A revolta de moradores indianos contra um projeto de reator nuclear
Uma caminhonete avermelhada pelo fogo jaz à beira da estrada. Vidros quebrados de uma casa deixam entrever no lado de dentro pedras e um cartucho. E, pintado em uma mureta, o slogan: “No nuclear”. Reportagem de Frédéric Bobin, Le Monde.
As feridas ainda estão abertas em Nate, vila de pescadores do distrito de Ratnagiri, no sul de Maharashtra, uma semana depois dos confrontos de 18 de abril que custaram a vida de um morador.
Em um dia, Nate se transformou em um campo de batalha entre a polícia e os moradores contrários ao projeto de uma usina nuclear em Jaitapur, situada na outra margem do estuário onde o rio Kodavli desemboca no mar da Arábia. A mobilização da população contra esse projeto de seis reatores nucleares de tipo EPR (1.650 megawatts cada um), confiado à Areva, não é nova. Mas é a primeira vez que ela assume um viés tão violento.
Na praça do vilarejo, os moradores comentam sem parar o acontecimento à sombra de mangueiras e coqueiros. Nate é majoritariamente composta de muçulmanos. Os homens usam o kufi [gorro] e barba, e muitas mulheres se cobrem com o niqab [véu integral]. A mesquita verde pastel emerge das folhagens tropicais, diante das águas onde fica ancorada uma pequena frota de pesqueiros. A brisa traz odores de peixe e de algas.
Por trás da aparente serenidade do lugar, a raiva permanece latente. A população condena a violência da polícia, que atirou balas de verdade, no dia 18 de abril. A polícia garante ter respondido aos ataques violentos dos manifestantes.
Mansour Solkar, de turbante branco enrolado na cabeça, dobra sua calça revelando uma canela atingida de raspão por uma bala. “Eles atiram na gente, mas não recuaremos jamais!”, diz.
A opinião é compartilhada pela pequena assembleia de moradores que se aglomeram em torno do visitante de passagem. Na qualidade de dirigente da associação dos pescadores, Riaz Solkar fala com autoridade. Ele exprime os temores de sua comunidade gerados pelo acidente na usina de Fukushima, no Japão. “O Japão é um exemplo”, diz. “As consequências de Fukushima atingem não somente o Japão, mas também os países vizinhos. Será o mesmo aqui. Um acidente destruiria a Índia e outras regiões do mundo”.
A curto prazo, o que preocupa é o impacto de uma usina como essa sobre a economia local da pesca, relativamente próspera. “O lançamento de água quente no mar teria incidências negativas sobre a fauna marinha e, portanto, sobre os peixes que nos sustentam”, diz.
Determinado a defender sua atividade, Riaz Solkar não tem a intenção de diminuir a pressão sobre o governo do Maharashtra para conseguir o cancelamento do projeto. “Mesmo se matarem ou prenderem as pessoas, continuaremos a lutar”, afirma. Ao seu lado, Sadiq Isaq, de kufi e barba avermelhada, concorda, com uma frase concisa: “Essa usina nuclear é o Juízo Final para nós.”
A cerca de 50 quilômetros de Nate, o Dr. Vivek Bhide nos recebe em seu consultório no vilarejo de Malgund. Esse clínico geral é sobretudo um militante do desenvolvimento local, coordenador do Comitê pela Consciência do Povo. Ele não poupa elogios para as conquistas da economia local dos últimos cinquenta anos, enriquecida pelo turismo (a costa está repleta de enseadas e praias), pela pesca, pelas castanhas de caju e sobretudo pelas mangas, que são exportadas para os Estados Unidos, Europa e Japão.
“Essa região é muito frágil do ponto de vista ecológico”, explica Bhide. “Não é o lugar certo para instalar uma usina. O governo não fez estudos sérios sobre o impacto ambiental.” Para ele, o caso não deixa dúvidas: “É uma fraude em torno de contratos nucleares entre o governo indiano e as potências que vendem suas tecnologias e equipamentos.”
Bhide não consegue entender como as autoridades indianas puderam subavaliar o risco de acidente, sendo que o distrito de Ratnagiri, situado em uma zona sísmica “moderada”, está próxima a uma zona considerada “de risco elevado”. A evidente confusão do governo, a falta de informação às populações locais, abandonadas somente a um discurso catastrofista, alimentam medos e hostilidade.
Certamente há também uma exploração política. As manifestações de Nate, que se degeneraram, foram fomentadas pelo Shiv Sena, um partido regionalista hindu de extrema direita que diz defender os interesses do Maharashtra contra os perigos externos. Evidentemente, o Shiv Sena entrou em ação para criar dificuldades ao Partido do Congresso, no poder tanto em Maharashtra (de onde Mumbai é a capital) quanto em Nova Délhi.
Questionado sobre esse apoio que poderia se tornar comprometedor, Vivek Bhide responde com serenidade: “Os ecologistas de esquerda também nos apoiam. O Shiv Sena fez sua aparição há dois meses, sendo que a mobilização havia começado bem antes. A agitação vem do povo, e não de um partido em especial.” (EcoDebate)
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