sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O Sistema Elétrico Brasileiro

A eletricidade desempenha um papel fundamental na sociedade moderna, por ser uma das principais fontes de energia. A dependência da economia na energia, em especial na elétrica, requer o uso mais racional e efetivo pela sociedade dos recursos energéticos, principalmente dos não-renováveis e dependentes de condições climáticas, como os recursos hídricos. A energia elétrica atua amplamente como um fator de integração e desenvolvimento de um pais.
Com mais de um século de utilização e com uma grande capacidade instalada, o setor de energia elétrica no Brasil possui a responsabilidade de agir dentro de padrões técnicos elevados, compatíveis com a tecnologia de nossos dias. O crescimento e a modernização da economia brasileira nas últimas décadas geraram um enorme e sistemático aumento da demanda, principalmente nas grandes áreas urbanas e em regiões predominantemente industriais. Para suprir tal demanda, veio também a necessidade de se aumentar a capacidade de geração do sistema que, por sua vez, requer uma rede de transmissão complexa e que transporta um crescente fluxo de potência. Para se ter uma ideia desta complexidade, o SIN (Sistema Interligado Nacional, mostrado na figura abaixo, com dimensões continentais, possui uma rede que compreende mais de quinhentas usinas hidrelétricas, mais de cinquenta unidades termoelétricas, mais de quatro mil nós e mais de cinco mil linhas de transmissão. O sistema de transmissão nas tensões de 230 kV a 750 kV representava, em dezembro de 2003 um total de 77.642 km, englobando 780 circuitos de transmissão e 175.916 MVA de capacidade de transformação, instalados em 316 subestações.
Sistema Interligado Brasileiro (transmissão)
A operação do sistema elétrico brasileiro de forma interligada, proporciona uma série de vantagens, tais como:
Ganho em energia firme (energia mínima que permite uma operação continua das plantas hidrelétricas num período de tempo);
Minimização de riscos de interrupção no suprimento de energia, devido ao fato da manutenção de reservas energéticas para suportar períodos de baixa hidrologia;
Manutenção de níveis adequados de confiabilidade da rede elétrica;
Utilização de energia hidráulica disponível em outros pontos do sistema, de maneira a diminuir os custos operativos e reduzir os preços da energia elétrica para os consumidores
Uma adequada reprogramação da geração, ajustando-se a mesma às condições verificadas de demanda e hidrologia.
Outros usos dos reservatórios: navegabilidade, controle de cheias, irrigação, etc.
De forma geral, os grandes usuários de energia elétrica, principalmente aqueles com uma alta demanda contratada, localizados em grandes áreas industriais e cada vez em maior número, também demandam melhores condições operacionais das companhias geradoras ou distribuidoras de energia elétrica. Visando prevenir indesejáveis e frequentes quedas, interrupções não-programadas, oscilações abruptas de carga e tensão, variações de frequência, ou falhas nas redes de transmissão e distribuição, índices e padrões para o controle de qualidade são estabelecidos por leis regulamentares do setor. Simultaneamente, há um aumento na complexidade do planejamento, administração, supervisão e controle necessários para atender esta demanda.
Como consequência deste crescimento, os sistemas de energia podem ser operados próximos a seus limites, demandando assim um planejamento de geração e transmissão mais cuidadoso para que sejam evitados maiores problemas. Grandes racionamentos já marcaram a história, inclusive recente, do Brasil, com reflexos desastrosos na vida urbana e na produção industrial. Na década de 50, entre as medidas inicialmente tomadas para permitir o desenvolvimento dos sistemas de geração estava a realização do inventário dos recursos elétricos. Em meados da década de 60, técnicos estrangeiros foram contratados para realizarem estudos, o que representou o marco da introdução do planejamento de sistemas de energia elétrica no Brasil. Desde então, a crescente complexidade dos sistemas de transmissão e geração de energia elétrica tem sido acompanhada por um notável desenvolvimento tecnológico. Procura-se, até hoje, aliar experiências e avanços tecnológicos internacionais com a real necessidade de solução dos problemas brasileiros. Mais particularmente, na área de planejamento da expansão e operação de sistemas geradores e de transmissão, as características físicas e socioeconômicas do país impõem a formulação de soluções específicas para a nossa realidade e não disponíveis em outros países.
