Combustíveis: nova geração é muito mais sustentável.
Estimulados pela urgência da transição energética, o setor de
combustíveis e institutos de pesquisa estão obtendo bons resultados em projetos
para viabilizar a chegada ao mercado de novos produtos sustentáveis. Petrobras,
Shell, Acelen, Gás Verde, Embrapa Agroenergia e Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai) são alguns destaques dessas
A Petrobras, por meio de seu Programa de BioRefino, investirá
cerca de US$ 600 milhões nos próximos 5 anos para desenvolver uma nova geração
de combustíveis sustentáveis. Seu diesel R é o primeiro produto lançado: os
testes foram feitos em 2022 e a produção regular começou neste ano.
É fabricado na Repar (PR) por coprocessamento de diesel mineral
com óleo vegetal, com proporção de até 10% de conteúdo renovável. A Petrobras
prevê aumentar a capacidade de produção de cinco milhões de litros por dia para
12,3 milhões de litros diários até o fim deste ano. Outros projetos de
coprocessamento de diesel R estão previstos para as refinarias de Cubatão,
Paulínia, em São Paulo, e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, até o fim do ano.
E outras estão em avaliação.
Em Cubatão, os planos da Petrobras incluem uma unidade dedicada à
fabricação de combustível de aviação sustentável (chamado de BioQav em
português e com sigla SAF, em inglês) e Diesel R100, com matéria-prima 100%
renovável. Unidades dedicadas ao BioQav e Diesel R100 na refinaria de
Pernambuco e em Itaboraí (RJ), no Polo Gaslub, antigo Comperj, estão também na
pauta da empresa. Para navios, a empresa também vem testando bunker (óleo
combustível para grandes embarcações) com conteúdo renovável: primeiro com 10%
em volume de biodiesel e depois com 24%.
No fim de setembro, Petrobras e a mineradora Vale assinaram um
memorando de entendimentos para o desenvolvimento de combustíveis sustentáveis
como metanol verde, biobunker, amônia verde e diesel renovável, entre outras
iniciativas de descarbonização. A parceria, com prazo de dois anos, inclui
potenciais acordos comerciais para fornecimento de produtos de baixo carbono da
Petrobras para as operações da Vale.
Outra que está abrindo o cofre em busca de alternativas
sustentáveis é a Shell. A petroleira anglo-holandesa faz investimentos de R$
100 milhões em um projeto para usar agave como fonte de biomassa e produzir
etanol e biogás no sertão nordestino. “Nossa intenção é utilizar 100% do
potencial do agave para obter etanol de primeira e segunda gerações, visando a
implantação de uma nova cadeia de negócios”, diz o diretor de tecnologia e
pesquisa e desenvolvimento da Shell Brasil, Olivier Wambersie.
A empresa, que tem como parceiros o Senai Cimatec e a Universidade
de Campinas (Unicamp) nessa empreitada, vai criar soluções biológicas para
melhorar a produtividade, adaptabilidade e resistência do agave, além de
tecnologias de mecanização para o plantio e a colheita da planta testadas em
campo experimental.
A Shell, diz ele, também desenvolverá as rotas de processamento do
agave em combustíveis e que serão validadas em escala de laboratório e piloto
na Bahia. Segundo Wambersie, esperam-se entregas técnico-científicas a partir
de 2025. Ele ressalta que o projeto está na fase de pesquisa e desenvolvimento
(P&D) e é de longa duração.
Por isso, ainda é preciso validar a tecnologia, avaliar os custos
e otimizar os processos, antes de entrar na fase comercial. Uma característica
interessante do agave, aponta ele, é a presença de menos lignina – molécula que
dá rigidez, impermeabilidade e resistência – nas fibras e bagaço da planta,
quando comparado ao bagaço e à palha da cana-de-açúcar.
“Isso nos permite acreditar que teremos mais facilidade para
remover os açúcares que são necessários para produção do etanol”, observa. A
Shell investe cerca de R$ 600 milhões em projetos de P&D, sendo 30%
destinados a iniciativas para a transição energética.
Outra produtora de derivados de petróleo, a Acelen (empresa do
fundo Mubadala), dona da Refinaria de Mataripe e seus ativos logísticos na
Bahia, vai investir R$ 12 bilhões nos próximos dez anos para fabricar
combustíveis renováveis, especialmente diesel e querosene de aviação
sustentável. O início da produção está previsto para o primeiro trimestre de
2026 e a estimativa é fazer um bilhão de litros por ano.
