terça-feira, 28 de junho de 2011

Energia que nos escraviza

Podemos viver sem a energia que nos escraviza?
Nos tempos primitivos, os povos mais fortes subjugavam os seus vizinhos fracos para aprisionar indivíduos que, em troca da vida, executassem serviços braçais, provendo aos senhores o conforto de executar um serviço pesado sem despender esforço. Na visão dos vencedores, pelo simples fato de terem perdido a batalha, os capturados eram considerados inferiores e, portanto, destinados a servir aos captores. Era a execução de um perfil instintivo, a serventia da força muscular alheia – a escravidão.
Em certos animais, como ocorre com algumas espécies de insetos, ainda prevalece essa índole que faz parte do instinto maior da sobrevivência. Com o advento no animal humano do potencial da inteligência, tal procedimento não deveria ter justificativa moral. Contudo, a escravatura ainda perdurou durante muito tempo por atender aos interesses egoísticos de quem possuía o poder para tal. Mas sempre sob o entendimento moral e religioso de que o escravo era um ser inferior sem alma, tal como nosso subconsciente justifica nos dias atuais o trabalho escravo do cavalo na carroça ou o do boi na tração do arado.
Mesmo com o surgimento dos primeiros instrumentos facilitadores do lida humano, ainda era largamente utilizada a escravatura por se constituir em uso de esforço alheio mais barato e tratar-se de procedimento já inserido como normal na cultura da época.
Com o advento de máquinas operatrizes cada vez mais eficientes, passou-se a utilizar um executor mais barato ainda, a força motriz do carvão mineral, que era um escravo manso, abundante, de fácil extração, inteiramente aceito e justificável pelos cânones da vivência incipiente da era industrial. O objetivo era o mesmo: não despender esforço físico na execução de um trabalho e acelerar o ritmo produtivo, aumentando o lucro.
Com a adesão universal à utilização do petróleo, em meados do século XIX, o processo industrial teve um incremento muito grande e passou a ser o tipo de servidão mais usado, pois movia praticamente todas as coisas e redundava em conforto físico e rapidez à atividade econômica humana. Ganhava-se mais e mais depressa, e o enriquecimento trazia o poder, e se tornou o ideal de vida.
Dessa forma, o ‘ouro negro’ entrou com grandes poderes na composição dos valores culturais da moderna civilização. De tal forma que, nestes tempos, está moldando a geografia social e política do mundo aos interesses do sistema econômico, cujo deus concreto e visível é o dinheiro.
No fim do mesmo século, foram idealizadas e construídas as usinas hidroelétricas, com os mesmos objetivos, aumentando consideravelmente a disponibilidade de força escravizada. Por fim, para atender à fome insaciável de escravos para o sistema econômico, procedeu-se à violação insana do sacrário das forças cósmicas: o átomo. Um louco não mede consequências; só lhe interessa o imediatismo. O mundo está atualmente nas mãos de loucos que se dizem governantes.
Atualmente exploramos diversas fontes de força: as fósseis, as hidráulicas, eólicas, químicas, nucleares, que são escravos que nos retribuem como consequência abundantes venenos ambientais e a inaptidão do animal humano para os labores da vida. Inaptidão pelo não uso das ferramentas próprias e adequadas para o exercício não predatório da vivência no ex-paraíso terrestre.
Energia é força. É escravo posto a produzir lucros ao sistema, ao tempo em que destrói direta e indiretamente nosso ambiente pela rapidez e pelas consequências de sua utilização muito acima da disponibilidade terrestre e de verdadeiras necessidades humanas.
Podemos perfeitamente viver sem energias cativas. As energias captadas pelo modernismo contraproducente atingiram tal vulto que a situação se inverteu: a atual civilização passou a ser cativa do seu escravo. Numa decisão revolucionária, em harmonia com um viver natural e sadio, podemos e devemos nos libertar dessas forças. Libertação racional e bem administrada para que não seja tumultuada a ordem social.
As consequências serão infinitamente favoráveis ao meio ambiente e à formação mental sadia das novas gerações. No princípio isso será doloroso e trará lacunas nos hábitos desnaturados à atual cultura tecnológica e artificial, mas esse é o preço do retorno do equivocado rumo de nossa atividade.
Alguém poderá estranhar essas considerações, qualificando-as de exageradas e fora da realidade. É bom que pensem assim, pois se tornam passíveis de perceber a verdadeira extensão da violência e desarranjo a que nos leva a ameaça ambiental, por certo muito mais dolorosa em futuro próximo que a renúncia preventiva, aqui sugerida.
Sem a coragem dessa reviravolta cultural, que parecerá inexequível à primeira vista, continuaremos sugando a Natureza para satisfazer interesses materialistas e supérfluos, redundando no final em destruição das condições básicas da biodiversidade.
Somente existe um tipo de energia do qual não podemos prescindir: o alimento. O sistema orgânico, pela ação do metabolismo, o transforma em força, disposição, harmonia, vida. Podemos e devemos nos desvencilhar da dependência das energias escravizadas – enquanto há tempo – pois elas próprias já nos estão tornando escravos indolentes dentro do sistema.
Hoje, um humano não sabe plantar um chuchu, mas sabe manusear um telefone celular. Quando tiver fome, seu alimento será um aparelho tecnológico? Será a gasolina, o etanol, a eletricidade, a radiação nuclear?
Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e articulista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade. (EcoDebate)

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