A eletricidade desempenha um papel fundamental na sociedade
moderna, por ser uma das principais fontes de energia. A dependência da
economia na energia, em especial na elétrica, requer o uso mais racional e
efetivo pela sociedade dos recursos energéticos, principalmente dos
não-renováveis e dependentes de condições climáticas, como os recursos
hídricos. A energia elétrica atua amplamente como um fator de integração e
desenvolvimento de um pais.
Com mais de um século de utilização e com uma grande
capacidade instalada, o setor de energia elétrica no Brasil possui a
responsabilidade de agir dentro de padrões técnicos elevados, compatíveis com a
tecnologia de nossos dias. O crescimento e a modernização da economia
brasileira nas últimas décadas geraram um enorme e sistemático aumento da
demanda, principalmente nas grandes áreas urbanas e em regiões
predominantemente industriais. Para suprir tal demanda, veio também a
necessidade de se aumentar a capacidade de geração do sistema que, por sua vez,
requer uma rede de transmissão complexa e que transporta um crescente fluxo de
potência. Para se ter uma ideia desta complexidade, o SIN
(Sistema Interligado Nacional, mostrado na figura abaixo, com dimensões
continentais, possui uma rede que compreende mais de quinhentas usinas
hidrelétricas, mais de cinquenta unidades termoelétricas, mais de quatro mil
nós e mais de cinco mil linhas de transmissão. O sistema de transmissão nas
tensões de 230 kV a 750 kV representava, em dezembro de 2003 um total de 77.642
km, englobando 780 circuitos de transmissão e 175.916 MVA de capacidade de
transformação, instalados em 316 subestações.
Sistema Interligado Brasileiro (transmissão)
A operação do sistema elétrico brasileiro de forma
interligada, proporciona uma série de vantagens, tais como:
Ganho em energia firme (energia mínima que permite uma operação continua
das plantas hidrelétricas num período de tempo);
Minimização de riscos de interrupção no suprimento de energia, devido ao
fato da manutenção de reservas energéticas para suportar períodos de baixa
hidrologia;
Manutenção de níveis adequados de confiabilidade da rede elétrica;
Utilização de energia hidráulica disponível em outros pontos do sistema,
de maneira a diminuir os custos operativos e reduzir os preços da energia
elétrica para os consumidores
Uma adequada reprogramação da geração, ajustando-se a mesma às condições
verificadas de demanda e hidrologia.
Outros usos dos reservatórios: navegabilidade, controle de cheias,
irrigação, etc.
De forma geral, os grandes usuários de energia elétrica,
principalmente aqueles com uma alta demanda contratada, localizados em grandes
áreas industriais e cada vez em maior número, também demandam melhores
condições operacionais das companhias geradoras ou distribuidoras de energia
elétrica. Visando prevenir indesejáveis e frequentes quedas, interrupções
não-programadas, oscilações abruptas de carga e tensão, variações de
frequência, ou falhas nas redes de transmissão e distribuição, índices e
padrões para o controle de qualidade são estabelecidos por leis regulamentares
do setor. Simultaneamente, há um aumento na complexidade do planejamento,
administração, supervisão e controle necessários para atender esta demanda.
Como consequência deste crescimento, os sistemas de energia podem
ser operados próximos a seus limites, demandando assim um planejamento de
geração e transmissão mais cuidadoso para que sejam evitados maiores problemas.
Grandes racionamentos já marcaram a história, inclusive recente, do Brasil, com
reflexos desastrosos na vida urbana e na produção industrial. Na década de 50,
entre as medidas inicialmente tomadas para permitir o desenvolvimento dos
sistemas de geração estava a realização do inventário dos recursos elétricos.
Em meados da década de 60, técnicos estrangeiros foram contratados para
realizarem estudos, o que representou o marco da introdução do planejamento de
sistemas de energia elétrica no Brasil. Desde então, a crescente complexidade
dos sistemas de transmissão e geração de energia elétrica tem sido acompanhada
por um notável desenvolvimento tecnológico. Procura-se, até hoje, aliar
experiências e avanços tecnológicos internacionais com a real necessidade de
solução dos problemas brasileiros. Mais particularmente, na área de
planejamento da expansão e operação de sistemas geradores e de transmissão, as
características físicas e socioeconômicas do país impõem a formulação de
soluções específicas para a nossa realidade e não disponíveis em outros países.
