sexta-feira, 12 de abril de 2013

Uma fonte de energia sustentável

O tucumã-do-Amazonas é uma palmeira comumente encontrada na Amazônia central. Excepcionalmente tolerante a solos pobres e degradados, resiste a períodos de seca e também se espalha por toda a região amazônica, Guiana, Peru e Colômbia. Atinge até 20 metros de altura e suas folhas longas, semelhantes às do coqueiro, alcançam até 5 metros de comprimento. Encontrados em abundância ao longo do ano, os frutos são comestíveis ao natural e consumidos também na forma de sorvetes, sucos, licores e doces. A semente, um caroço duro e preto localizado no centro do fruto, é artesanalmente utilizada no preparo de anéis, brincos, pulseiras e colares, mas pode vir a ser uma promissora fonte energética sustentável para comunidades das regiões onde o tucumã floresce. É o que demonstra dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp pelo aluno Claudio Silva Lira. Orientado pela professora Araí Augusta Bernárdez Pécora, o estudo Pirólise rápida da semente de tucumã-do-Amazonas (Astrocaryum aculeatum): caracterização da biomassa in-natura e dos produtos gerados tem o mérito de constituir o primeiro trabalho acadêmico a abordar as características dos produtos da pirólise do vegetal amazônico.
De acordo com a orientadora, atualmente não existem estudos sobre a utilização dessa biomassa e seu potencial como matéria-prima em processos de conversão térmica. A proposta da pesquisa foi, portanto, verificar as propriedades dos produtos fornecidos na pirólise da semente do tucumã (resíduo hoje descartado em aterros), visando a aproveitá-los como fonte energética em comunidades isoladas do Amazonas. Os resultados mostraram que o bio-óleo produzido na pirólise do tucumã tem potencial para ser utilizado como biocombustível e o carvão vegetal, também gerado no processo, poderia ser fonte de melhoria do solo e aditivo para fertilizantes.
Comunidades presentes na floresta Amazônica (bem como em outras regiões de difícil acesso no Brasil) dependem de energia elétrica gerada por meio de usinas termelétricas e o combustível utilizado é o óleo diesel. Contudo, salienta Claudio em sua dissertação, as dificuldades de acesso a essas localidades em geral contribuem para comprometer o fornecimento de combustível, sobretudo no período de seca, já que todo o transporte é realizado exclusivamente por via fluvial. Outra desvantagem da geração de energia elétrica com combustível fóssil na região Amazônica reside em seu elevado custo, cita o pesquisador, que é natural de Manaus. Além disso, as termelétricas a diesel não contribuem para a economia local, pois não utilizam fontes regionais e exigem pessoal qualificado para sua operação, resultando em contratação de trabalhadores de fora da localidade.
Desse modo, a geração de energia a partir de biomassa disponível nas próprias comunidades representaria uma solução sustentável para o problema do suprimento de eletricidade para áreas isoladas. Adicionalmente, a conversão de biomassa sólida em combustível líquido (bio-óleo) por meio de pirólise teria a vantagem de simplificar o manuseio com transporte, armazenamento e utilização da biomassa, sem contar que o bio-óleo possui maior densidade energética do que a biomassa in-natura, enfatiza a pesquisa.
Segundo o autor, a semente de tucumã foi escolhida devido ao fato de ser um tipo de biomassa de fácil acessibilidade na região amazônica e com produtividade estável. O florescimento do tucumãzeiro (denominação da árvore de tucumã) ocorre entre os meses de março e julho, enquanto a frutificação normalmente ocorre entre janeiro e abril. No entanto, observa em seu estudo, sempre há frutos que podem ser encontrados fora de época, havendo comercialização do fruto durante todo o ano.
Caracterização - Coletadas em feiras localizadas na cidade de Manaus e enviadas a Campinas, as sementes de tucumã utilizadas nos experimentos precisaram ser moídas até a obtenção de partículas com tamanho inferior a 2 milímetros. Uma quantidade desse material foi utilizada para a caracterização da biomassa in-natura no Laboratório de Processos Térmicos e Engenharia Ambiental (Protea) da FEM da Unicamp, enquanto que aproximadamente 10 quilos da matéria-prima foram enviados ao Institute for Chemicals and Fuels from Altenative Resources (ICFAR), pertencente a University of Western Ontario (UWO), no Canadá, para a realização experimentos em uma planta piloto de pirólise rápida com um sistema para a conversão de biomassa sólida na ausência de oxigênio.
Nas análises laboratoriais, Claudio constatou que o poder calorífico da semente de tucumã foi superior ao relatado na literatura para outras biomassas convencionalmente utilizadas em processos de conversão em biocombustível, como o bagaço de cana, o que demonstra o importante potencial de utilização da biomassa estudada como matéria-prima para produção de energia.
De acordo com ele, a pirólise de sementes de tucumã para produção de bio-óleo parece ser uma alternativa promissora para substituição aos combustíveis fósseis, em especial o diesel, que é o combustível mais utilizado nas unidades geradoras de energia elétrica em comunidades isoladas localizadas no estado do Amazonas. Devido ao alto poder calorífico superior que pode atingir valores da ordem de 30 MJ/kg (megajoule por quilo, unidade para medir energia térmica), teor de umidade de 18,5% e aproximadamente 55% de rendimento no processo, a fração líquida produzida a partir da pirólise de tucumã apresenta propriedades desejadas para geração de energia.
As análises dos gases produzidos mostraram ainda que houve um crescente aumento no teor de monóxido de carbono com o aumento da temperatura do reator e que os gases gerados têm potencial para posterior queima e utilização como geradores de energia.
Outro relevante achado do estudo: os compostos minerais (majoritariamente magnésio, sódio, potássio e silício) encontrados no carvão gerado através da pirólise de tucumã representam um total de 85% (em massa) das cinzas, mostrando excelente potencial da utilização do carvão como uma fonte natural de melhoria do solo, assim como aditivo para fertilizante.
