domingo, 8 de maio de 2011

O destino dos rejeitos radioativos

O setor nuclear deposita grande expectativa em uma nova geração de reatores que permitem encurtar significativamente a meia-vida dos rejeitos de alta atividade. São conhecidos como reatores híbridos, por sua capacidade de, ao mesmo tempo, gerar energia e “incinerar” os resíduos produzidos, transmutando elementos radioativos para reduzir fortemente o seu ciclo de vida. Há unidades operando em escala-piloto nos EUA, Japão e França.
O destino dos rejeitos radioativos.
Avanço tecnológico abre novas perspectivas de redução significativa da nocividade e do tempo de atividade do combustível utilizado nas usinas.
Minimizar os riscos para o meio ambiente é, hoje, uma questão inerente aos projetos de geração de energia. Em maior ou menor grau, todas as fontes geradoras provocam impacto ambiental, até mesmo aquelas consideradas inofensivas, por não queimarem combustíveis fósseis e não emitirem poluentes, como é o caso da energia eólica. Além da alteração nas paisagens, suas torres e hélices provocam a emissão de ruídos, podem causar interferências eletromagnéticas (afetando a transmissão de televisão) e até mesmo se constituir numa ameaça à sobrevivência de pássaros, caso sejam instaladas em locais que servem como rotas de migração.
A construção de hidrelétricas provoca a inundação (ou alagamento) de áreas extensas, com consequências ambientais (alteração da vegetação, da vida animal e do clima) e sociais, como o deslocamento da população ribeirinha. Um caso emblemático é o desaparecimento de Sete Quedas para a formação do lago da usina de Itaipu. Há quem diga que, se M fosse hoje, o projeto de construção da usina não seria aprovado. Uma demonstração disso é que são justamente as questões ambientais que vêm adiando o início da construção das hidrelétricas do rio Madeira.
As usinas térmicas baseadas em carvão, óleo, gás natural e madeira são consideradas extremamente prejudiciais ao meio ambiente, pois liberam gases como dióxido de carbono (CO2), que contribuem para o efeito estufa. Além disso, as que utilizam o carvão ou o óleo como fonte energética também emitem óxidos de enxofre e nitrogênio, que se liberados na atmosfera podem ocasionar chuvas ácidas prejudiciais à agricultura e florestas.
Já contra a geração nuclear pesa o fato de, apesar de não provocar a emissão desses gases – e, portanto, não contribuir para o aquecimento global -, gerar resíduos radioativos, extremamente tóxicos e que permanecem ativos por muito tempo. O armazenamento seguro desses resíduos é o grande desafio que vem sendo enfrentado pela indústria nuclear.
Soluções sob medida
Os resíduos nucleares são divididos em três classes, que variam segundo o nível de radioatividade emitida. A primeira é a dos rejeitos de baixa atividade, que compreendem fontes usadas na medicina e na indústria, máquinas e materiais com resíduos radioativos (papéis, flanelas, panos de limpeza, peças de vestuário etc.). Os rejeitos de média atividade compreendem as resinas iônicas, as lamas químicas e os revestimentos metálicos do combustível. Já os rejeitos de alta atividade resultam do combustível descarregado dos reatores. São altamente radioativos e contêm atividade de vida longa.
Os rejeitos de baixa e média atividade são armazenados em tambores metálicos de 200 litros que, por sua vez, são colocados em blocos monolíticos de concreto capazes de garantir seu isolamento por vários séculos, tempo que leva para que se tornem inativos. A guarda definitiva desses recipientes é feito em repositórios construídos na superfície, em locais seguros e protegidos. Existem vários repositórios desse tipo no mundo, inclusive no Brasil. Trata-se do repositório de Goiânia, que recebeu os rejeitos do acidente com o Césio-137, em 1987.