A energia elétrica deve chegar aos consumidores dentro de
determinados padrões de continuidade e qualidade de suprimento, obtidas às
custas de um certo investimento no sistema. Se, por um lado, investimentos
insuficientes implicarão na perda de qualidade do produto, por outro lado, o
excesso de investimentos resultará em um produto final com custo muito elevado,
o que irá desestimular o consumo. Assim, planejar e operar adequadamente um
sistema de energia elétrica significa chegar a uma solução de compromisso entre
a minimização dos custos de investimentos e operação e o atendimento de padrões
pré-estabelecidos de qualidade do produto final. O conceito de qualidade do
produto energia elétrica está usualmente associado à continuidade do suprimento
e ao atendimento de padrões de regulação de frequência e tensão.
Soma-se a essas exigências o fato de que o ambiente no qual
os engenheiros e técnicos que gerenciam os sistemas elétricos precisam operar
atualmente está mudando com muita rapidez. O sistema energético brasileiro
cresce em um ritmo acelerado, e a tendência é em direção a uma maior
complexidade, tornando a tomada de decisões mais complicada do que no passado.
O custo de se cometer erros nessa área pode ser muito grande, devido à reação
em cadeia que eles podem provocar. Com a mesma visão, os benefícios (economia,
qualidade de serviço, agilidade, etc.) podem ser extremamente grandes se as
decisões corretas forem tomadas com rapidez e eficiência.
Como um resultado dessas tendências e mudanças, é muito
difícil de se confiar em uma estratégia de gerenciamento baseada em tentativa e
erro, especialmente em decisões relacionadas ao planejamento de despacho em um
sistema elétrico. Os engenheiros e operadores responsáveis pelo pré-despacho
frequentemente precisam tomar decisões, e possuem pouquíssimo tempo para tal. Apesar
do enorme auxílio e confiabilidade que sistemas de suporte podem fornecer, as
decisões finais dependem sempre da análise e intervenção humana. Atualmente,
estas tomadas de decisões são feitas baseadas em intuição e experiência, pois é
muito difícil para estes profissionais correlacionar a quantidade de dados
existente e suas diferentes características, como por exemplo, as localizações
geográficas. Tradicionalmente, estes dados são apresentados na forma de listas
tabulares.
Conjunto de dados na forma tabular
Apesar das atuais abordagens de tomada de decisões atenderem
suficientemente as necessidades de uma instalação, o volume de dados apresenta
uma dimensão que dificilmente pode ser representada de forma legível e
intuitiva apenas com o uso de diagramas unifilares comuns ou de tabelas
convencionais. No caso do pré-despacho, outra exigência se faz primordial: a
contextualização geográfica das informações envolvidas. O usuário necessita
visualizar os dados de forma georreferenciada para que possa decidir, de forma
mais rápida e eficiente, onde e quais serão as ações tomadas. Este fator
importante, no entanto, ainda não é explorado, de forma integrada, pelas
ferramentas atuais de suporte à tomada de decisões para o pré-despacho.
Vários problemas relacionados com os sistemas de energia
elétrica devem ser enfrentados pelos profissionais da área, que vão desde a
programação da operação diária da rede (pré-despacho) até os estudos de
planejamento da sua expansão, como por exemplo:
operação em tempo real -- garantir que a geração atenda à
demanda;
análise de segurança em tempo real -- avaliar efeitos de
eventuais alterações na rede; determinar estratégias de controle
preventivo/corretivo;
operação econômica (despacho econômico) -- determinação das
potências entregues por cada gerador de forma a minimizar custo total de
geração;
proteção de sistemas;
planejamento da expansão do sistema de transmissão;
planejamento da expansão do sistema de geração.
O tamanho, a complexidade e os níveis de potência envolvidos
nos dados sobre geração, transmissão e distribuição de energia elétrica
aumentaram muito, e seguem em um ritmo crescente. Em um sistema do porte do
sistema brasileiro, exige-se muita habilidade, experiência e até esforço extra
- mental por parte dos operadores para correlacionar os dados das simulações,
das capacidades programadas de geração e transmissão de energia, da demanda
estimada e, principalmente, das localizações espaciais dos pontos
problemáticos. Soma-se a tudo isso severas restrições de tempo, uma vez que as programações
são feitas para cada hora, ou até mesmo para cada meia hora, podendo ser
alteradas ao longo do dia. É difícil para o operador e para o engenheiro
planejador possuírem a sensibilidade para poder prever o resultado de manobras
ou defeitos, dadas as dimensões do sistema elétrico.
Toda essa dificuldade pode resultar em atrasos na execução
das ações ou até em erros nas tomadas de decisões -- decisões estas que podem
implicar em alto custo financeiro, social e ambiental. Conclui-se, portanto,
que é necessário um adequado planejamento da operação de um sistema elétrico
para retirar o máximo de benefícios dos recursos que o compõem. A solução tem
sido utilizar o computador como ferramenta para diversas tarefas:
obter modelos precisos e confiáveis dos componentes da rede
-- modelagem;
colocá- los juntos, formando um grande circuito elétrico -- modelagem:
desenvolver métodos apropriados de resolução de circuitos -- solução;
simular cenários de operação/programação -- simulação;
visualizar e analisar os resultados -- visualização e análise.
