sábado, 22 de fevereiro de 2014

Usinas investem para se adequarem a novo teor de água

Elogiada pelo compromisso com a qualidade, nova especificação, que reduz o teor de água do biodiesel a partir do ano que vem, também causa temor na cadeia produtiva.
Desde maio de 2012 ficaram estabelecidos os parâmetros da nova especificação do biodiesel.
A qualidade era um ponto que incomodava o setor desde a introdução do B5, e uma das principais alterações dizia respeito à redução do teor de água do biocombustível.
Essa mudança no teor de água seria gradativa: 380 partes por milhão (ppm) até 60 dias após a publicação da resolução (Diário Oficial da União de 18 de maio de 2012); 350 ppm até 31 de dezembro de 2013; e 200 ppm a partir de 01/01/15.
A instituição dos novos padrões acompanhou as tentativas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de incrementar a qualidade do óleo diesel vendido no Brasil. “Vale mencionar que as alterações são de suma importância para garantir a qualidade do óleo diesel S10, que passou a ser comercializado no país no início deste ano”, afirmou a agência. Desde janeiro de 2013, o chamado S10 começou a ser vendido nas principais regiões metropolitanas do país em substituição ao S50.
O coordenador do Laboratório de Análises de Combustíveis Automotivos (Lacaut) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carlos Itsuo Yamamoto, afirma, porém, que o novo padrão se deve à necessidade de tornar o biodiesel um combustível mais eficiente, independentemente do S10. “A nova especificação reduz a acidez, dando mais sobrevida ao armazenamento”, esclarece Yamamoto, também professor de engenharia química na UFPR.
Cada um no deu quadrado
Embora haja reconhecimento de que os novos patamares representem um passo adicional para a cadeia produtiva – inclusive no que diz respeito ao aumento da mistura –, a medida impõe diferentes desafios para cada um de seus elos.
A Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), por exemplo, afirma que a legislação mais dura, ao obrigar as usinas a fabricarem um biodiesel mais seco, vai encarecer o produto sem que haja uma garantia de melhora nos padrões. “Acreditamos que a exigência do novo limite vai agregar um custo adicional que pode não ter um retorno proporcional em termos de melhoria de qualidade”, diz Julio Minelli, diretor superintendente da associação.
A preocupação dos produtores é que, por se tratar de um combustível higroscópico – que absorve a umidade com facilidade –, o biodiesel não chegue às distribuidoras dentro da qualidade esperada. Nesse caso, os esforços e investimentos adicionais em novos equipamentos correm o risco de nãodar o resultado esperado. Minelli ressalta que fabricar um biodiesel com 200 ppm de água vai modificar os custos operacionais do setor, uma vez que exige um gasto maior de energia para remoção de água e a instalação de tanques inertizados com nitrogênio para impedir o contato entre o biodiesel e o ar atmosférico. “Já estamos há mais de dez meses com o limite de 350 ppm e não há registro de que tenha sido detectado qualquer fato de alteração na qualidade final do combustível, mesmo em relação ao S10”, pontua.
O receio da Aprobio é compartilhado por Luciano Libório, diretor de abastecimento e regulamentação do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combutíveis e Lubrificantes (Sindicom). “Essa nova especificação é mais restritiva do que a europeia”, constata. Por esse motivo, a entidade está pleiteando junto à ANP a adoção de uma margem de tolerância de manuseio na distribuição e revenda para tornar a operação viável. O sindicato está preparando material técnico a respeito do assunto para entregar à agência.
O nó do problema está na exigência de que o parâmetro se mantenha inalterado ao longo de todos os elos da cadeia. Isso, no entender do Sindicom, dificultaria o trabalho dos distribuidores e revendedores. “Não existe forma de garantir que o produto seja entregue abaixo de 200 ppm, já que não é obrigação do produtor e oneraria ainda mais o produto”, explica Libório. “A preocupação é a mesma que o setor teria com qualquer outro combustível que tenha o padrão modificado sem prever tolerâncias para os elos seguintes ao produtor”, destaca.
A Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis) vê a mudança com melhores olhos, uma vez que espera que os padrões mais rígidos no topo da cadeia ajudem a diminuir os custos de manutenção nos postos. Entretanto, apresenta receio semelhante ao do Sindicom. “Do transporte da usina para a distribuidora e dali para o consumidor é preciso haver cuidados, inclusive no próprio posto, sobretudo no manuseio, armazenagem, limpeza e troca de filtros”, afirma Paulo Miranda Soares, presidente da Fecombustíveis.