O conceito internacionalmente consagrado para o armazenamento dos rejeitos de alta atividade compreende duas fases. Inicialmente, o combustível utilizado nos reatores – que gera uma grande quantidade de calor – é resfriado por um período mínimo de 10 anos em piscinas especiais localizadas dentro da própria usina onde foi produzido. Esse processo pode ser estendido por até 40 anos, que é o tempo médio de vida de um reator. Trata-se de uma prática adotada em usinas nucleares do mundo inteiro, de acordo com as diretrizes da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), e que, no Brasil, é regulada pela Cnen.
Depois de resfriado, o combustível pode ser reprocessado ou ser preparado para a armazenagem intermediária (de curta, média ou longa duração) ou definitiva. Nesse caso, o material é acondicionado em cápsulas metálicas, soldadas e lacradas, que são colocadas em repositórios subterrâneos de grande profundidade, localizados em áreas com condições geológicas naturais milenarmente estáveis (baixa probabilidade de abalo sísmico), baixo índice pluviométrico e pouca densidade populacional. Os terrenos preferenciais são formações rochosas, que funcionam como uma blindagem que evita a corrosão dos recipientes onde os rejeitos são acondicionados.
Na prática, o que acontece é que ainda não existe no mundo nenhum repositório definitivo em funcionamento. Alguns projetos estão em andamento, em países como EUA, Finlândia, França, Suécia e Japão. O depósito americano de Yucca Moutain encontra-se em fase de licenciamento. No entanto, com a retomada da opção nuclear – a previsão mais recente é que a capacidade nuclear deve dobrar até 2050, com a construção de novas usinas e a ampliação da vida útil das já existentes – em função da aceleração do aquecimento global, a questão do destino dos rejeitos torna-se muito mais urgente.
Insumo ou rejeito?
O reprocessamento do combustível utilizado pelos reatores, que foi realizado até meados da década de 1970, começa a ser de novo avaliado como uma opção para a gestão dos rejeitos de alta atividade. Nesse sistema, em vez de descartados e armazenados indefinidamente, os elementos combustíveis utilizados pelos reatores são reciclados. “No elemento combustível usado, 95% é formado pelo urânio, que mesmo após o processo de queima no reator, mantém um nível de enriquecimento de 1% a 2%, que é superior ao do urânio encontrado na natureza (0,73%). O plutônio tem uma parcela de 1%. A reciclagem, chamada nesse caso de “reprocessamento”, permite separar esses dois elementos, que podem retornar para o ciclo de fabricação de combustível novo, e os 4% de volume restante, compostos por rejeitos de alta atividade, são aqueles que irão requerer armazenagem definitiva”, explica o assessor da presidência da Eletronuclear Leonam dos Santos Guimarães. “Trata-se de uma estratégia extremamente eficiente de gestão de rejeitos”, afirma.
Essa estratégia chegou a ser utilizada na década de 1970 nos Estados Unidos, tendo sido banida durante o governo Jimmy Carter, que vetou o reprocessamento do combustível irradiado nas usinas americanas. Segundo o superintendente da Qualidade da Eletronuclear, Guilherme Camargo, com essa decisão, o governo Carter criou artificialmente a questão do “lixo atômico”. Ele explica que, nesse momento, o combustível irradiado deixou de ser um insumo com altíssimo potencial energético e foi transformado em rejeito. Entretanto, a França prosseguiu no caminho do reprocessamento e hoje opera a maior usina desse tipo no mundo, prestando serviços não só para os reatores franceses, mas também para o Japão, Suíça, Bélgica e Alemanha. O Japão e a Grã-Bretanha também operam usinas de reprocessamento de menor porte. Elementos combustíveis contendo plutônio e urânio, provenientes do reprocessamento são regularmente usados em reatores na França e Japão.
Para Leonam Guimarães, comete-se um erro ao se denominar como rejeito o material que sai dos reatores nucleares. “Rejeito é algo que não tem mais nenhuma utilidade e, portanto, pode ser descartado. E o que sai dos reatores nucleares, longe de ser inútil, pode ser reaproveitado. Técnica e legalmente, não existem rejeitos de alta atividade. O que existe são elementos combustíveis usados e que podem e certamente virão a ser efetivamente reprocessados”, afirma.
