A macaúba melhora a qualidade do pasto e oferece maior conforto
térmico aos animais, já que a floresta sobre a pastagem abaixa em alguns graus
a temperatura daquele ambiente. Ela também pode ser usada na rotação de
pastagem ao servir de mourão de cerca.
“Escolhemos a macaúba como a principal matéria-prima do futuro”.
Assim Marcelo Cordaro, vice-presidente de Novos Negócios da Acelen, justifica o
investimento alto nessa matéria-prima riquíssima em óleo. Boa parte dos mais de
R$ 12 bilhões anunciados pela empresa para combustíveis renováveis está sendo
destinado à palmeira - R$ 8,5 bilhões, mais especificamente.
Controladora da refinaria de Mataripe, na Bahia, a Acelen não foi
a única a crescer os olhos para a macaúba. Outras empresas e diversos
institutos de pesquisa perceberam que essa planta nativa do Brasil amadureceu
no mercado. “Nunca vi tanta gente falando ‘macaúba’ em tantos lugares”, diz
Cordaro.
Nos Emirados Árabes, por exemplo, o termo pegou. Proprietária da
Acelen, a Mubadala Capital, braço de investimentos do fundo soberano de Abu
Dhabi, deixou de lado o estrangeirismo “macauba palm” para incorporar a macaúba
em sua plenitude, começando pelo nome. Interessada numa cadeia verticalizada
para produzir biocombustível, a companhia vislumbrou na cultura dessa palmeira
as dimensões ideais para o negócio.
Em primeiro lugar, pela disponibilidade de ambientes para o seu
cultivo. A macaúba ocorre, natural e espontaneamente, do México ao sul de São
Paulo. No Brasil, forma grandes e densos maciços, em especial nos cerrados de
Minas Gerais. Mas está por quase todo o mapa: além de Minas e São Paulo, pode
ser vista em Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Amazonas,
Roraima, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia.
Essa dispersão, até mesmo por regiões secas, é uma diferença importante
em relação ao dendê, seu concorrente mais próximo no mercado, que depende da
pluviosidade para o cultivo comercial e, por isso, acaba restrito a regiões da
linha do Equador.
Outro diferencial da macaúba é a produtividade. Ela produz sete a
oito vezes mais óleo por hectare/ano do que a soja, por exemplo. O produto,
vindo do fruto, pode ser usado para a produção do diesel verde, o HVO
(Hydrotreated Vegetable Oil, na sigla em inglês), e do querosene sustentável de
aviação, o SAF (Sustainable Aviation Fuel). A Acelen pretende produzir ambos de
olho no mercado externo, onde eles já são aprovados para comercialização e
consumo. A previsão da refinaria é de, em dez anos, gerar 20 mil barris/dia de
óleo vegetal (macaúba, especialmente), cerca de 1 bilhão de litros ao ano,
equivalente ao abastecimento anual de 1,1 milhão de veículos.
A planta tem também uma invejável pegada de carbono. “Se, há uma
década, o mercado de carbono era visto como cabeça de bacalhau - diz que tem,
mas ninguém viu -, hoje ele é o principal incentivo para a exploração comercial
da macaúba, pelo menos no nosso negócio”, diz Johannes Zimpel, fundador e CEO
da startup Inocas. Com sede em Patos de Minas (MG), a cerca de 400 quilômetros
de Belo Horizonte, a empresa tem focado na integração da macaúba a pastagens
para recuperar solos degradados e gerar, por tabela, receitas adicionais para
agropecuaristas familiares.
O consórcio funciona mais ou menos assim: donos de pequenas e
médias propriedades conjugam o plantio da macaúba em suas terras, o que pode
aumentar até cinco vezes a produtividade do rebanho, segundo Zimpel. A macaúba
melhora a qualidade do pasto e oferece maior conforto térmico aos animais, já
que a floresta sobre a pastagem abaixa em alguns graus a temperatura daquele
ambiente. Ela também pode ser usada na rotação de pastagem ao servir de mourão
de cerca. Enquanto o gado se refestela no espaço delimitado pelas palmeiras, o
restante do pasto descansa do consumo e do pisoteio.
Além disso, a macaúba sequestra o carbono a ponto, até, de
negativá-lo. Quem financia o projeto fica exatamente com os créditos de carbono
vindos do restauro e do sequestro de CO2 nas plantações e no solo
recuperado. Cada hectare de macaúba com pastagem sequestra cerca de 20
toneladas de carbono por ano, de acordo com pesquisa desenvolvida pelo
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Já a Inocas, responsável pela assistência técnica e pelos insumos,
recebe ao longo de 20 anos a metade da produção da macaúba e o compromisso de
comprar do dono da terra a parte restante por um preço predeterminado,
corrigido pela inflação. A planta começa a produzir a partir do quinto ano do
plantio.
