quarta-feira, 18 de maio de 2022

Certificação renovável é ponto chave para o H2 no Brasil

Players aguardam discussões na Europa sobre critérios e requisitos de olho no mercado de exportação para o vetor energético no futuro.

Visando aproveitar as virtudes de uma matriz e oferta renovável abundante e os impulsos verdes vislumbrados após a invasão russa à Ucrânia, a questão do hidrogênio é tida pelo setor elétrico brasileiro como uma das principais promessas e apostas no futuro, tanto para exportação ao mercado externo quanto na utilização do insumo para aplicações internas, como no uso de fertilizantes e combustíveis para transportes de grandes cargas a longas distâncias.

Na visão do consultor de assuntos regulatórios da PSR, Mariano Berkenwald, o produtor de H2 daqui alguns anos terá que garantir que não está tirando eletricidade limpa de outro consumidor que já estava a consumindo, com toda filosofia da certificação renovável que será necessária passando por esse conceito.

“A discussão europeia está aberta nesse momento quanto aos critérios e a guerra pode alavancar ainda mais a flexibilização sobre os requisitos iniciais para os exportadores do vetor energético no futuro”, disse o especialista durante o Workshop PSR/CanalEnergia, realizado em 19/04/22 no Rio de Janeiro.

O diretor-presidente da entidade, Luiz Barroso, ressaltou também que essa é uma discussão relevante para o Brasil, visto a CCEE ter a ambição de realizar essa certificação ao longo desse ano. Resumidamente o processo consistiria em eletrificar o setor, colocar o H2 para abater as emissões difíceis e aquelas que sobrarem avaliar um preço, que será a alavanca para dimensionar o tamanho do subsídio que os europeus irão colocar para a molécula.

“Só conseguiremos fazer esse dever de casa se soubermos certificar essa energia com granularidade horária, o que a CCEE está trabalhando nesse ano”, aponta o executivo, afirmando que a certificação deverá ser o inimigo mais importante a ser batido nessa cadeia de desenvolvimento tecnológico e de mercado.

Rotas tecnológicas

Para Berkenwald na próxima década uma grande parte das emissões de CO2 terão que passar pela eletrificação da demanda e medidas de eficiência energética. Já em 2030 virá a descarbonização daquilo que não pode ser eletrificado, como captura e armazenamento de CO2 e do hidrogênio. “Cerca de 50% das reduções de emissões até 2050 utilizarão tecnologias já presentes no mercado, algumas já competitivas como as solares, eólicas e alguns mercados para carros elétricos”, destaca, citando também a fusão nuclear como uma energia firme e sem carbono.

Em sua avaliação até 2050 a expectativa é de mudança profunda no fluxo das commodities globais, com a reorientação em detrimento dos combustíveis fósseis, que representarão menos de 20% no intercâmbio global até esse período. Minerais como níquel, cobalto, lítio e cobre serão uma parte principal nesse intercâmbio, assim como o H2. “Existem muitas incertezas, se o que será transportado será o H2 em si ou algum produto derivado”, complementa o consultor.

Ele enxerga um movimento muito intenso não só de governos, mas de empresas e instituições financeiras, que se antes tinham ações e decisões voluntárias, agora passaram a se preparar para uma realidade que será obrigatória no avanço da agenda Net Zero.

“Nesse momento as discussões no velho continente centram-se também na necessidade de divulgação de dados ESG das empresas, assim como acontece com os econômicos”, refere. Em sua opinião as tecnologias “vencedoras” no futuro serão as elétricas e renováveis, tanto em potencial quanto qualidade sustentável. Já a captura de carbono e alguns usos das bioenergias têm sido mais questionados no velho continente como ferramentas de abordagem ao aquecimento global.

Cadeia do H2 envolve diferentes fluxos e aplicações para exportação e ao mercado interno.

Ciclo natural ou mudanças climáticas?

Por sua vez, em outra apresentação o diretor-executivo da PSR, Rafael Kelman, chamou a atenção para a necessidade de mudança na forma de planejar os cenários de operação do sistema, que devem incorporar as variabilidades da hidrologia e as ocorrências como eventos extremos, trazendo à tona o conceito de realismo climático e investimentos para adaptações resilientes.

Um dos exemplos vem do Chile, que passou por um grande terremoto em 2011 e onde a PSR trabalhou em estabelecer diretrizes e critérios para minimizar impactos sobre novas ocorrências futuras, com trabalhos semelhantes e também ligados a descarbonização já realizados para o Panamá, Peru, Brasil e mais recentemente para a Turquia.

“Temos que analisar potenciais eventos a partir da pergunta, e se acontece isso? Como no caso de um tsunami que fecha portos e interrompe a importação de óleo diesel, com o Chile passando a investir em maiores sistemas de armazenamento de combustíveis em todo país como medida resiliente”, afirma, citando também outros casos como 50 graus abaixo de zero numa cidade no Canadá ou uma situação hipotética de um ano sem importação de GNL.

Na realidade brasileira Kelman lembrou da discussão atual em se considerar a recente baixa hidrologia em 2021 como um ciclo natural ou uma implicação ligada as mudanças climáticas, o que configuraria um novo normal para as futuras avaliações? “Nossa estratégia é a que minimiza o máximo arrependimento e vai depender de qual decisão por uma das duas respostas, ou ainda pelas realidades não representadas nos modelos computacionais, mas com o planejamento devendo centrar-se na precaução”, pontuou.

Aposta nas reversíveis

Para o diretor a eletrificação dos setores da economia com fontes renováveis é o carro chefe da descarbonização no Brasil, que terá como base as hidrelétricas e em 2030 tendo que tomar a decisão sobre novas fontes flexíveis, com a opção de novas UHEs, o que é desafiador pelos movimentos contrários a esses projetos.

Uma alternativa seria inserir térmicas a gás de ciclo aberto, com alguma emissão que teria que ser compensada por outros setores, além do armazenamento por baterias, químico ou em maiores volumes, classificando nesse caso as usinas reversíveis como baterias d’água.

“Eu aposto nas UHEs reversíveis para esse papel, além da modernização das hidrelétricas existentes. Se nada disso der certo vamos usar as usinas a gás como reserva”, indica, mas chamando a atenção que os 8 GW impostos pela privatização da Eletrobras podem implicar em mais emissões e dificultar a entrada do Brasil no mercado de exportação do H2 verde.

Outro ponto abordado por Kelman é um acréscimo considerável para a demanda energética que terá a eletrificação dos transportes e do hidrogênio, a partir de elevados números no médio e longo prazo. Por outro lado o país tem espaço para alocar fonte renovável barata e construir linhas de transmissão, o que é um desafio muito maior para outros mercados, como o americano por exemplo.

Sobre o gás natural o executivo reafirmou ser uma opção e que não pode ser demonizado. No entanto ele chama a atenção para o gás natural da base do pré-sal como um complicador para a questão das emissões, ainda que a consultoria esteja estudando novas tecnologias para produzir térmicas embarcadas offshore, gerando eletricidade por um cabo submarino e as emissões sendo reinjetadas no campo, aumentando a produção de óleo que já é feito com o gás natural como associado do petróleo. “Térmica de carbono zero seria muito interessante e única nessa escala que o Brasil poderia ter”, finaliza. (canalenergia)

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