domingo, 26 de junho de 2011

Biocombustíveis: a estratégia da Petrobras

O futuro dos biocombustíveis VI: a estratégia da Petrobras
Em artigos anteriores, comparamos as estratégias da BP e da Shell em biocombustíveis. Agora, apresentamos o caso da Petrobras. Vale recordar rapidamente a fundamentação da análise. Partimos de uma distinção de base entre a competição dentro da estrutura industrial existente – etanol e biodiesel – e a competição no que denominamos indústria de biocombustíveis e bioprodutos do futuro – novos processos e novos biocombustíveis e bioprodutos. No primeiro caso, temos tipicamente uma competição baseada no posicionamento dentro de uma estrutura industrial conhecida. No segundo, a estrutura industrial ainda não está estabelecida e a base da competição é a capacidade de inovar e moldar a nova estrutura industrial. Esses pontos estão desenvolvidos com mais detalhes nas postagens anteriores da série.
É importante ainda notar que na indústria de biocombustíveis de primeira geração as tecnologias de conversão estão disponíveis para os investidores a partir de fontes externas acessíveis como as empresas de engenharia/tecnologia e fabricantes de equipamento. Na indústria de biocombustíveis do futuro – baseada em inovação em novas matérias-primas, novos processos, novos produtos – uma mudança fundamental é o deslocamento da fonte de tecnologia para dentro das empresas, com isto, a tecnologia tende a ser muito mais sofisticada nos bioprodutos do futuro e consequentemente proprietária. Existem, portanto, grandes diferenças nas estratégias tecnológicas entre a indústria de hoje e indústria do futuro.
O caso da Petrobras – A Petrobras tem como visão para 2020 tornar-se um dos cinco maiores produtores mundiais de biocombustíveis.
O primeiro ponto a se destacar é o volume expressivo de investimentos previstos: 3,5 bilhões de dólares. Esse montante coloca a empresa talvez como a maior investidora em biocombustíveis entre as empresas de petróleo e gás. A Petrobras é a única das grandes empresas de petróleo que tem uma subsidiária constituída para se dedicar ao segmento biocombustíveis.
Mas em que atividades está o foco desses investimentos? O principal segmento é o de etanol que deverá consumir cerca de 2,0 bilhões de dólares, isto é, mais da metade do investimento total no período. Se considerarmos que serão investidos cerca de 0,7 bilhão de dólares em logística e que boa parte desses recursos irá para a estrutura de exportação de etanol, pode-se concluir que o etanol é o centro da estratégia da Petrobras. A empresa pretende expandir sua capacidade de produção em 193% no período, atingindo 2,6 bilhões de litros/ano em 2014. Boa parte desse etanol será destinada à exportação que crescerá 135% no período, atingindo 1,1 bilhão de litros em 2014.
Como todo esse investimento será feito dentro da atual indústria de etanol, pode-se concluir que a estratégia da Petrobras é de posicionamento competitivo com particular atenção ao desenvolvimento do mercado internacional de etanol.
No caso do biodiesel, embora os recursos sejam bem inferiores, a lógica dos investimentos é semelhante: assumir uma posição competitiva dentro da indústria existente. Serão investidos na expansão da produção em biodiesel 400 milhões de dólares que deverão permitir um aumento de capacidade de 47%, atingindo 747 milhões de litros em 2014. Atualmente, são quatro usinas em operação e três em implantação. Existem ainda dois projetos em palma: um deles para a exportação de óleo de palma a ser industrializado pela Galp em Portugal e o outro para produção de biodiesel para a região amazônica. Esses projetos representam investimentos de quase 900 milhões de reais.
Em P&D serão aplicados 400 milhões de dólares nos próximos quatro anos. O volume de recursos deve ser considerado expressivo embora represente apenas 11% dos recursos aplicados na expansão dentro da indústria de primeira geração. A Petrobras, portanto, considera como objetivo estratégico assegurar uma posição forte na atual indústria.
Qual são os principais eixos das pesquisas em desenvolvimento? Como essas pesquisas serão integradas no processo de crescimento da Petrobras Biocombustíveis? À luz dos documentos publicados pela empresa e das informações disponíveis em apresentações da empresa e na imprensa especializada, esse processo não parece muito claro. Na verdade, as pesquisas situam-se no Cenpes e os negócios numa subsidiária, a Petrobras Biocombustíveis, o que pode levar a estratégias não necessariamente convergentes.
Sabe-se que a Petrobras associou-se à empresa americana KL Energy para o desenvolvimento de etanol celulósico a partir de bagaço de cana e que se previu nos anúncios feitos (em agosto 2010) a possibilidade de uma planta em 2013 junto a uma das unidades de etanol existentes. Essa iniciativa deu sequência a esforços de pesquisa em escala piloto que o Cenpes já vinha desenvolvendo com base em pesquisas internas e de universidades brasileiras. A associação com a KL Energy sugere um empenho em avançar no etanol lignocelulósico.
Sabe-se ainda que o Cenpes desenvolve pesquisas em gaseificação de biomassa para a produção de diesel na chamada rota termoquímica BTL (biomass to liquids). Há ainda registro de redes de pesquisas, com a participação de universidades e centros de pesquisa, em matérias-primas para o biodiesel: girassol, mamona, pinhão manso e macaúba e em bio-óleo.
O processo HBio, que já mereceu grande destaque como um feito tecnológico importante, praticamente não é mencionado nos documentos da empresa. Os registros limitam-se a citar que o processo HBio representa uma nova forma para a produção de biocombustíveis complementar ao Programa Brasileiro de Biodiesel. Isso parece sugerir que a empresa não demonstra atualmente grande interesse nessa alternativa.
Assim, o esforço de pesquisa da empresa no caso do diesel parece em parte voltado para tecnologias convencionais que não são consideradas promissoras pelas empresas de grande porte do setor de petróleo e gás interessadas em biocombustíveis. Nesse ponto, existe um grande contraste entre a Petrobras e a abordagem da Neste Oil. A empresa finlandesa tem um foco claro no diesel, mas trabalha com uma tecnologia própria de refino de óleo vegetal (NexBTL) de certa forma similar ao conceito HBio. A Neste Oil tem três plantas em operação (duas de 190.000 t/a e uma de 800.000 t/a) e uma em construção (800.000 t/a), utilizando basicamente óleo de palma. O investimento total nas quatro plantas é da ordem de 1,4 bilhão de euros. Mas essa produção é associada a projetos de pesquisa de tecnologias mais avançadas (BTL, algas, microorganismos) que são explicitamente anunciadas como processos que, no futuro, serão estratégicos para suprir as necessidades de matéria-prima e de qualidade ambiental dos biocombustíveis.
De um modo geral, esse contraste de foco na indústria atual de primeira geração e menor interesse na inovação com vistas à construção da indústria do futuro se verifica também ao compararmos a estratégia da Petrobras em etanol com as estratégias da Shell e da BP. Essas duas empresas têm hoje um portfólio que reúne investimentos em primeira geração mas também investimentos estruturados com vistas à transição para a indústria do futuro. Empresas de petróleo importantes, como Exxon e Total, antes ausentes do segmento biocombustíveis têm feito entradas voltadas para apostas tecnológicas de impacto (Exxon 300 milhões de dólares, em 2009, em algas com a Synthetic Genomics, Total adquirindo participações em projetos « estrelas » como Amyris, Gevo e Coskata).
Distingue-se, portanto, a Petrobras por uma estratégia de forte envolvimento na indústria e de concentração desse envolvimento na indústria de primeira geração. Logo, uma estratégia agressiva de posicionamento na indústria de hoje e com pequeno envolvimento em tecnologias mais avançadas que podem vir a ser a base do futuro da indústria. Limitando-se ao pequeno número de empresas mencionadas até agora, pode-se identificar que as demais empresas de petróleo e gás se dividem em dois grupos: estratégias de posicionamento conciliadas com esforços inovadores para construção da indústria do futuro (casos de BP, Shell e Neste) e estratégias de investimentos via participações minoritárias em projetos de grande peso inovador (Exxon e Total, por exemplo.)
Em conclusão, pode-se destacar o grande volume de recursos aplicados pela Petrobras como um sinal de efetivo interesse de manter uma posição de liderança na indústria de biocombustíveis. Entretanto, o foco estratégico parece se concentrar na indústria de primeira geração – etanol e biodiesel – não vislumbrando efetivamente até o momento um esforço de construção da indústria de biocombustíveis do futuro e de busca de liderança nessa nova indústria.
Espera-se que os recursos expressivos alocados à pesquisa venham a contribuir para a sofisticação do portfólio da empresa, em particular no segmento diesel. Esse segmento parece hoje excessivamente comprometido com o que é visto, segundo nossas observações da dinâmica de inovação em nível mundial, com conceitos que dificilmente ocuparão um espaço relevante na indústria de biocombustíveis do futuro. A Petrobras pode ser muito mais ousada e ambicionar uma posição muito mais expressiva na indústria de biocombustíveis e bioprodutos do futuro.
José Vitor Bomtempo é doutor pela Ecole Nationale Supérieure des Mines de Paris, 1994. Pesquisador associado e professor e pesquisador da Pós-graduação da Escola de Química/UFRJ. Atua nas áreas de economia e administração, organização industrial e estudos industriais. (ambienteenergia)

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