Curtailment, overbuilding e armazenamento implícito: desafios e
oportunidades para a energia solar.
Este crescimento exponencial traz consigo desafios significativos para a
integração da energia solar na rede elétrica. Um desses desafios é o fenômeno
conhecido como “curva do pato” — ou suas variações mais abruptas, como a “curva
do cânion” — que representa o impacto da geração solar na curva de carga da
rede elétrica.
À medida que a penetração solar aumenta, torna-se cada vez mais
importante e necessário controlar a geração solar para manter a estabilidade e
confiabilidade do sistema elétrico. Neste contexto, surge o conceito de
constrained-off, frequentemente usado de forma intercambiável com o termo
curtailment na literatura internacional (e no noticiário nacional), sendo neste
artigo considerados como sinônimos.
O curtailment é definido como a redução da produção de energia por
usinas solares centralizadas decorrente de comandos externos arbitrados pelos
operadores da rede.
Países com maiores penetrações de geração fotovoltaica na rede elétrica como os EUA por exemplo, têm trabalhado para redefinir a percepção do curtailment e aprender a lidar com essa nova realidade. Olhando da perspectiva do copo “meio-cheio”, o curtailment é uma ferramenta valiosa para integrar mais energia renovável na rede. Esta mudança de perspectiva é fundamental para entender o papel da redução da geração na evolução dos sistemas elétricos com elevadas penetrações de fontes intermitentes como eólica e solar.
Nos últimos anos, os eventos de curtailment têm se tornado cada vez mais frequentes.
A necessidade do curtailment e o conceito de implicit storage ou
armazenamento implícito
O relatório Firm Power Generation 2023 da Agência Internacional de
Energia (IEA) apresenta experiências valiosas de como outros países estão
lidando com a elevada penetração da energia solar. Um conceito-chave para
enfrentar esta nova situação é o de implicit storage ou armazenamento
implícito, que envolve o superdimensionamento intencional da capacidade
fotovoltaica (overbuilding) e o uso de curtailment (redução controlada da
produção) como uma ferramenta de armazenamento virtual de energia e
gerenciamento da rede.
Essência do armazenamento implícito é que a geração solar, pelos seus
preços cada vez mais baixos, pode ser instalada com potências maiores do que as
redes de transmissão podem suportar, sabendo que as usinas sempre irão
trabalhar limitadas pelo operador do sistema. Este sobredimensionamento
estratégico permite que, mesmo em condições de alta nebulosidade, as variações
na geração de energia não impactem significativamente a rede elétrica. Assim, o
excesso de capacidade instalada funciona como um “amortecedor”, absorvendo as
flutuações naturais da geração solar e da própria rede elétrica, proporcionando
uma entrega de energia mais estável e previsível à rede.
O conceito de overbuilding em sistemas solares é similar à potência dos
carros que usamos diariamente. No Brasil, compramos veículos com motores
capazes de atingir velocidades muito superiores aos limites legais, mesmo sem
ter uma autobahn — a autoestrada alemã sem limite de velocidades — onde
possamos explorar todo esse potencial. Essa capacidade de potência extra
oferece flexibilidade, desempenho consistente e confiabilidade em situações que
exigem mais potência, como subidas íngremes ou ultrapassagens. De forma
análoga, o overbuilding em usinas solares proporciona uma geração de energia
mais constante e confiável, mesmo que nem toda a capacidade seja utilizada
constantemente.
Esta abordagem permite que o armazenamento de energia físico (com
baterias por exemplo) cumpra sua função principal — fornecer energia firme
quando o recurso intermitente não está disponível — mas fazendo isso com uma
quantidade significativamente menor de armazenamento, resultando em custos
consideravelmente mais baixos de energia.
Este excesso de capacidade fotovoltaica atua como uma forma virtual de
armazenamento, resultando em uma geração mais previsível e controlável,
permitindo que os sistemas de armazenamento sejam dimensionados de maneira
otimizada. Além disso, o armazenamento implícito oferece flexibilidade
operacional adicional, permitindo que os operadores do sistema ajustem a
produção solar em tempo real para atender às demandas da rede, melhorando assim
a estabilidade e a confiabilidade do sistema elétrico.
Esta abordagem desafia a visão convencional de que o curtailment de
energia renovável deve ser evitado a todo custo. Ao contrário, ela sugere que o
curtailment pode ser uma estratégia econômica e tecnicamente eficaz para
integrar grandes quantidades de energia solar à rede, desde que a energia
restringida pelo operador do sistema seja adequadamente quantificada e paga ao
agente gerador.
Esta mesma abordagem em breve deve ser também discutida para a geração distribuída, seja através de soluções locais como inversores grid-zero – onde nenhuma potência é injetada na rede, seja através de sistemas de armazenamento ou até mesmo curtailment remoto. Todas essas mudanças de paradigma se fazem possíveis por conta das expressivas reduções de custo experimentadas pela tecnologia solar fotovoltaica nos últimos anos.
Armazenamento de energia de curta e longa duração é essencial para a Transição de Energia Limpa
No contexto brasileiro, a integração regional desempenha um papel
crucial nessa estratégia. O vasto território do país, com seus diversos perfis
de irradiação solar, oferece uma oportunidade única para o superdimensionamento
estratégico em diferentes regiões. Esta abordagem pode ajudar a suavizar a
variabilidade sazonal e diária da geração solar, contribuindo para uma oferta
de energia mais estável e confiável em escala nacional.
Além disso, a implementação do curtailment e do armazenamento implícito
abrem portas para novos modelos de negócio no setor. A remuneração pela energia
restringida pode criar fluxos de receita adicionais para os proprietários de
usinas solares, incentivando investimentos em capacidade excedente e tornando o
overbuilding economicamente atrativo.
Contudo, a transição para este novo paradigma não está isenta de
desafios. É necessária uma mudança significativa na mentalidade do mercado,
passando da maximização da produção para uma abordagem de “valor pelo serviço”.
Paralelamente, é fundamental encontrar o equilíbrio econômico ideal,
determinando o nível de superdimensionamento e curtailment que maximize os
benefícios para o sistema elétrico e que ao mesmo tempo se mantenha
economicamente viável para os geradores e consumidores.
O curtailment, aliado ao conceito de armazenamento implícito, representa uma mudança de paradigma na integração da energia solar em larga escala. À medida que o Brasil e o mundo avançam em direção a uma matriz energética cada vez mais dominada pelas energias solar fotovoltaica e eólica, estas estratégias se tornam ferramentas essenciais para garantir a estabilidade, confiabilidade e modicidade do sistema elétrico.
Energia Solar: Iluminando o futuro da matriz elétrica brasileira em 2024.
A implementação bem-sucedida dessas abordagens requer uma combinação de
inovação tecnológica, adaptação regulatória e novos modelos de negócio. Com a
contínua queda nos custos da energia solar e o aumento da sua participação na
matriz energética, o curtailment, e o armazenamento implícito não são apenas
opções, mas necessidades para o futuro do setor elétrico. (pv-magazine-brasil)
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