A energia elétrica deve chegar aos consumidores dentro de determinados padrões de continuidade e qualidade de suprimento, obtidas às custas de um certo investimento no sistema. Se, por um lado, investimentos insuficientes implicarão na perda de qualidade do produto, por outro lado, o excesso de investimentos resultará em um produto final com custo muito elevado, o que irá desestimular o consumo. Assim, planejar e operar adequadamente um sistema de energia elétrica significa chegar a uma solução de compromisso entre a minimização dos custos de investimentos e operação e o atendimento de padrões pré-estabelecidos de qualidade do produto final. O conceito de qualidade do produto energia elétrica está usualmente associado à continuidade do suprimento e ao atendimento de padrões de regulação de frequência e tensão.
Soma-se a essas exigências o fato de que o ambiente no qual os engenheiros e técnicos que gerenciam os sistemas elétricos precisam operar atualmente está mudando com muita rapidez. O sistema energético brasileiro cresce em um ritmo acelerado, e a tendência é em direção a uma maior complexidade, tornando a tomada de decisões mais complicada do que no passado. O custo de se cometer erros nessa área pode ser muito grande, devido à reação em cadeia que eles podem provocar. Com a mesma visão, os benefícios (economia, qualidade de serviço, agilidade, etc.) podem ser extremamente grandes se as decisões corretas forem tomadas com rapidez e eficiência.
Como um resultado dessas tendências e mudanças, é muito difícil de se confiar em uma estratégia de gerenciamento baseada em tentativa e erro, especialmente em decisões relacionadas ao planejamento de despacho em um sistema elétrico. Os engenheiros e operadores responsáveis pelo pré-despacho frequentemente precisam tomar decisões, e possuem pouquíssimo tempo para tal. Apesar do enorme auxílio e confiabilidade que sistemas de suporte podem fornecer, as decisões finais dependem sempre da análise e intervenção humana. Atualmente, estas tomadas de decisões são feitas baseadas em intuição e experiência, pois é muito difícil para estes profissionais correlacionar a quantidade de dados existente e suas diferentes características, como por exemplo, as localizações geográficas. Tradicionalmente, estes dados são apresentados na forma de listas tabulares.
Conjunto de dados na forma tabular
Apesar das atuais abordagens de tomada de decisões atenderem suficientemente as necessidades de uma instalação, o volume de dados apresenta uma dimensão que dificilmente pode ser representada de forma legível e intuitiva apenas com o uso de diagramas unifilares comuns ou de tabelas convencionais. No caso do pré-despacho, outra exigência se faz primordial: a contextualização geográfica das informações envolvidas. O usuário necessita visualizar os dados de forma georreferenciada para que possa decidir, de forma mais rápida e eficiente, onde e quais serão as ações tomadas. Este fator importante, no entanto, ainda não é explorado, de forma integrada, pelas ferramentas atuais de suporte à tomada de decisões para o pré-despacho.
Vários problemas relacionados com os sistemas de energia elétrica devem ser enfrentados pelos profissionais da área, que vão desde a programação da operação diária da rede (pré-despacho) até os estudos de planejamento da sua expansão, como por exemplo:
operação em tempo real -- garantir que a geração atenda à demanda;
análise de segurança em tempo real -- avaliar efeitos de eventuais alterações na rede; determinar estratégias de controle preventivo/corretivo;
operação econômica (despacho econômico) -- determinação das potências entregues por cada gerador de forma a minimizar custo total de geração;
proteção de sistemas;
planejamento da expansão do sistema de transmissão;
planejamento da expansão do sistema de geração.
O tamanho, a complexidade e os níveis de potência envolvidos nos dados sobre geração, transmissão e distribuição de energia elétrica aumentaram muito, e seguem em um ritmo crescente. Em um sistema do porte do sistema brasileiro, exige-se muita habilidade, experiência e até esforço extra - mental por parte dos operadores para correlacionar os dados das simulações, das capacidades programadas de geração e transmissão de energia, da demanda estimada e, principalmente, das localizações espaciais dos pontos problemáticos. Soma-se a tudo isso severas restrições de tempo, uma vez que as programações são feitas para cada hora, ou até mesmo para cada meia hora, podendo ser alteradas ao longo do dia. É difícil para o operador e para o engenheiro planejador possuírem a sensibilidade para poder prever o resultado de manobras ou defeitos, dadas as dimensões do sistema elétrico.
Toda essa dificuldade pode resultar em atrasos na execução das ações ou até em erros nas tomadas de decisões -- decisões estas que podem implicar em alto custo financeiro, social e ambiental. Conclui-se, portanto, que é necessário um adequado planejamento da operação de um sistema elétrico para retirar o máximo de benefícios dos recursos que o compõem. A solução tem sido utilizar o computador como ferramenta para diversas tarefas:
obter modelos precisos e confiáveis dos componentes da rede -- modelagem;
colocá- los juntos, formando um grande circuito elétrico -- modelagem:
desenvolver métodos apropriados de resolução de circuitos -- solução;
simular cenários de operação/programação -- simulação;
visualizar e analisar os resultados -- visualização e análise.
