Quando prevalecem os interesses econômicos: o caso da
energia nuclear no Brasil
Em artigo na seção
Debates do Jornal Folha de S.Paulo (14/01/2014), com o sugestivo título “Uma
saída para o aquecimento”, o diretor do Instituto de Segurança Nuclear da
Academia Russa de Ciências, Leonid Bolshov, aconselha o Brasil a construir
usinas nucleares em seu território, para atender à crescente demanda por
energia elétrica, devido ao crescimento econômico.
O Dr. Bolshov partiu
de uma premissa polêmica, controversa e, para alguns, falsa: a ideia de que
usinas nucleares não produzem gases de efeito estufa e, portanto, contribuem para
refrear o aquecimento global. Ele comete um “deslize” técnico ao não considerar
que uma usina nuclear, para funcionar, precisa do elemento combustível. E, para
se chegar a esse elemento combustível, o minério de urânio passa por um
conjunto processos industriais, do momento em que é encontrado em estado
natural até a sua utilização em uma usina. É nesse ciclo do combustível nuclear
que ocorre a emissão de gases de efeito estufa, em particular de CO2 (gás
carbônico). Estudos internacionais mostram que é elevada a emissão desses gases
por kWh produzido em uma usina nuclear.
O que nos chama mais
a atenção nesse artigo de opinião do Dr. Bolshov é a “coincidência” desse
“aconselhamento técnico” acontecer poucos meses após a visita ao Brasil, em
junho de 2013, de representantes da Rosatom – a corporação estatal do setor
nuclear russo.
A Rosatom engloba
mais de 250 empresas e instituições científicas, incluindo todas as empresas
civis nucleares da Rússia, as instalações do complexo de armas nucleares,
organizações de pesquisa e a única frota de propulsão nuclear do mundo. E ocupa
posição de liderança no mercado mundial de tecnologias nucleares.
No Brasil, em junho
de 2013, a Rosatom, realizou um seminário sobre a sua experiência global no
desenvolvimento e aplicação de tecnologias nucleares, que contou com a presença
de executivos da Rosatom e de grandes empresas brasileiras, de autoridades da
área nuclear, de representantes dos Ministérios das Minas e Energia e da
Ciência e Tecnologia do Brasil, entre outros.
A mensagem da empresa
foi clara: caso haja interesse por parte do governo brasileiro, a Rosatom está
disposta a construir, operar e financiar investimentos em usinas atômicas no
país, através de acordos do tipo BOO (sigla do inglês “construa, seja o dono e
opere”, cuja pronúncia é “búu” – seria um alerta?). Por esses acordos, a
empresa russa receberia ações da companhia dona das usinas, proveria expertise
técnica e a maior parte do financiamento, construiria as unidades e operaria as
instalações. Claro, desde que haja mudanças na Constituição Federal de 1988,
pois os art. 21, inciso XXIII, e 177 garantem o monopólio da União para toda a
cadeia do urânio – da mineração à geração de energia elétrica.
A cooperação
russo-brasileira na esfera nuclear é regulada pelo Acordo Bilateral, assinado
em 1994, entre o Governo da Federação da Rússia e o Governo da República
Federativa do Brasil, o qual prevê uma parceria para usos pacíficos da energia
nuclear. Em julho de 2009, os dois países concluíram um memorando de entendimentos
para cooperação nuclear. E, em dezembro de 2011, a Rosatom Overseas,
subsidiária da Rosatom, aderiu à Associação Brasileira para o Desenvolvimento
de Atividades Nucleares (Abdan).
Bem, está-se falando
aqui de negócios bilionários, pois cada usina de 1.000 MW custa à bagatela de
cinco bilhões de dólares (e o Plano Nacional de Energia 2030 prevê a construção
de quatro dessas usinas). Cabe perguntar: será apenas coincidência a
proximidade do artigo do Dr. Bolshov e a visita de negócios da Rosatom ao Brasil?
Ou, mais uma vez, a “ciência” se subordina a interesses econômicos (e
políticos)? (ecodebate)
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