Ao longo dos próximos meses, técnicos da Empresa de
Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal de planejamento do setor de energia,
se debruçarão sobre o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, o planejamento do
setor para as próximas quatro décadas, buscando identificar a potencial
composição da matriz energética até 2050, o consumo e a demanda da população. A
expectativa é de que o estudo possa ser concluído e divulgado ao público no
próximo ano.
Detentor de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo,
baseada no etanol e na hidroeletricidade, o país terá como desafio manter a
trajetória sustentável ao longo dos próximos anos, o que não será fácil. No
setor de cana-de-açúcar, será preciso destravar um ciclo de investimentos para
que o país possa atender à demanda crescente. O Brasil tem atualmente 5,5
habitantes por veículo, enquanto nos EUA essa paridade é de 1,6, na Europa, de
1,9, e na Argentina, de 3,7. Já, no setor elétrico, 70% do potencial
hidrelétrico está na região Amazônica, em que nos últimos anos tem prevalecido
a construção de usinas a fio d'água.
"Estamos iniciando as discussões para o PNE 2050 e
nossa intenção é de que ele seja publicado no primeiro semestre de 2014.
Queremos privilegiar as fontes renováveis", afirma o presidente da EPE, Mauricio
Tolmasquim. "O Brasil tem um desafio positivo e diferente do resto do
mundo. Nossa matriz é mais renovável do que a dos outros países e podemos ter
várias saídas ainda para mantê-la nessa posição", destaca Nivalde de
Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ. As fontes
renováveis representam 45% da energia produzida, por conta do etanol e das
hidrelétricas, percentual muito acima dos 10% apurados nos países que integram
a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Apesar da posição privilegiada, o futuro apresenta vários
obstáculos. O primeiro deles se refere à hidroeletricidade, que representa cerca
de 80% da geração de energia elétrica no país. Desde a década de 1990, por
conta de pressões ambientais, o Brasil tem privilegiado investimentos na
construção de hidrelétricas sem grandes reservatórios de armazenagem.
"Antes tínhamos reservatórios que permitiam que pudéssemos guardar água
por dois ou três anos. Sem isso, viramos reféns da chuva", afirmou o físico
José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade
de São Paulo (USP).
Neste ano, com os reservatórios nos níveis mais baixos nos
últimos dez anos, para aumentar a segurança no abastecimento, o governo tem
recorrido à geração de gás natural para térmicas e já sinalizou com a
contratação de carvão para construir novas térmicas nos próximos anos. "A
sustentabilidade da matriz elétrica, hoje calcada na geração hidrelétrica, está
em xeque, o que evidencia a importância de se investir em biomassa de
cana-de-açúcar para gerar eletricidade, por exemplo", destaca o físico.
Mesmo com reservatórios menores, a construção de
hidrelétricas enfrenta dificuldades. Exemplo pode ser visto na usina de São
Manoel, no rio Teles Pires. O governo tenta há mais de dois anos obter
licenciamento para o empreendimento. Em outubro de 2011, durante processo de
audiência pública de discussão da obra, quatro funcionários da Funai, dois da
EPE e um antropólogo foram sequestrados pela tribo indígena Kururuzinho, que
não quer a usina. "Se conseguirmos avançar com as hidrelétricas, mesmo que
sejam a fio d'água, será um progresso, mas temos visto muitas dificuldades. São
Manoel não tem reservatório e seu impacto sobre a comunidade indígena é nulo",
diz Tolmasquim.
Esse tipo de problema pode reduzir a participação dessa
fonte ao longo das próximas décadas. Isso é o que aponta estudo da FGV Projetos
sobre o cenário do setor elétrico até 2040. "Começamos a viver uma
transição na matriz de energia elétrica, o custo marginal de expansão
hidrelétrica será crescente e a fronteira de expansão, no Cerrado e na
Amazônia, trará uma grande sensibilidade ambiental, então deveremos ver uma
diversificação maior de fontes", afirma Otavio Mielnik, coordenador do
estudo. Com base em três cenários e em diferentes projeções de crescimento da
demanda até 2040, a participação das hidrelétricas, hoje em cerca de 80%,
poderá cair para 57% a 46% da geração de energia elétrica.
"Energia de usinas eólicas, de biomassa de cana e
nucleares deverão ganhar espaço", ressalta. O gás natural poderá ampliar
sua presença. Portaria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) determina que, a
partir de 2015, a queima de gás terá de ser apenas de 3% nos campos de
petróleo. Isso se combina ao cenário do pré-sal, em que há gás associado ao
óleo. "O gás terá de ser mais usado, mas existem algumas incógnitas, como
o custo de transporte e a eventual adoção de novas regras ambientais, já que a
emissão de dióxido de carbono poderá ser precificada nas fontes em algum
momento do futuro, o que poderá ter impacto", destaca o especialista da
FGV Projetos.
Outro desafio será dosar o avanço gradual de cada fonte
alternativa na matriz, permitindo que cada uma consiga espaço de forma
equilibrada ao longo dos anos. As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH),
vedetes do setor elétrico no início da década de 2000, agora passam por um
momento de entressafra. Os projetos de biomassa de cana também estão com baixa
atratividade, enquanto o destaque está com as usinas eólicas. Entre dezembro de
2009 e dezembro de 2011, foram contratados 6.759 MW de capacidade instalada de
eólica, que poderá chegar até o fim da década com potência superior a 12 mil
MW, o tamanho de Itaipu.
Destravar um ciclo de investimentos no setor sucroalcooleiro,
que responde por cerca de 20% da energia nacional principalmente do
abastecimento de etanol, é outra questão importante. Estima-se que a demanda
pelo combustível poderá saltar dos atuais 22 bilhões de litros 47 a 68 bilhões
de litros em 2020. Em 2012, o país registrou um déficit de 4,6 bilhões de
litros no etanol hidratado. Esse déficit poderá aumentar quase cinco vezes até
o fim da década. (novacana)
Nenhum comentário:
Postar um comentário