Tendo em vista a grande importância das ferramentas computacionais para a eficiência e credibilidade das atividades de despacho, é visível a necessidade de se concentrar esforços para a melhoria da visualização e análise dos resultados fornecidos por estes programas, atacando os principais problemas e procurando melhores alternativas. Para isso, é preciso uma representação mais legível e compatível com os dados envolvidos no pré-despacho, que além das exigências advindas do volume de dados de um sistema elétrico, ainda requerem sua contextualização geográfica. Uma solução é utilizar o computador como ferramenta para visualizar e interagir com os dados gerados por simulações de diferentes cenários de pré-despacho, auxiliando na análise dos resultados e no planejamento da operação.
A solução dos problemas da área de sistemas de energia elétrica requereu e ainda requer muita pesquisa para a obtenção de métodos eficientes de abordagem dos mesmos. Este é um ramo muito ativo do ponto de vista de pesquisa e um grande desenvolvimento tem ocorrido nos últimos anos. O conjunto dos modelos computacionais utilizados no despacho operacional do sistema vem sendo desenvolvido desde meados da década de 80, inicialmente com custeio direto das empresas e, depois da reforma do setor de energia, através de um contrato com o ONS. Muitos destes programas ainda não está completamente implementada ou ainda não teve sua validação concluída.
Algumas dificuldades destas ferramentas já foram observadas, tais como problemas de interface e de grande sensibilidade dos resultados dos programas aos dados de entrada, como coloca o próprio órgão regulamentador do setor energético brasileiro. Além disso, o enorme volume de dados envolvido torna-se de difícil avaliação e interpretação com o uso das ferramentas convencionais que não contemplam as localizações geográficas, se limitando à simples exibição de tabelas numéricas convencionais, que devem ser utilizadas em conjunto com simples diagramas unifilares. Isso prejudica a percepção, por parte dos operadores, tanto das alterações em importantes variáveis do sistema.
Em nosso trabalho, acreditamos que, ao invés da representação numérica, uma outra proposta de representação, mais legível e apropriada ao contexto do pré-despacho, não só reduziria os esforços mentais decorrentes de sua interpretação, mas também poderia promover novos insights aos problemas e melhorar a qualidade das decisões.
Planejamento do Sistema Elétrico Brasileiro
De maneira geral, o planejamento do setor elétrico tem as seguintes fases:
# Planejamento da Expansão: Etapa na qual procura-se analisar as diferentes estratégias da expansão do sistema elétrico em relação à geração e transmissão, estabelecendo-se um programa de construção e instalação de novas unidades de geração, transmissão e controle do sistema e de inventário das bacias hidrográficas; são definidas as diretrizes que constituem a base dos estudos de médio e curto prazos, tais como reserva de potência, capacidade de geração de ponta.
# Planejamento de Operação: Com horizontes de até cinco anos, o objetivo é estabelecer o comportamento do sistema para um horizonte de operação de até alguns anos à frente. Nesta etapa deve-se promover o aproveitamento racional dos recursos, garantindo-se a qualidade e segurança no atendimento à demanda e respeito às restrições operativas do sistema hidrotérmico.
Abordaremos aqui algumas características do planejamento da operação, etapa que engloba o pré-despacho, foco de nosso trabalho.
Planejamento de Operação
O planejamento da operação é um processo bastante complexo, devido à dimensão dos sistemas reais, ao número elevado de variáveis de decisão, aos recursos limitados e às inúmeras incertezas. Por essa razão, ele é dividido em vários estágios para melhor compreensão do problema, considerando em cada um deles um horizonte de tempo diferente, bem como diferentes objetivos e modelos. Nessas diferentes etapas, as empresas do setor elétrico são coordenadas para obter a utilização dos diferentes recursos do sistema de uma forma econômica e garantir o atendimento do mercado com qualidade. A figura abaixo mostra uma típica divisão do planejamento da operação e suas principais funções.
