O acidente nuclear do Japão expressa a ‘sede vampiresca por sangue vivo do trabalho’
O espectro radioativo envolve em seus tentáculos cancerígenos e mutantes, mais uma vez, grandes populações humanas. Desde o anúncio das explosões ocorridas na central nuclear de Fukushima no Japão, que o mundo acompanha, em meio ao desencontro de informações, o potencial remake da “síndrome da china”, desta feita, em preto e branco. E, ora, como ficam os defensores de que a energia nuclear seria fonte limpa e segura?
Segundo a Energy Information Administration/Monthly Energy (2008), de 1975 a 1990, houve um crescimento de 116,7 % no número de usinas nucleares construídas no mundo. Em meados da década de 70 existiam 42 usinas, em 1990 já são 112. Após o desastre nuclear ocorrido em 1986, na cidade de Chernobyl, praticamente cessam as construções de novas usinas.
Entretanto no início da década de 2000, a busca por crescimento econômico, associada à patente constatação do esgotamento ambiental, a partir principalmente dos dados que evidenciaram o aquecimento global, o uso nuclear para produção de energia torna-se fenômeno retumbante entre governos, agências e competentes pesquisadores pelo mundo afora.
Mesmo que nos atenhamos apenas aos argumentos nacionais, é possível tais encontrá-los às escâncaras: “É fonte limpa quando comparada com os combustíveis fósseis, hidroelétricas e/ou carvão”; “não há chances de ocorrer outro acidente como Chernobyl”; “a fiscalização fica a cargo de organismos internacionais idôneos”; “um país e/ou região (Nordeste) pobre não pode prescindir de tamanho investimento”.
Esquecem-se os doutos de que não existe fonte de energia absolutamente limpa; menos ainda a energia nuclear, que mesmo não se considerando os seus derivados acidentes, gera lixo que por séculos poderá destruir vida. A impossibilidade científica de acidentes só é possível nas mentes iluministas do século 18; o século 20 sepultou de há muito essa tese.
Acreditar na idoneidade das agências internacionais de energia nuclear é tapar olhos e ouvidos para os gritos e estampidos que ecoam das guerras do Golfo. Se royalties e investimentos das usinas nucleares por si só trouxessem prosperidade, desenvolvimento e também progresso, diversos municípios brasileiros produtores de petróleo não estariam imersos em agressiva miséria. Em verdade, a energia nuclear, desde sempre, tem sido uma questão geopolítica.
É degradante saber da disputa travada por governadores nordestinos em busca do urânio enriquecido para os seus territórios, em nome do que promovem “tour heurístico”. Flagrante exemplo é o governo sergipano, financiando tais evoluções obviamente com dinheiro público, para o deleite de empresários, políticos e cientistas, que vão conhecer in loco as usinas nas praias de Angra.
Qual o registrado na recente tragédia no estado do Rio de Janeiro, mais uma vez se adjetiva de “natural” um desastre absolutamente construído e previsível. Como não responsabilizar o homem pelo adensamento populacional, associado à armazenagem e ao processamento de material radioativo em áreas inseridas no círculo de fogo do Pacífico?
Resolver o problema de produção de energia através da construção de usina nuclear traduz-se em mais uma “fuga para frente”. A imperiosa exigência de sobrevivência do capital busca continuadamente alternativas que preservem a sua metabólica necessidade de realização de lucros, mesmo quando o fluido propulsor da engrenagem é o sangue humano (Marx, 1983).
O planeta dá reiteradas demonstrações do seu depauperamento ambiental. A questão não é mais se buscarem novas formas de energia, mas precipuamente se construírem novas relações sociais, nas quais o consumo exacerbado não seja o fio condutor das sociabilizações. Têm-se, pois, sob a névoa, por conseguinte, relevantes tarefas pedagógicas e políticas que haverão de arrebatar das mãos monetárias do mercado o timão do desenvolvimento social. (EcoDebate)
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