Tendo em vista a grande importância das ferramentas
computacionais para a eficiência e credibilidade das atividades de despacho, é
visível a necessidade de se concentrar esforços para a melhoria da visualização
e análise dos resultados fornecidos por estes programas, atacando os principais
problemas e procurando melhores alternativas. Para isso, é preciso uma
representação mais legível e compatível com os dados envolvidos no
pré-despacho, que além das exigências advindas do volume de dados de um sistema
elétrico, ainda requerem sua contextualização geográfica. Uma solução é
utilizar o computador como ferramenta para visualizar e interagir com os dados
gerados por simulações de diferentes cenários de pré-despacho, auxiliando na
análise dos resultados e no planejamento da operação.
A solução dos problemas da área de sistemas de energia
elétrica requereu e ainda requer muita pesquisa para a obtenção de métodos
eficientes de abordagem dos mesmos. Este é um ramo muito ativo do ponto de
vista de pesquisa e um grande desenvolvimento tem ocorrido nos últimos anos. O
conjunto dos modelos computacionais utilizados no despacho operacional do
sistema vem sendo desenvolvido desde meados da década de 80, inicialmente com
custeio direto das empresas e, depois da reforma do setor de energia, através
de um contrato com o ONS. Muitos destes programas ainda não está completamente
implementada ou ainda não teve sua validação concluída.
Algumas dificuldades destas ferramentas já foram observadas,
tais como problemas de interface e de grande sensibilidade dos resultados dos
programas aos dados de entrada, como coloca o próprio órgão regulamentador do
setor energético brasileiro. Além disso, o enorme volume de dados envolvido
torna-se de difícil avaliação e interpretação com o uso das ferramentas
convencionais que não contemplam as localizações geográficas, se limitando à
simples exibição de tabelas numéricas convencionais, que devem ser utilizadas
em conjunto com simples diagramas unifilares. Isso prejudica a percepção, por
parte dos operadores, tanto das alterações em importantes variáveis do sistema.
Em nosso trabalho, acreditamos que, ao invés da representação
numérica, uma outra proposta de representação, mais legível e apropriada ao
contexto do pré-despacho, não só reduziria os esforços mentais decorrentes de
sua interpretação, mas também poderia promover novos insights aos
problemas e melhorar a qualidade das decisões.
Planejamento do Sistema Elétrico Brasileiro
De maneira geral, o planejamento do
setor elétrico tem as seguintes fases:
# Planejamento da Expansão: Etapa
na qual procura-se analisar as diferentes estratégias da expansão do sistema
elétrico em relação à geração e transmissão, estabelecendo-se um programa de
construção e instalação de novas unidades de geração, transmissão e controle do
sistema e de inventário das bacias hidrográficas; são definidas as diretrizes
que constituem a base dos estudos de médio e curto prazos, tais como reserva de
potência, capacidade de geração de ponta.
# Planejamento de Operação: Com
horizontes de até cinco anos, o objetivo é estabelecer o comportamento do
sistema para um horizonte de operação de até alguns anos à frente. Nesta etapa
deve-se promover o aproveitamento racional dos recursos, garantindo-se a
qualidade e segurança no atendimento à demanda e respeito às restrições
operativas do sistema hidrotérmico.
Abordaremos aqui algumas
características do planejamento da operação, etapa que engloba o pré-despacho,
foco de nosso trabalho.
Planejamento de Operação
O planejamento da operação é um
processo bastante complexo, devido à dimensão dos sistemas reais, ao número
elevado de variáveis de decisão, aos recursos limitados e às inúmeras
incertezas. Por essa razão, ele é dividido em vários estágios para melhor
compreensão do problema, considerando em cada um deles um horizonte de tempo
diferente, bem como diferentes objetivos e modelos. Nessas diferentes etapas,
as empresas do setor elétrico são coordenadas para obter a utilização dos
diferentes recursos do sistema de uma forma econômica e garantir o atendimento
do mercado com qualidade. A figura abaixo mostra uma típica divisão do
planejamento da operação e suas principais funções.
Etapas de um processo de
planejamento de operação
Os planejamentos de longo e médio
prazo visam otimizar os fluxos anuais naturais dos cursos de água do sistema,
enquanto o de curto prazo otimiza a operação do sistema. O planejamento de
curto prazo, também denominado pré-despacho, consiste em
fornecer, para um período de tempo especificado (geralmente o dia ou a semana
seguinte) um plano de operação do sistema confiável, na forma de cronogramas de
previsões de carregamentos nas unidades em intervalos determinados (seu estado
de operação -- ligado ou desligado -- e seus níveis de produção de energia).