Etapas de um processo de planejamento de operação
Os planejamentos de longo e médio prazo visam otimizar os fluxos anuais naturais dos cursos de água do sistema, enquanto o de curto prazo otimiza a operação do sistema. O planejamento de curto prazo, também denominado pré-despacho, consiste em fornecer, para um período de tempo especificado (geralmente o dia ou a semana seguinte) um plano de operação do sistema confiável, na forma de cronogramas de previsões de carregamentos nas unidades em intervalos determinados (seu estado de operação -- ligado ou desligado -- e seus níveis de produção de energia).
Podemos agrupar algumas etapas do planejamento da operação em planejamento energético e elétrico da operação. O planejamento energético engloba as etapas de longo e médio prazo é nesta fase onde os aspectos hidráulicos e estocásticos são analisados com maior relevância. O planejamento elétrico da operação é feito na etapa de curto prazo, na qual as restrições advindas da operação elétrica são analisadas com maior relevância tais como as perdas e o congestionamento do sistema de transmissão.
No que diz respeito à modelagem que é utilizada para prever o comportamento do sistema de energia elétrica, os planejamentos de longo e médio prazo utilizam uma representação simplificada do sistema. No planejamento a médio prazo, metas energéticas para a geração devem ser impostas para atender a demanda; no entanto, as afluências das fontes hidráulicas não são constantes. O sistema hidrotérmico brasileiro possui características que o diferenciam da maioria dos sistemas existentes no mundo. As principais características que determinam a particularidade do setor são encontradas na grande extensão em área de suas bacias hidrográficas, o regime de vazões plurianual, sujeito a períodos de estiagem (que pode afetar as previsões a médio prazo) e a grande participação das fontes hidrelétricas na geração elétrica nacional (cerca de 92\% da capacidade nominal instalada do país). O potencial hidrelétrico brasileiro é estimado em 260 GW, dos quais apenas cerca de 68 GW estão em operação. Portanto, cerca de 74% deste potencial ainda permanece inexplorado. Especialistas acreditam que as fontes hidráulicas continuarão a desempenhar um papel importante na crescente demanda energética nas próximas décadas.
Para o planejamento a médio prazo, no entanto, não existe uma real necessidade da utilização de dados geo-referenciados, pois suas principais restrições estão relacionadas aos níveis de geração das usinas.
Como o planejamento de curto prazo serve a uma diretriz operacional, ele requer uma representação da operação do sistema mais detalhada, na qual as usinas hidrelétricas e termoelétricas são representadas no nível das turbinas/geradores e todas as restrições relevantes do sistema de geração devem ser levadas em conta. Um fator agravante é que a maioria das unidades de geração hidrelétrica está situada longe dos principais centros de consumo (veja exemplo na figura abaixo). Consequentemente, é necessária uma extensa rede de transmissão que possa interligar os mais distantes pontos de geração e consumos de energia. Com isso, ao interligarem usinas situadas em diferentes bacias, as linhas de transmissão permitem compensar a diversidade hidrológica de várias regiões do país. O Operador Nacional do Sistema Elétrico – NOS, responsável pela operação do sistema, justifica sua atuação no setor elétrico afirmando que somente a operação interligada e coordenada do sistema obtém o aproveitamento racional dos recursos naturais, sendo que o ganho em relação à operação descentralizada é de 20%. Assim, um planejamento da operação em curto prazo (pré-despacho) adequado do sistema de transmissão contribui para aproveitar os diferentes recursos de geração presentes nas distintas partes do sistema, auxiliando na otimização dos recursos hidrelétricos. Neste nível de planejamento, os requisitos de transmissão do sistema (o fluxo de potência máximo) também devem ser considerados. Os dados geo-referenciados desempenham papel fundamental no pré-despacho, pois as restrições operacionais do sistema ligadas à transmissão dependem fortemente de sua localização geográfica.
Itaipu, exemplo brasileiro da grande distância entre as fontes de geração hidrelétrica e os centros de consumo.
Outro fator que dificulta o planejamento da operação são as incertezas associadas com o mercado (que representa a carga do sistema). Pelo fato de apresentar não linearidades na função de produção das usinas hidrelétricas e na representação da rede de transmissão, o problema de planejamento da operação é um problema de otimização dinâmico estocástico, misto e não linear, com grande número de entradas (previsões de demanda, restrições operacionais desiguais e restrições da rede elétrica). No entanto, para a maioria dos intervalos de despacho, apenas um pequeno subconjunto destas entradas é realmente necessária. Geralmente, o conhecimento da localização geográfica das sobrecargas e as experiências de despacho anteriores podem auxiliar o operador a determinar apropriadamente as restrições que asseguram a convergência do problema de otimização em programas de despacho apropriados após certo número de iterações. (dca.fee.unicamp)

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