A startup vem testando a viabilidade desse “segundo andar
produtivo” num projeto-piloto implementado em 2 mil hectares no Alto do
Paranaíba, em Patos de Minas, financiados pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). A ideia agora é expandir para mais 9 mil hectares com
novos parceiros.
O Amazon Biodiversity Fund (ABF), primeiro fundo de investimento
de impacto voltado para negócios sustentáveis na Amazônia, é o principal
financiador do plantio de 5 mil hectares de macaúba num bioma amazônico com
transição para o cerrado, no Pará. A Native, organização americana, está encampando
mais 4 mil no Vale do Paraíba paulista, em Aparecida, região de Mata Atlântica,
por meio de uma venda antecipada de carbono feita pela Inocas. Já o Fundo Vale
aportou R$ 12 milhões para promover a recuperação de 100 mil hectares de
floresta usando projeto de macaúba da startup. O foco? Carbono, carbono e
carbono.
“O mercado de carbono pode financiar a enorme escalabilidade da
cadeia produtiva da macaúba”, afirma Zimpel. Ele destaca que, dos 156 milhões
de hectares de pastos existentes no Brasil, cerca de 43 milhões deles estão
degradados. “Nossa ideia é replicar a proposta por todos os degradados e, com
isso, aumentar a produção de óleo vegetal global em 50%, somando macaúba, soja,
palma, canola, milho”, diz Zimpel, adicionando democraticamente outras
oleaginosas ao processo.
A Acelen, por exemplo, pretende plantar macaúba em, no mínimo, 115
mil hectares de pastagens. O Estado de preferência é a Bahia, por ter muita
terra degradada e por facilitar a logística do processo, já que a refinaria de
Mataripe fica em São Francisco do Conde, região metropolitana de Salvador.
Resíduo zero
Quando se fala em cadeia da macaúba, um dos princípios que a
norteiam é o resíduo zero. Ou seja, dela tudo se aproveita. Da polpa, vem o
óleo para biodiesel, o bioquerosene e a indústria de alimentos. Da amêndoa,
extrai-se um óleo de fino trato para pele e cabelos, já cobiçado pela indústria
de cosméticos. O processamento dos frutos e da casca gera uma torta proteica,
que o produtor pode servir ao gado. E o endocarpo, a parte dura em volta da
semente, reúne características para a extração de biocarvões, como o biochar.
Estudos atestam que o biochar - união de biomass (biomassa) com
charcoal (carvão) - remove do solo contaminantes orgânicos, como pesticidas e
corantes, e metais pesados, como chumbo e mercúrio, além de reter íons
orgânicos de águas residuais, o que aumenta a fertilidade do terreno. Também
promove o sequestro de carbono - ele, novamente.
“O óleo da macaúba é o nosso principal produto, ele puxa essa
escala de projetos, mas existe essa integração sustentável, de tal forma que
tudo o que é do campo vai para a indústria e algumas coisas da indústria voltam
para o campo”, afirma Felipe Morbi, cofundador da startup S. Oleum. Sediada no
noroeste de Minas, em João Pinheiro, a empresa ganhou novo nome e CNPJ no
início de 2023. Antes, era Soleá.
Morbi trabalha há mais de 15 anos com a macaúba. De olho em
empresas e associações que procuram agricultura regenerativa, a empresa caminha
para a expansão com o plantio de 180 mil hectares, módulos de agrofloresta de
macaúba integrados com a pecuária e outras culturas agrícolas.
Morbi destaca que a macaúba chegou ao patamar de qualidade atual
graças, primordialmente, aos avanços na genética. A S. Oleum ostenta ter herdado
da Soleá o maior banco de germoplasma de macaúba, com sementes de plantas de
elite coletadas nas plantações. “Esses materiais genéticos são importantes para
se chegar à performance e produtividade que a gente preconiza há muito tempo”.
Visionários
O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) foi dos primeiros a
investir na domesticação da macaúba. Desde 2006, pesquisadores do Instituto vêm
mapeando pelo Brasil e por outros países do continente quais atributos a
macaúba pode oferecer para que seu cultivo seja o mais competitivo. Com dados
de campo e de laboratório, a ideia é oferecer um material genético o mais
domesticado possível no mais breve espaço de tempo aos interessados no plantio.
Domesticar, no caso, significa tornar a planta mais apta para
consumo e mais produtiva, uma mistura de melhoramento genético com boas
práticas agrícolas. A inspiração para essas pesquisas veio do Programa Nacional
de Biodiesel anunciado no primeiro governo Lula, em 2004, cuja proposta inicial
era valorizar cultivos tradicionais da agricultura, como a mamona, que, na
época, acabou por frustrar as expectativas.