Podemos agrupar algumas etapas do
planejamento da operação em planejamento energético e elétrico
da operação. O planejamento energético engloba as etapas de longo e médio prazo
é nesta fase onde os aspectos hidráulicos e estocásticos são analisados com
maior relevância. O planejamento elétrico da operação é feito na etapa de curto
prazo, na qual as restrições advindas da operação elétrica são analisadas com
maior relevância tais como as perdas e o congestionamento do sistema de
transmissão.
No que diz respeito à modelagem que
é utilizada para prever o comportamento do sistema de energia elétrica, os
planejamentos de longo e médio prazo utilizam uma representação simplificada do
sistema. No planejamento a médio prazo, metas energéticas para a geração devem
ser impostas para atender a demanda; no entanto, as afluências das fontes
hidráulicas não são constantes. O sistema hidrotérmico brasileiro possui
características que o diferenciam da maioria dos sistemas existentes no mundo.
As principais características que determinam a particularidade do setor são
encontradas na grande extensão em área de suas bacias hidrográficas, o regime
de vazões plurianual, sujeito a períodos de estiagem (que pode afetar as
previsões a médio prazo) e a grande participação das fontes hidrelétricas na
geração elétrica nacional (cerca de 92\% da capacidade nominal instalada do
país). O potencial hidrelétrico brasileiro é estimado em 260 GW, dos quais
apenas cerca de 68 GW estão em operação. Portanto, cerca de 74% deste
potencial ainda permanece inexplorado. Especialistas acreditam que as fontes
hidráulicas continuarão a desempenhar um papel importante na crescente demanda
energética nas próximas décadas.
Para o planejamento a médio prazo,
no entanto, não existe uma real necessidade da utilização de dados
geo-referenciados, pois suas principais restrições estão relacionadas aos
níveis de geração das usinas.
Como o planejamento de curto prazo
serve a uma diretriz operacional, ele requer uma representação da operação do
sistema mais detalhada, na qual as usinas hidrelétricas e termoelétricas são
representadas no nível das turbinas/geradores e todas as restrições relevantes
do sistema de geração devem ser levadas em conta. Um fator agravante é que a
maioria das unidades de geração hidrelétrica está situada longe dos principais
centros de consumo (veja exemplo na figura abaixo). Consequentemente, é
necessária uma extensa rede de transmissão que possa interligar os mais
distantes pontos de geração e consumos de energia. Com isso, ao interligarem
usinas situadas em diferentes bacias, as linhas de transmissão permitem
compensar a diversidade hidrológica de várias regiões do país. O Operador
Nacional do Sistema Elétrico – NOS, responsável pela operação do sistema,
justifica sua atuação no setor elétrico afirmando que somente a operação
interligada e coordenada do sistema obtém o aproveitamento racional dos
recursos naturais, sendo que o ganho em relação à operação descentralizada é de
20%. Assim, um planejamento da operação em curto prazo (pré-despacho) adequado
do sistema de transmissão contribui para aproveitar os diferentes recursos de
geração presentes nas distintas partes do sistema, auxiliando na otimização dos
recursos hidrelétricos. Neste nível de planejamento, os requisitos de
transmissão do sistema (o fluxo de potência máximo) também devem ser
considerados. Os dados geo-referenciados desempenham papel fundamental no
pré-despacho, pois as restrições operacionais do sistema ligadas à transmissão
dependem fortemente de sua localização geográfica.
Itaipu, exemplo brasileiro da
grande distância entre as fontes de geração hidrelétrica e os centros de
consumo.
Outro fator que dificulta o
planejamento da operação são as incertezas associadas com o mercado (que
representa a carga do sistema). Pelo fato de apresentar não linearidades na
função de produção das usinas hidrelétricas e na representação da rede de
transmissão, o problema de planejamento da operação é um problema de otimização
dinâmico estocástico, misto e não linear, com grande número de entradas (previsões
de demanda, restrições operacionais desiguais e restrições da rede elétrica).
No entanto, para a maioria dos intervalos de despacho, apenas um pequeno
subconjunto destas entradas é realmente necessária. Geralmente, o conhecimento
da localização geográfica das sobrecargas e as experiências de despacho
anteriores podem auxiliar o operador a determinar apropriadamente as restrições
que asseguram a convergência do problema de otimização em programas de despacho
apropriados após certo número de iterações. (dca.fee.unicamp)
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