A proibição do reprocessamento do combustível para uso civil faz parte da estratégia de não-proliferação nuclear, capitaneada pelos EUA. Segundo Leonam Guimarães, o argumento oficial para a medida é evitar a produção de armas nucleares a partir do plutônio gerado nos reatores. No entanto, o plutônio extraído do combustível utilizado em reatores de potência de água leve, como os de tecnologia PWR e BWR – a grande maioria do parque mundial -, é inservível para uso militar. Somente os reatores de água pesada, tais como a tecnologia canadense Candu ou de pesquisa podem produzir plutônio para fabricação de armas nucleares. “Na verdade, o que está em jogo é o domínio da tecnologia de reprocessamento por outros países além daqueles que já possuem armas nucleares”, garante Guimarães.
Mas, diante de um cenário futuro de escassez e necessidades crescentes de energia, associado às mudanças climáticas, o reprocessamento começa a ser novamente cogitado dentro de uma visão de sustentabilidade energética do planeta a longo prazo. Países como França, Inglaterra e Japão já têm plantas que utilizam elementos combustíveis de óxido misto de urânio e plutônio. Outra opção é a reintrodução da tecnologia de reatores rápidos, utilizada na década de 1970. Os reatores rápidos, também chamados reatores regeneradores, operaram comercialmente no Japão (Monju) e na França (Fênix e Super-Fênix).
Segundo Leonam Guimarães, os reatores rápidos oferecem uma alternativa mais econômica de aproveitamento do combustível reprocessado. “A economia do reprocessamento só vai ficar estabelecida com a operação conjunta dos reatores de água leve com os reatores rápidos, estes utilizando o combustível reprocessado gerado pelos primeiros. Era o sonho dos primórdios da energia nuclear. Que acabou não se consolidando basicamente por razões econômicas, pela disponibilidade de fontes de energia mais barata. Mas essas fontes estão escasseando”, adverte.
O setor nuclear deposita grande expectativa em uma nova geração de reatores que permitem encurtar significativamente a meia-vida dos rejeitos de alta atividade. São conhecidos como reatores híbridos, por sua capacidade de, ao mesmo tempo, gerar energia e “incinerar” os resíduos produzidos, transmutando elementos radioativos para reduzir fortemente o seu ciclo de vida. Há unidades operando em escala-piloto nos EUA, Japão e França.
Baseado em um reator rápido acoplado a um acelerador de partículas, o sistema utiliza a tecnologia de transmutação, que possibilita reduzir de milhares para cerca de 250 anos o tempo de vida dos rejeitos de alta atividade. “Com o aumento da idade média do ser humano, daqui a pouco esse tempo corresponderá a apenas três gerações, um prazo totalmente aceitável sob o ponto de vista do controle”, afirma o vice-diretor da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Aquilino Senra.
Diante da perspectiva de que o reprocessamento venha a se tornar uma realidade, o caminho visualizado pelos especialistas do setor nuclear em relação à gestão de rejeitos é garantir o armazenamento seguro de longa duração dos combustíveis usados, guardando para gerações futuras o direito de exercer opção de utilizar essa fonte de energia. Dessa forma, em vez de uma herança negativa, como acusam os críticos, a energia nuclear está deixando para as gerações futuras um legado positivo. (abides.org.br)

Um comentário:

Aline disse...

Angela,
Sou aluna do primeiro ano de direito, e na materia de Metodologia devemos fazer um projeto de pesquisa para apresentar no final do ano uma monografia em grupo.Meu grupo pego o tema de lixo atomico, e pesquisando pela internet achei uma pagina de seu blog,gostei de alguns post que a senhora fez, e gostaria de saber quais sao os lugares que vc faz suas pesquisas.A minha parte no trabalho é falar a respeito do impacto ambiental e o lugar que o lixo é armazenado, na internet nao tem muita coisa com profundidade, sao textos mais superficiais.Se a senhora puder me ajudar ficaria grata!
Obrigada, Aline. email: aline_ocosta@msn.com