MDC.

A companhia, por meio da Ecometano, planeja assinar este ano contrato com um aterro sanitário em São Paulo para a construção de uma planta de biometano a partir do biogás produzido no local. O empreendimento está previsto para entrar em operação em 2024, com a produção em torno de 50 mil m³ diários de gás natural renovável (GNR).

A companhia já possui dois projetos do tipo. O primeiro está instalado em São Pedro da Aldeia (RJ), com capacidade de 15 mil m³/dia. O outro funciona em Caucaia (CE), com capacidade de 100 mil m³/dia.

“Nosso objetivo é oferecer soluções sustentáveis para clientes”, conta Kayath. A MDC possui faturamento anual da ordem de R$ 450 milhões e Ebitda [sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] de cerca de R$ 110 milhões por ano.

Biogás na Amazônia

Apesar do cenário promissor, o desenvolvimento do biogás ainda traz desafios no país. Instituto Escolhas, associação civil sem fins econômicos que tem como objetivo qualificar o debate sobre sustentabilidade, pretende concluir em abril um estudo sobre potencial de desenvolvimento do biogás em toda a Amazônia. A primeira etapa do levantamento, concluída em dezembro e que abarcou quatro estados (Amapá, Amazonas, Rondônia e Roraima), indicou um potencial para gerar 136 milhões de m³/ano de biogás, o equivalente a 5 milhões de botijões de cozinha. Esse volume seria suficiente para produzir 283 GWh/ano, ou o suficiente para atender 107 mil residências.

O potencial levantado na primeira fase do estudo considerou apenas resíduos sólidos urbanos e rejeitos da psicultura nos quatro estados mencionados. Com relação aos resíduos sólidos urbanos, o instituto analisou aterros sanitários e lixões. Do potencial identificado, apenas 20% é aproveitado energeticamente.

Sobre o biogás para a piscicultura, nenhum dos frigoríficos analisados pelo instituto aproveita o biogás de restos de peixes. Apenas nesses quatro estados, os frigoríficos poderiam gerar 7,5 GWh/ano a partir dos resíduos para atender o seu próprio consumo de energia.

“Estamos debruçados na agenda da bioeconomia na Amazônia. Analisamos atividades que gerem renda e preservem a Amazônia. Um dos fatores críticos é a energia. Para alavancar as atividades [econômicas] é necessário energia. E o biogás é uma fonte limpa, flexível e descentralizada”, conta Larissa Rodrigues, gerente de projetos e produtos do Escolhas.

A especialista cita, por exemplo, o caso do Amapá, onde um incêndio em um transformador no único ponto de ligação do estado com o sistema nacional causou um blecaute, afetando 90% da população local por cerca de 20 dias. O estado, de acordo com o levantamento do Escolhas, tem potencial para gerar 15 milhões de m³/ano de biogás, volume suficiente para gerar 31 GWh/ano de eletricidade e abastecer 12 mil residências ou 50 mil pessoas.

“Grandes projetos de geração de energia na Amazônia não foram capazes de atender a toda a população local. Sem um programa de incentivos é impossível quebrar essa lógica e impulsionar projetos pilotos”, acrescenta Rodrigues.

O objetivo do instituto no momento é concluir o estudo incluindo os demais estados da Amazônia. Em seguida, o material será apresentado às autoridades.

Schmitke da Abren, no entanto, diverge da conclusão do estudo do Escolhas. Segundo ele, a região amazônica possui solo muito permeável, o que agrava a construção de aterros sanitários nessa área. Além disso, o especialista explica que as usinas de WTE têm potencial de geração entre sete e dez vezes maior em comparação com aterros com recuperação de energia a partir do gás. De acordo com a Abren, uma tonelada de lixo de biogás oriundo de aterro é capaz de gerar 65 quilowatts-hora (kwh), enquanto a tecnologia WTE tem potencial de geração de 600 kwh por tonelada de lixo. (abren)

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