Entenda a importância disso para a segurança e a ciência
nacionais.
O Brasil possui duas amazônias. A
primeira todo mundo conhece: 3,2 milhões de km² de floresta e biodiversidade. A
outra, apesar de ocupar toda a porção leste do país, ainda é quase secreta. É a
Amazônia Azul, como a Marinha convencionou chamar o território submerso na
costa brasileira. A área tem 4,4 milhões de km² de água salgada, e importância
econômica incrível — dali é retirado 90% de nosso petróleo e por ali passa 95%
de nosso comércio exterior. Escondidos sob as ondas, somente 5 submarinos
patrulham essa imensidão — é como patrulhar as fronteiras da floresta amazônica
e deixar o miolo desprotegido. Com a descoberta do pré-sal, cuidar dessa área
se fez mais urgente ainda.
Para isso, a Marinha traçou um
plano de longuíssimo prazo: até 2047, o país terá 26 submarinos patrulhando sua
costa. O primeiro passo foi no final de 2008, quando o governo brasileiro
firmou um convênio com a França para a transferência da tecnologia do submarino
Scorpène. O segundo foi em julho de 2011, com o início da fabricação das novas
embarcações no estaleiro de Itaguaí, no Rio de Janeiro. A próxima geração de
submarinos brasileiros deve chegar aos mares em 2017. Mais importante que isso,
no entanto, são as mudanças que os engenheiros brasileiros planejam fazer no
projeto francês. A ideia é realizar um transplante: sai o motor a diesel, entra
um reator nuclear. Começando agora, a Marinha espera concluir a construção do
primeiro submarino movido a propulsão nuclear em 2023.
Com isso, o Brasil entraria para o
seleto clube dos países que dominam a tecnologia — China, Estados Unidos,
França, Inglaterra e Rússia. Para se ter uma noção da importância estratégica desse
veículo, esses 5 são justamente os membros permanentes do Conselho de Segurança
da ONU.
Corpo de aço, coração nuclear
Segundo o almirante-de-esquadra
Julio Soares de Moura Neto, atual comandante da Marinha do Brasil, o submarino
é o veículo com o melhor custo/benefício na guerra naval. “Sua vantagem
determinante é a capacidade de se ocultar e surpreender”, diz. Na guerra das
Malvinas, por exemplo, foi o elemento surpresa que permitiu a um submarino
britânico realizar o maior ataque do conflito, quando destruiu um navio argentino
e matou 368 homens.
No entanto, os submarinos
convencionais têm um grande inconveniente: após alguns dias submersos eles
precisam voltar à superfície para literalmente pegar ar e recarregar as
baterias — e lá se vai o elemento surpresa. Já o submarino nuclear, graças à
capacidade quase inesgotável do seu reator, pode ficar debaixo d’água por meses
e atingir altas velocidades por tempo ilimitado. “Ele pode chegar a qualquer
lugar rapidamente. Para o inimigo, significa estar em todos os lugares ao mesmo
tempo”, diz Moura Neto. Mas homens têm limites: quando o submarino nuclear
sobe, é para repor alimentos e desestressar a tripulação.
Engenheiros brasileiros já estão na
França para receber treinamento na montagem do submarino. As peças mais caras,
como o casco de aço, periscópio e sonar, terão de ser importadas de lá. Já a
tecnologia nuclear será totalmente desenvolvida no Brasil, e a Marinha vai usar
a técnica nacional de fissão nuclear (para saber o que é fissão, leia a matéria
Não faça você mesmo, nesta edição; para saber como ela move as turbinas, ver
infográfico ao lado). Além disso, os submarinos virão armados com torpedos e
mísseis Exocet franceses. Cada embarcação vai custar cerca de US$ 1,5 bilhão.
Tecnologia profunda
Desde os anos 70 os militares brasileiros planejam a construção de um submarino nuclear, mas sofriam com barreiras impostas pelas potências estrangeiras. A tecnologia teve de ser desenvolvida aqui dentro — em 1982, o país dominou o ciclo de combustível nuclear. A partir dos anos 90, os recursos minguaram, até a ressurreição recente do projeto. O próximo passo deve ser a construção de um reator nuclear em solo, para testar o equipamento. Ele está sendo desenvolvido no Centro Experimental Aramar, em Iperó (SP), e deve ser concluído em 2014.
Uma preocupação que envolve o projeto é a falta de profissionais para lidar com a tecnologia. A Comissão Nacional de Energia Nuclear, que em 1991 tinha 3.750 servidores, hoje tem somente 2.550 — com idade média de 56 anos. “Há uma necessidade urgente de reposição e de formação de novos profissionais”, diz José Roberto Piqueira, vice-diretor da Escola Politécnica da USP. Pensando nisso, a USP irá abrir em 2013 um curso de graduação em Engenharia Nuclear, ao lado do centro da Marinha em Iperó. Parcerias entre as duas instituições já estão nos planos. Submarinos e engenheiros nucleares: é o Brasil buscando novos voos — ou melhor, mergulhos. (globo)
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