Conforme aponta o trabalho, uma das aplicações do carvão é seu possível uso para melhorar a fertilidade do solo. O óxido de magnésio se apresenta como um bom nutriente para o crescimento das plantas, a exemplo do potássio e do fósforo. O silício é empregado como um composto na prevenção da secagem das folhas da planta e na promoção da fertilização de pólens, além de ajudar no controle das doenças que atacam as plantas, sobretudo em países de clima tropical e temperado.
“Acreditamos que esses resultados possam abrir novas oportunidades para pesquisas adequadas à realidade da região amazônica e aumentar a disseminação do conhecimento sobre processos termoquímicos para conversão de biomassa”, afirma Araí Pécora.
Aproveitamento energético - Voltada a pesquisas relacionadas ao aproveitamento de biomassas como fonte energética, a docente vem estimulando seus alunos a desenvolver projetos no segmento (leia texto na próxima página). Atualmente, orienta trabalhos na área de pirólise envolvendo outras matérias-primas, como resíduos de bambu (trabalho da mestranda Laidy Esperanza Hernandez Mena), ou ainda estudos relativos ao processo de termoconversão, como a fluidodinâmica do bambu e do bagaço de cana, conduzidos respectivamente pelos alunos de iniciação científica Éverton Rigotto Genari e Carolina Natsumi Ogata. Já os alunos Daniel Portioli Sampaio (mestrado) e Patrícia Gomide Ferreira (iniciação científica) estudam a influência da geometria do distribuidor de gás sobre o processo de mistura entre as partículas presentes em reatores de pirólise que operam com biomassas. O propósito desse trabalho é otimizar o processo de termoconversão na operação de fluidização – como é denominada a transformação de partículas sólidas em um estado que apresenta propriedades semelhantes ao de um fluido, através de suspensão em um gás ou líquido.
Visando também a otimização e o controle do processo de pirólise, o aluno Diego Andres Rueda Ordoñez estuda o processo de mistura e segregação entre material inerte e biomassa (compostos normalmente presentes nos reatores que operam com leito fluidizado) através da análise dos sinais de flutuação de pressão em diferentes posições ao longo da altura do leito de partículas. O objetivo é encontrar a condição operacional a ser mantida no reator para evitar a segregação dos materiais.
Em outra frente, o aluno de doutorado Eugênio de Souza Morita, com tese em andamento, está conseguindo comprovar as vantagens da utilização da serragem de pinus nos experimentos em que avalia o aproveitamento dessa matéria-prima na co-pirólise com carvão mineral. A proposta de seu estudo é identificar uma fonte renovável capaz de auxiliar na redução de emissões poluentes liberadas no processo de pirólise de carvão mineral, combustível abundante na região sul do Brasil e que não deve ser desprezado.
De acordo com ele, a adição da serragem de madeira juntamente com o carvão mineral em processos de termoconversão apresenta vantagens no que diz respeito aos créditos de carbono, contribuindo para a redução do efeito estufa e também amenizando o impacto ambiental provocado pelas indústrias que utilizam a madeira como fonte de matéria-prima a partir do uso e tratamento consciente de seus resíduos.
Em sua pesquisa, Eugênio cita que a indústria moveleira no Brasil, ao empregar como matéria-prima principal a madeira maciça e seus laminados, depara-se com volume cumulativo de resíduos que podem ser aproveitados para inúmeras utilidades, como por exemplo, na confecção de material combustível industrial e familiar e painéis de aglomerado. A baixa qualidade da matéria-prima, o desconhecimento das propriedades físicas, mecânicas e organolépticas da madeira e também a inadequação do emprego de tecnologias de processamento estão entre as causas da geração residual. Como alternativa ao aproveitamento de resíduos, Eugênio menciona iniciativas como as de fabricantes de painéis reconstituídos, que compram de indústrias moveleiras grandes quantidades de serragem e cavacos, cujo destino final é a produção de aglomerado e MDF. Em relação ao uso da biomassa para gerar energia, no Rio Grande do Sul, após investimentos em pequenas centrais termoelétricas, por exemplo, a Usina de Piratini produz 10 megawatts, utilizando resíduos provenientes de madeireiras da região, com consumo da ordem de 160 mil toneladas anuais. Eugênio esclarece que a madeira possui em sua massa um considerável teor de lignina, molécula responsável pela rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos nos tecidos vegetais, que se revelou bastante interessante para fins de bioconversão. A serragem de pinus submetida a temperaturas elevadas (350º a 550º C) em testes laboratoriais liberou líquido de considerável poder calorífico, demonstrando o seu potencial para aplicação como combustível.
“Os teores de voláteis, hemicelulose, celulose e lignina são fatores importantes quando se está estudando processos de bioconversão a partir de pirólise. A serragem de madeira, assim como outras biomassas, apresenta aproximadamente 85% de voláteis e teores (em massa) ao redor de 20, 40 e 30% de hemicelulose, celulose e lignina, respectivamente”, observa Eugênio, que em seus experimentos utilizou resíduos de serragem pinus gerada na produção de urnas mortuárias de uma indústria de Piracicaba (SP). Por meio da co-pirólise de combustíveis renováveis e não renováveis é possível obter líquidos combustíveis de propriedades melhoradas em relação à biomassa “in natura”, como por exemplo, teor de água reduzido e acréscimo do potencial calorífico, além de amenizar os riscos ambientais da utilização do combustível fóssil apenas. Salienta-se ainda que além do líquido gerado, o carvão e gás gerados no processo de pirólise também podem ser aproveitados como combustíveis. (ambienteenergia)


Nenhum comentário: