Acidente de Fukushima escancara questão da segurança, põe em xeque opção por plantas atômicas e acirra debate sobre política energética.
A radiação liberada da usina nuclear de Fukushima no Japão pode ter tido um impacto geográfico limitado. Mas suas implicações políticas atravessaram fronteiras e o que parecia uma tecnologia consolidada e em plena expansão agora volta ao centro da agenda política e energética de vários países.
O debate, que envolve a questão da segurança e também o futuro do abastecimento de energia no planeta, ganhou nesta semana uma nova dimensão quando a Alemanha anunciou que vai fechar todos seus 17 reatores nucleares até 2022, revertendo uma posição política que parecia sólida há apenas nove meses. Na Alemanha, 23% da energia vem dessas plantas.
Agora, o anúncio da chanceler Angela Merkel foi considerado como uma vitória do "lobby verde", que começa a ganhar poder e influenciar eleições. Mas não são apenas os votos que entram na equação - parte da decisão está vinculada à promoção de um novo setor industrial. A indústria de energia renovável na Alemanha é responsável por 13% do abastecimento do país e deve chegar a 35% em 2020. O país tem as maiores empresas de energia solar e eólica do mundo. A Siemens, por exemplo, prepara um plano ambicioso para captar energia solar no deserto do Saara e abastecer a Europa.
No total, 17 bilhões foram investidos pela Alemanha em 2009 no setor, que em dez anos deverá empregar 500 mil pessoas. Hoje, seriam 300 mil funcionários, quase dez vezes mais que a mineração.
A Europa parece ter se transformado em um campo de testes políticos a céu aberto para a discussão do futuro da energia nuclear. O governo da Suíça apresentou a mesma proposta do alemão, ainda que tenha colocado a meta do fechamento das usinas na década de 2030 - o país vai buscar nos próximos 20 anos um substituto para a energia nuclear, hoje responsável por 40% do abastecimento do país. Em julho, será a vez da Suécia debater o fim da energia nuclear, enquanto a Itália colocará a questão em um referendo, no dia 12 de junho.
Considerações políticas e econômicas também fazem parte dos cálculos de outros países, mas de uma maneira diferente, principalmente entre os que precisam importar energia. As crises na Líbia e no Oriente Médio fizeram os preços de petróleo e gás explodirem, fortalecendo inclusive o lobby pró-nuclear.
A França se transformou no maior exemplo da dependência de toda uma economia em relação à energia nuclear. Hoje, mais de 70% da eletricidade do país vem de plantas atômicas. Não por acaso, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, sequestrou parte da agenda do G-20 e do G8 que ele mesmo lidera, para insistir em debater a segurança nuclear - e não sua exclusão. O governo tem grande parte das ações na Areva, uma das maiores indústrias do setor nuclear no mundo.
Vendas
A aposta na energia nuclear parece também fazer as empresas manter o otimismo. Mesmo com a as iniciativas alemã e suíça, uma das principais fabricantes de tecnologia para usinas nucleares, a japonesa Mitsubishi, estima que suas vendas podem dobrar no mundo até 2014, chegando a US$ 7,4 bilhões. Isso graças à proliferação de planos de construção de usinas em mercados emergentes.
Em pouco mais de 50 anos, a energia nuclear ganhou um espaço sem precedentes. Dados da Associação Nuclear Mundial apontam que existem 440 reatores em uso em 47 países - 14% de toda a energia gerada no mundo vem de plantas nucleares, um total de 2,6 trilhões de quilowatts. Antes de Fukushima, as estimativas apontavam que o número de plantas aumentaria em 50% em poucos anos.
"Não estamos vendo o fim da era atômica", adverte Duane Bratt, da Universidade de Calgary, no Canadá. Ele lembra que até a Ucrânia anunciou a construção de novas usinas, mesmo depois da experiência de Chernobyl. No Japão, o governo insiste que não está pensando em abandonar a opção nuclear.
"A decisão não terá uma implicação mundial", acrescenta Steve Kerekes, do Instituto de Energia Nuclear dos EUA. Segundo ele, apenas a China tem 87 reatores em construção, um número quase cinco vezes maior de usinas que a Alemanha fechará.
Se a decisão de Berlim e Berna são relativamente modestas diante do avanço dos demais programas, ambientalistas admitem que os anúncios na Europa pelo menos mostram que já não existe um consenso de que a energia nuclear é a única saída. A esperança, agora, é de que grupos de ambientalistas de outros países recoloquem na agenda política a mesma discussão. (OESP)
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