Para Carlos Colombo, coordenador geral das pesquisas com macaúba
do IAC e um dos pesquisadores mais atuantes na divulgação do potencial dessa
palmeira aqui e mundo afora, a macaúba teve a sorte de contar com alguns
visionários do século 21, que chegaram a um estágio de conhecimento avançado o
bastante para despertar o interesse do setor privado por novidades no setor de
energia, como é o caso da Acelen. “Muitas espécies nativas da nossa
biodiversidade têm potencial para alcançar o protagonismo atual da macaúba,
que, em 15 anos ou menos, pode se transformar num cultivo em larga escala no
País”, diz ele.
O biólogo Luiz Henrique Chorfi Berton parece ser um desses
visionários. Há quase quinze anos trabalhando com a cadeia de valor da macaúba,
ele começou montando uma pequena fábrica de germinação num terreno da família e
hoje é CEO da startup Acros, que fica em Serra Negra. A empresa produz 1 milhão
de mudas de macaúba por ano, mas tem capacidade instalada, com laboratório,
viveiros e estufas, para chegar a 5 milhões de mudas anuais.
O pulo do gato da macaúba, reitera Berton, é a facilidade que ela
tem de se integrar a sistemas de produção já existentes, sejam culturas anuais,
perenes, pecuária, criação de caprinos. “Não precisa chegar para o produtor
rural e dizer: ‘Para de plantar café ou para de plantar uva, para de criar
gado, para de plantar soja. Você fala: ‘Quer incluir um componente arbóreo no
seu sistema’ Onde havia uma monocultura, que é um total desperdício, a macaúba
otimiza a área”.
O nome científico da macaúba é Acrocomia aculeata. O aculeata tem
a ver com os acúleos, espinhos presentes no tronco e nas folhas dessa palmeira.
Berton lembra que eles são possíveis de manejar e que não limitam seu cultivo
racional, seja consorciado com planta, seja consorciado com animal. “Sem saber
do potencial da macaúba, alguns produtores jogaram a culpa no espinho para
poder cortar a árvore pensando que, se tivessem um pasto pelado, só com o gado,
seria mais vantajoso”, diz.
Por comparação, o dendê não tem espinhos no tronco, e sim na base
das folhas. No entanto, seus frutos ficam encaixados entre a folhagem e, a
certa altura, fica impossível acessar o cacho. Depois de 15, 20 anos, a
palmeira precisa ser replantada. O fruto da macaúba fica pendurado para fora, o
que facilita a colheita, e a planta pode viver até 90 anos. “A macaúba gera um
ativo que vai servir para o produtor e mais duas gerações depois dele”, diz Johannes
Zimpel.
Varredura genética
De qualquer forma, os pesquisadores estão à cata de populações
superiores de macaúba (com e talvez sem espinhos) para retirar sementes e
também selecionar indivíduos para futuros cruzamentos. Essa varredura está a
todo vapor, segundo Joaquim Adelino de Azevedo Filho, pesquisador científico da
APTA Regional de Monte Alegre do Sul, da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Estado de São Paulo.
“O dendê está há mais de cem anos à frente, em termos de pesquisa
e desenvolvimento industrial, mas avançamos muito quanto à macaúba, tanto na
parte genética quanto no uso”. Ele destaca que, nos últimos, foram enfatizadas
as pesquisas na área de alimentação humana, com o isolamento de proteínas e
fibras solúveis da macaúba.
Esse trabalho tem recebido gás de uma parceria entre o instituto
alemão Fraunhofer, que fica próximo de Munique, o Instituto de Tecnologia de
Alimentos (Ital), em Campinas, e o IAC. O engenheiro de alimentos Sérgio
Henrique de Toledo e Silva explica, em conversa direto da Alemanha, que o
resíduo da polpa da macaúba é rico em fibras dietéticas, enquanto o da amêndoa
traz aminoácidos essenciais à semelhança daqueles presentes no whey protein
(proteína do soro do leite).
“Ela ainda é rica em aminoácidos sulfurados, deficientes em
leguminosas como a soja e o feijão, então tem o potencial de complementar as
dietas à base desses grãos”, afirma o pesquisador, prestes a entregar doutorado
sobre o tema. Ele prevê que o uso dos resíduos da palmeira na alimentação venha
a acontecer numa janela de cinco a seis anos.
Para colocar tantos interessados em macaúba na mesma página, está
previsto um evento em São Paulo no início de novembro no qual a Acelen
anunciará as parcerias firmadas. A empresa calcula gerar 90 mil empregos
diretos e indiretos e R$ 85 bilhões de valor econômico ao longo da vida útil do
projeto. “A macaúba está atraindo muito investidor e muita gente qualificada”,
diz Marcelo Cordaro. “É isso que nos faz acreditar que conseguiremos todas as
peças certas desde o começo”. (biodieselbr)
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