O foco inicial será o mercado externo. “A nossa tecnologia será
‘drop-in’, que significa que não há necessidade de adaptação alguma de
infraestrutura ou limitação de mistura com combustíveis fósseis”, diz Yuri Gama
Orse, diretor da cadeia de renováveis da Acelen. Já o abastecimento do mercado
brasileiro depende de regulação adequada, diz ele, para que existam demanda e
preços competitivos. O tema está em tramitação no Congresso Nacional.
Na primeira fase do projeto da Acelen – que terá total sinergia
com a refinaria de Mataripe, aproveitando a infraestrutura de utilidades,
tancagem e logística – serão usados óleo de soja e matérias-primas
complementares. Na segunda etapa, entra em cena o óleo de macaúba, árvore nativa
do Brasil com alto potencial energético não explorada em escala comercial, e
óleo de dendê, com previsão de início de plantio em 2025.
Em outra trilha de atuação, a Gás Verde usa resíduos orgânicos de
aterros sanitários para produzir biometano. A empresa vai aumentar sua
capacidade atual média de produção de 130 mil m3 por dia em Seropédica (RJ)
para 580 mil m3 diários até 2026 e vem dando outros passos para
crescer. Em maio, comprou a portuguesa ENC Energy e suas oito térmicas a
biogás, passando a atuar em mais cinco Estados: São Paulo, Minas Gerais, Bahia,
Pernambuco e Maranhão.
Em junho, assinou um memorando de entendimentos com a NTS,
transportadora de gás, para viabilizar a injeção de biometano em dutos de
transporte do país. “O biometano tem a mesma aplicação e é intercambiável com o
gás natural. Logo, pode ser usado tanto para abastecer veículos e frotas
pesados como nos processos produtivos industriais”, diz o CEO da Gás Verde,
Marcel Jorand.
Em Natal (RN), o Instituto Senai de Inovação em Energias
Renováveis montou, em parceria com a Cooperação Brasil-Alemanha para o
Desenvolvimento Sustentável, uma planta-piloto para fabricar combustível
sustentável de aviação. O SAF (ou BioQav) será obtido a partir de glicerina,
que é um derivado da indústria de biodiesel. Tem alto valor energético, mas é
subutilizado no Brasil e tem baixo valor comercial.
O trabalho está na reta final. “A molécula de SAF precisa ser
tratada a fim de apresentar as mesmas características físico-químicas da
molécula do petróleo”, diz o coordenador de P&D, Antonio Marcos de
Medeiros. Após essa etapa, o biocombustível será certificado junto à Agência
Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No entanto, para que
seja comercializado, diz Medeiros, serão necessários investimentos em unidades
de produção de maior porte.
A Embrapa Agroenergia é mais uma integrante da cadeia de inovação
com um cardápio variado de pesquisas no setor. Entre elas, estão o
desenvolvimento de cultivares tropicalizadas de canola, possibilitando a
produção de óleo e proteína vegetal utilizados em biocombustíveis diversos. Há
ainda investimentos em sistemas de produção integrada para cultivo da macaúba,
no Cerrado e regiões semiáridas. A planta é vista como alternativa de insumo de
biocombustíveis.
Outros projetos são dedicados ao biogás e biometano, diesel verde
e etanol. “Pela diversidade de soluções que estão sendo buscadas em nossos
projetos de PD&I, projeta-se para o horizonte de 2023-2030 grande impacto
no segmento produtivo”, afirma Bruno Galvêas Laviola, chefe-adjunto de P&D
da Embrapa Agroenergia. Isso por conta da disponibilização de novas variedades
vegetais e insumos agroindustriais, além de novos processos e metodologias.
Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, destaca que
o Brasil tem alternativas que permitem explorar o enorme potencial dos
biocombustíveis. “Em um horizonte mais próximo, veremos o desenvolvimento de
veículos híbridos que podem usar gasolina, etanol ou eletricidade”.
De acordo com ele, a criação de um mercado doméstico com regras
claras e contínuas tende a estabelecer bases para rentabilizar projetos e
atrair investidores. “Outro relevante catalisador dos investimentos é o mercado
de carbono, com destaques para o programa RenovaBio”, afirma Boutin.
O programa, diz ele, recompensa os produtores de biocombustíveis
de acordo com a intensidade de carbono de seus produtos: quanto menor a
intensidade, maior é a geração de créditos de descarbonização (Cbios) pelo
produtor. “A garantia de retornos proporcionais à redução de pegada de carbono,
em um mercado livre de intervenção política e transparente, seria talvez o
maior incentivo para o setor privado”. (biodieselbr)
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