Ele também ressalta o quanto é difícil manter um padrão ao longo de toda a cadeia. “O produto viaja por todo o país para chegar às bases, ser armazenado e, posteriormente, misturado ao diesel. Como o processo é longo, em cada uma das etapas existe a absorção de água, o que contribui negativamente para a qualidade”, adverte Soares.
Yamamoto cita a faixa de tolerância exígua do Arla 32 (Agente Redutor Líquido Automotivo), que consiste em uma solução à base de ureia utilizada no sistema de exaustão. Obrigatório a partir de 2012, sua introdução exigiu mudanças na cadeia produtiva como um todo para adequação. “A nova especificação ficou tão rígida, a exemplo do que aconteceu com o biodiesel, que exigiu uma adaptação dos procedimentos”, avalia o professor da UFPR. Nesse contexto, ele considera fundamental a mudança nos padrões do transporte de biodiesel a fim de atingir o objetivo proposto com o novo patamar. “A cadeia produtiva nunca viu essa possibilidade como necessidade, porém, a partir de agora, a inertização é a opção para manter esse patamar”, opina, sem calcular qual seria o custo dessa opção para o consumidor final.
Fiscalização indefinida
Em meio ao debate, ainda há um ponto cego. A ANP não determinou como será feita a fiscalização da nova especificação e não respondeu ao questionamento de BiodieselBR a respeito. Essa indefinição vem causando arrepios aos donos de postos. “A esperança da revenda brasileira é de que essa mudança incremente a qualidade do produto. Caso contrário, quem arca com a má qualidade será o posto. Não sabemos se, de fato, isso vai acontecer”, diz Soares, da Fecombustíveis.
Soares também diz temer que o movimento percebido depois da introdução da mistura obrigatória acabe se repetindo. “Antes da adição, o índice de não conformidade constatado pelo Programa de Monitoramento da Qualidade de Combustíveis da ANP ficava em torno de 1,7%, contra os atuais 3%”, diz. De acordo com dados da ANP, as inconformidades do diesel, em 2007, último ano antes da mistura, eram encontradas em 1,9% das amostras. A partir de 2008, os índices sempre superaram 2%.
Contudo, uma olhada mais cuidadosa nos números desde 2003 revela algo significativo, válido especialmente para os anos antes de 2006, quando um volume menor de amostras revelava percentagens superiores de não conformidades.
Ainda assim, é difícil não reconhecer que a Fecombustíveis tem bons motivos para se preocupar. Em caso de autuação, o posto revendedor recebe multa no valor mínimo de R$ 20 mil e há abertura de um processo criminal. Caso a situação se repita, o posto pode ter o registro revogado pela ANP, sendo impedido de vender o diesel por até 5 anos.
A introdução desse patamar mais rígido vai representar mais custos para as usinas. Já para as distribuidoras, se não houver uma tolerância da ANP, os gastos podem ser ainda maiores. Esse incremento no custo teria de ter sido pesado com o benefício de se manter o biocombustível com tão pouca água em toda a cadeia. E, pelo que o setor tem demonstrado, o benefício é muito menor que o custo. Será que não chegou a hora de a ANP se posicionar sobre o assunto?
Inertização no transporte encarece valor do biodiesel
A fim de evitar a absorção de água durante o armazenamento e transporte do biodiesel, a inertização com nitrogênio aparece como solução. Contudo, a cadeia produtiva entende que essa possibilidade deve encarecer ainda mais o valor do combustível. De acordo com Erik Mota, gerente executivo de marketing e desenvolvimento da Air Liquide Brasil, empresa que produz e comercializa gases para usos industriais e hospitalares, a nova especificação é vista como possibilidade de mercado. “Já possuímos soluções para a garantia de qualidade durante a estocagem e o transporte”, afirma.
A inertização pode ser usada, independentemente da distância, desde que haja o dimensionamento dos gases. “A solução se apoia em dois fatores: qualidade do gás e eficácia do sistema de injeção para assegurar a produção de uma atmosfera efetiva”, afirma Mota. A empresa confirma, sem entrar em detalhes, que produtores e distribuidores do segmento já estão aplicando a solução. Mota revela que não há como estimar um custo padrão, já que deve ser personalizado conforme a distância e a quantidade de biocombustível transportado.
O Sindicom alega desconhecer essa opção para o mercado de biodiesel. E a Fecombustíveis mostra preocupação com o valor do biocombustível como um todo. Para Carlos Itsuo Yamamoto, coordenador do Lacaut/UFPR, o biodiesel precisa ser incentivado da mesma forma que o etanol, com isenção de impostos, a fim de se manter viável economicamente. “Essa igualdade daria melhores condições para que o biodiesel se tornasse mais atrativo, mesmo com a inertização”, avalia. (aboissa)

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